Hades e Perséfone escrita por Lady Íris


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Todos os deuses e deusas estavam reunidos ali no Monte Olimpo e Hades pela única vez não era exceção. Todos olhavam, espantados, temerosos o alto. Bem no alto de uma sacada onde estava dependurada uma deusa muito jovem, muito olvidada e possivelmente muito triste.

É que ninguém gosta de ser um fantasma na visão dos outros, isso Hades entedia bem. Fosse fantasma por ser muito incomum ou por ser muito comum o efeito era o mesmo.

E aparentemente, tudo podia acabar em uma sacada.

 Talvez fosse por isso que Perséfone estivesse ameaçando se jogar com os cabelos castanhos sendo chicoteados pelo vento e a face rubra de olhos ainda úmidos de choro.

Hades viu seus irmãos, Zeus e Demeter, no ápice do mais puro desespero. Deuses eram imortais, mas uma queda daquelas poderia deixar o mais forte dos deuses em um estado de coma profundo e aquela jovem era tão... Frágil.

— Filha!- Implorou a deusa da agricultura em desesperança- Por favor, não faça isso!

— Não!-Gritou a deusa, a voz rouca, porém determinada- Se tenho que ser apenas mais uma, prefiro não ser ninguém! Vou pular! Não tentem me impedir!

Lágrimas novas como feridas recém-abertas manchavam seu rosto. Ela não parecia querer realmente a morte. Parecia apenas estar muito triste e estar procurando uma escapatória. Pronta para aceitar qualquer solução.

— Perséfone- Pediu Zeus, o tom outrora tão imponente e majestoso tinha a mesma clemência de um murmúrio- Saia daí! Você nunca foi assim!

— Por que eu era sempre a sua filhinha perfeita!-Gritou entre soluços- Agora serei sua filhinha perfeita morta!

Hades suspirou e empurrou seu irmão mais novo e sua irmã mais velha em meio a protestos de ambos. Alguma coisa compeliu-o a falar. Falar alguma coisa. Falar qualquer coisa.

Moça, sai da sacada
Você é muito nova pra brincar de morrer
Me diz o que há, o quê que a vida aprontou dessa vez?

Moça, sai da sacada— Começou e quis rir da obviedade do pedido- O que foi? O que a vida aprontou dessa vez?

A deusa fixou os olhos nele. Era um completo estranho, mas tinha alguma coisa nele. Aquele olhar... Aquele olhar perdido, triste e eternamente resignado que a própria Perséfone tinha visto tantas vezes ao encarar a face de seu espelho.

— Aprontou? O que sempre está aprontando, não? – A menina gritou e riu uma risada curta e amarga- Deixe-me terminar o que comecei, é necessário. Você não entenderia!

— Não entenderia? – O homem arqueou uma sobrancelha parecendo genuinamente curioso- O que eu não entenderia?

A deusa pareceu conter-se por um momento, um hiato, um interlúdio na mórbida sinfonia enquanto franzia as perfeitas feições e as outras deidades encaravam, pasmas, o deus dos mortos que parecia conseguir impedir uma morte.

Venha, desce daí
Deixa eu te levar pra um café, pra conversar
Te ouvir
E tentar te convencer

— Vamos- Continuou, sem nunca desviar sua atenção- O que eu não entenderia? A vida passando por seus olhos como se você fosse uma pequena existência vagando pela terra? Dias onde você é como um espectro e noites em que você simplesmente não consegue dormir, pois sua mente só consegue contar motivos para ficar acordada?- O homem pisou com força o solo, se aproximando da residência- O que eu não consigo entender? O fato de você ser só mais uma das filhas de Zeus e às vezes se sente tão solitária que você acha que pode morrer? Ou o fato de que todos a acham uma flor tão bonita, mas ao mesmo tempo tão oca e efêmera?

 A mulher balançou a cabeça com força, as lágrimas voltando a correr desenfreadas.

—Por isso eu tenho que fazer, seu homem estúpido! Por que eu não posso viver assim!- Os soluços que percorriam seus corpos pareciam tão intensos que Hades achou que em meio a um destes, as mãos que se agarravam as grades da sacada se soltariam- Porque eu estou tão cansada de fazer parte de tudo, mas não pertencer a lugar algum!

— E o que te faz pensar que tem que ser assim? Oh, Perséfone, desce daí! Deixa eu tentar te convencer...

— Tem que ser assim!- Ela gritou em uma voz tão áspera que todos os presentes sentiram um súbito ardor na garganta- Tem que ser assim!

Que a vida é como mãe
Que faz o jantar e obriga os filhos a comer os vegetais 
Pois sabe que faz bem
E a morte é como pai
Que bate na mãe e rouba os filhos do prazer de brincar
Como se não houvesse amanhã

 Hades balançou a cabeça em sutil negativa.

— Não tem, você não quer morrer- Falou em um tom alto, claro, decidido que soava muito com a verdade- Você só está sozinha enquanto a vida te obriga a comer os vegetais. Não precisa ser assim, você não precisa estar sempre sozinha, sempre ignorada, sempre sendo aquilo que seria apropriado ser. Isso dói, não é? Passar todos os dias segurando nas mãos os laços que você possui como se todos fossem vasos adequadamente frágeis que podem quebrar. Como se um movimento muito brusco seu pudesse destruir toda a história de uma nação, para no fim você voltar completamente sozinha e vazia para dormir em uma mesma cama fria e tão grande!

— Dói!- Ela gritava, mas havia uma impotência digna dos mais temerosos sussurros. Ela gritava, mas estava tão quebrada. Tão dolorida. Tão mutilada- Mas você não pode saber! Não tem como você saber. Eu estou totalmente sozinha, você não poderia... Não poderia... Dói tanto.- A deusa primaveril fechou os olhos com força, desviando a visão do homem que certamente não poderia compreender a magnitude de tudo que era ela.

Que não poderia entender o que foi crescer como Perséfone, uma das filhas de Zeus. Mas uma filha de Zeus sem graça, que não era esperta, que não era especialmente bonita, que era só mais uma deusa. Que era tão comum que ficara invisível. Que virara um fantasma.

Moça, não olha pra baixo
Aí é muito alto
Pra você se jogar
Vou te ouvir
E tentar te convencer

— Como eu posso saber?- Hades desviou o olhar, respirou fundo e focou na face da jovem de olhos fechados- Eu que passa noites e noites acordado porque a insônia me pega nos braços e você sabe, a insônia tem esse jeito romântico que me faz pensar que existir na completa escuridão é mais confortável que dormir em uma cama. Como eu posso saber? Perséfone, eu ando todos os dias em oceanos de felicidade que eu sei que não consigo me batizar. Eu passo dias em uma rotina doentia e o único conforto que eu tenho é formado de segredos, lâminas e sangue. Como eu posso saber?- Hades riu de forma tão ensandecida que os olhos verdes da deusa foram obrigados a se abrirem- Eu sei porque eu sou como você. Eu sei porque eu estou sempre tão sozinho quanto você! E por isso eu não posso permitir que você se mate, você...

Uma expressão genuína de choque passou por sua face. Sozinho, como ela. Doído, como ela. Se os dois estavam sozinhos... Os dois também não poderiam estar juntos? Como... Como dois corações partidos que se encaixam?

Como um descanso das vezes que o mundo era tão mau que os cortava?

Que a vida é como mãe
Que faz o jantar e obriga os filhos a comer os vegetais
Pois sabe que faz bem
E a morte é como pai
Que bate na mãe e rouba os filhos do prazer de brincar
Como se não houvesse amanhã

Mas, tudo bem, nem sempre estamos na melhor...

Mas...— O deus passou os dedos pelos cabelos cor de ébano, parecia aturdido, nervoso como súbito silêncio do local repleto de deuses- Tudo bem, eu sei que nem sempre estamos na melhor...

Moço, ninguém é de ferro
Somos programados pra cair.

A deusa permitiu-se sorrir minimante para o homem que a encava. Algo quente dentro de si repentinamente se encaixou e pareceu ronronar. Muito lentamente desenlaçou os dedos das grades e permitiu-se, com a placidez de um anjo, cair da sacada.

Provou o gosto da queda antes de ser tão delicadamente segurada em braços fortes e firmes. Os braços enrolaram-se ao redor do pescoço do homem pálido que era o deus dos mortos. Sentia em sua pele o cheiro de angústia, solidão e ausência, mas também podia sentir o suave e pueril sabor de promessas, conforto e amor.

Sabia que sua pele também deveria provar o mesmo gosto para o homem.

— Moço— Falou Perséfone com um timbre suave, delicado. O timbre de pessoa que está prestes a se apaixonar perdidamente— Ninguém é de ferro, somos programados para cair...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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