A fumaça invadia meus pulmões, respirar era agoniante. Abraçava meu próprio corpo, procurando algum consolo, mas era inútil. O fogo, o silêncio e a fumaça me assustavam demais para que eu pudesse sequer pensar em algo, as lágrimas não paravam de cair.

— Alguém? — Perguntava quase como um sussurro em meio aos soluços — Por favor...

Mas ninguém respondeu. Ninguém nunca respondeu, era como falar com o vento, e normalmente era o que eu fazia. Chorava e gritava ao vento, não existiam mais pessoas ali, não havia quem me escutasse, não havia quem me ajudasse. Então fiz o que habitualmente fazia depois de pedidos de ajudas, inutilmente expressos, sentava e chorava, não havia ninguém para rir de mim mesmo, ou então me julgar por tal ato, eu apenas sentava e chorava. Porém dessa vez foi diferente.

— Garotinha, você está bem?

Havia alguém para me consolar.

Levantei-me de súbito, meus lábios tremiam, minha respiração estava acelerada igual a meus batimentos, olhei para minhas mãos desejando achar meu amado ursinho. Ele não estava. Em vez dele, em minha mão se encontrava uma foto amassada. Uma foto antiga e surrada, ameaçando rasgar em algumas partes. Era a imagem de uma garota pálida, pequena e de cabelos curtos, havia um mar de devastação atrás da mesma, porém ela não parecia se importar, afinal sorria na foto, estava agarrada a uma pelúcia vermelha de membros exageradamente grandes. Aquela era eu, era Marceline, nos tristes e duradouros dias de minha infância. Meus dedos contornavam a imagem, em especial o sorriso, e sem querer uma lágrima havia molhado o papel.

Dei um sorriso fraco jogando a foto em cima da cama, levantei-me e fui até a sala de estar. Sentei-me, ou melhor, flutuei por cima de meu sofá, jogando a cabeça para trás e encarei o teto. As lembranças estavam frescas demais na minha mente para que eu pensasse em voltar para cama, afinal, eu nunca havia esquecido ele, apenas tentava não pensar nisso toda hora. Mas agora, era tarde demais. A letra vinha de novo, e eu apenas deixei-a fluir, e cantarolei ao ritmo que vinha em minha cabeça.

— Marceline, somos só eu e você nas ruínas desse mundo.

O sentimento de confusão pode ser profundo.

E eu sei que vai precisar de mim com você.

Meu peito apertou. Simon havia sido a única pessoa que cuidou de mim, e doía vê-lo transformado em uma pessoa odiada e que ele não escolheu ser. As pessoas olhavam e viam apenas o rei gelado, um pervertido sequestrador de princesas, que devia apenas apanhar cada vez mais e mais. Eu via o homem que um dia ele havia sido. Todo o dia ia até seu frio e gélido castelo. Era algo inútil, pelo fato que jamais poderia ajuda-lo, mas só de saber que estava bem na medida do possível, era um alívio. Torcia todos os dias para que ele se lembrasse de algo. Se lembrasse do ursinho vermelho, dos óculos redondos, dos cabelos curtos, da terra devastada, ou da garotinha pálida e pequena que havia ajudado.

Ajuda...

Como na letra certo Simon?

— A magia me mantém vivo, mas também me enlouquece.

E eu tenho que salvar você, mas quem é que me salva?

No fim, ninguém te salvou. Você viveu até seu último minuto cuidando de mim, deixou-se existir para me permitir viver. Enquanto eu fiz o que? Nada, exatamente, nada. Você morria aos poucos na minha frente, sua cabeça não era a mesma, a loucura parecia ser algo ótimo para você. E com o tempo o Simon morreu, e em seu lugar surgiu o grande vilão rei gelado, o julgado, o odiado, o bandido, o mais irritante vilão da história. Porém mesmo assim continuo te admirando, você não é, e provavelmente jamais será o mesmo, afinal o Simon morreu, porém o rei gelado vive. Um homem perdido, engasgado com sua própria fumaça, sozinho em seu doce mundo gelado. Isso lembra alguém não é?

Pois bem, é minha vez de te salvar.

E então alguém sussurrou me tirando de meus pensamentos. Uma surpresa me envolveu de início, mas então pude sentir. Não era algo que eu nunca havia desejado. Era algo que eu pedia todos os dias. Deslizei uma das mãos por meu cabelo, enquanto a outra repousava em minha coxa. E apenas apreciei aquele doce sussurro deixando escapar algumas lágrimas.

“Obrigada Marceline, você sempre me salvou.”