"E todos souberam que aquela história iria acabar mal.
Me perdoe mama, eu poderia ter evitado isso, embora parte da culpa seja sua. Papa, não venha querer pedir perdão agora. Devemos aproveitar as coisas quando acontecem e não quando se perdem e viram nostálgicas. Só quero que peçam perdão a ela, minha pequena irmã. Eu falhei com ela e isso não foi certo. Quando eu atingi meu limite, peguei tudo o que achei que fosse importante a mim, algumas mudas de roupas e objetos pessoais.
Aquela foto de um passado que me faz pensar se não foi em outra vida, aquele caderno de ideias que seriam bizarras a qualquer um que as tentassem entender.
E fui.
Só.
Por esse mundo.
A chuva caia pesadamente sobre meu corpo e isso me fazia bem. Sempre gostei do modo que a chuva escondia minhas lágrimas em dias como esse e que não seria estranho alguém andar cabisbaixo. O vento forte parecia varrer o resto das forças que eu tinha e eu já me encontrava a beira dos degraus da casa onde diziam ser a perdição das almas atormentadas.
O local parecia condizer com o que eu sentia.
O cansaço de tudo aquilo que eu estava vivendo, mama sempre me julgando e me olhando severamente. Eu era apenas uma pedra em seu caminho. Papa? Não tínhamos uma boa relação. Era cada qual em seu lado.
Eu tentava ser uma boa pessoa a minha irmã, mas eu só a afastava de mim. A casa caia aos pedaços, podia sentir a chuva cair ainda sobre meu corpo mesmo dentro dela, grande parte do teto havia cedido a muito tempo atrás. Havia marcas por todas as paredes, flagelos infligidos nelas que poderiam ser escondidas sobre camadas de reboco e massa corrida, mas que ainda estariam presentes ali.
A escada para o segundo andar estava a poucos passos, o granito frio tornando um tanto escorregadio pela água, mas isso não impediu minha jornada. O vento era mais intenso e fustigava meu rosto, minhas roupas estavam pesadas, apenas peguei a foto daquela tarde de primavera onde eu estava sorrindo com alguns bons amigos, mas o vento levou isso de mim também.
Olhei para o chão desnivelado, aquela casa, segundo diziam, era o local de perdição de almas atormentadas, não era difícil algo acontecer ali. Algo que sempre abalava as pessoas, pois nunca se espera aquilo de alguém como nós. Nós somos criativos, criamos maneiras de mascarar tudo o que há dentro de nós, seja por sorrisos e risos ou por constante alegria, mas como dizem, os sorrisos mais bonitos e as risadas mais gostosas, escondem as dores mais obscuras.
E sem pestanejar, me livrei de tudo o que me fazia mal, não senti dor, foi quase que instantâneo, mas tive que abrir mão dos poucos momentos que me fizeram feliz.
Mama.
Papa.
Vocês não tem mais uma pedra no caminho de vocês, mas deixem claro que ela ganhou um novo anjo da guarda"

Texto encontrado sob uma camada de argamassa da outrora "Casa do Sol Nascente", autor desconhecido.