O Último Desbravador do Leste escrita por Jel Cavalcante


Capítulo 9
Ninguém aqui imagina do que eu sou capaz


Notas iniciais do capítulo

Quando a ambição fala mais alto e o medo de ser o próximo eliminado toma conta, as crianças se transformam em verdadeiros soldados de guerra em busca da vitória. O que parecia um simples acampamento de férias vai se transformando aos poucos em uma grande corrida pela sobrevivência. Quem será que vai ficar para trás dessa vez?



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"Levanta Cris, eu preciso falar com você." - As mãos de Pata pressionavam a cabeça da amiga com cuidado para não machucá-la.

"Ai Pata, me deixa. Ainda é muito cedo pra acordar." - Cris havia passado a noite anterior em claro pensando nos acontecimentos dos últimos dias. Desde que pousara naquela floresta seu coração oscilava quase sem parar. Uma hora transbordava de amor por um garoto que só queria saber de vencer e no momento seguinte batia mais fraco sinalizando uma alma abatida com a situação em que se encontrava.

Depois de um bom tempo insistindo, Pata conseguiu levar a amiga para um lugar longe das barracas. Para ela, aquela era a hora perfeita para reconciliações e planejamentos.

"Olha, eu sei que tem sido tudo muito difícil por aqui nos últimos dias, mas eu queria que você soubesse que eu adoraria ter você de volta do meu lado. O Duda é um idiota que fica tentado colocar você contra mim. Desde que a gente chegou aqui, ele só pensa nesse jogo estúpido, passando por cima de valores que a gente sabe que são mais importantes do que vencer." - Pata introduziu um tema bastante delicado para aquela hora da manhã. A menina havia se tornado, sem perceber, naquilo que mais criticava. Talvez se tratasse apenas de um rosto com duas faces, ou ainda um reflexo do garoto que tanto odiava, mas alguma coisa estava diferente do que costumava ser.

"Não fala assim do Duda na minha frente. Ele é uma ótima pessoa e ta aqui pra jogar, assim como todos nós. Ou vai me dizer que o título de Último Desbravador do Leste não tem importância pra você? Ah, Pata, quer saber? Eu tô cansada de você tentando mandar em mim. Tudo que eu quero agora é paz e tranquilidade. Deixa pra pensar nessas coisas quando a gente perder alguma prova." - Ao falar aquilo, que mais parecia ter saído da boca de outra pessoa, Cris deixou a amiga para trás e saiu rumo ao desconhecido. Já estava farta das tramóias de sua equipe e tudo que mais queria era achar um lugar somente seu para poder relaxar.

Enquanto caminhava, percebia a floresta ficando cada vez mais densa. A trilha de volta parecia segura, mas por alguns segundos hesitou seguir em frente.

"... se ao menos o Duda tivesse aqui comigo. Quer dizer, não que eu esteja com medo dessa floresta. Isso aqui não deve ter um bicho sequer. O que eu quero dizer é… já sei!" - Cris permaneceu parada onde estava e começou a vasculhar algo em sua bolsa. Pegou a câmera que Duda havia lhe emprestado e ligou sem nem pensar se seu cabelo estava bem penteado.

"Oi galera. Aqui é a Cris. Eu já tenho um montão de novidades pra vocês e mal posso esperar pra contar tudinho no blog. Tô gravando esse video pra falar sobre aquele tal menino que eu tô gostando… Vocês não sabem! A gente ta cada vez mais próximo e ele até contou comigo pra colocar um mega plano arriscado em prática. E tem mais! A gente participou de uma prova em que os dois tinham que correr amarrados um no outro. Foi muito romântico, vocês tinham que ver." - Enquanto gravava o video, Cris percebeu algo brilhando, através da tela da câmera, próximo a sua cabeça. Sem pausar, se dirigiu até o arbusto onde o objeto se encontrava e teve uma grande surpresa - "Um colar? Não acredito! Gente, eu acabei de encontrar um colar de imunidade! Eu sei que vocês devem ta se perguntando o que é esse tal colar, mas eu juro que outra hora eu explico! Preciso voltar correndo pro acampamento e contar pro Du… e contar pro pessoal! Beijos e até mais!" - Cris desligou o video e saiu apressada com a cabeça à mil. Sabia que não poderia contar para todos sobre o colar, já que este poderia ser usado para protegê-la no futuro.

"Eu preciso contar pro Duda, pelo menos. Ele vai saber o que fazer com isso melhor do que eu. Mas… me dá um pouco de medo imaginar o que ele poderia tramar com esse negócio em mãos… Acho melhor fingir que nada aconteceu e depois eu vejo se devo contar pra alguém. É… se o Duda me quiser ao lado dele nessa competição, vai te que provar que merece a minha confiança."

_

Bia abriu os olhos espantada com o teto onde havia dormido. Desde a eliminação de Mili, a garota não falou com mais ninguém, permanecendo sozinha até mesmo na hora de dormir. Por sorte, encontrou uma caverna próxima ao acampamento e resolveu fazer dela o lugar onde passaria o resto dos dias. Em seu coração, uma raiva gigantesca ia tomando forma, capaz até de abandonar a competição. Mas lá no fundo, lembrava do momento em que Mili olhou em seus olhos e a pediu que ficasse e vencesse.

Ao levantar do chão pedregoso, coberto apenas por um cobertor pouco confortável, Bia se dirigiu ao riacho para se lavar e pensar com mais calma em como deveria agir dali para frente. Por mais que quisesse chegar até o fim, dificilmente resistiria a um próximo conselho. Todos ali eram seus inimigos declarados, até mesmo Fábio, que nada tinha a ver com a situação que tirou sua amiga do jogo.

Enquanto molhava o rosto, percebeu que não estava mais sozinha e uma sombra perpassou seu corpo. Ao ver de quem se tratava, fechou a cara imediatamente e se preparou para a defesa.

Um pouco mais atrás, Janjão se aproximava lentamente. Sem saber muito bem como se dirigir à garota ou se isso seria uma boa ideia, fingiu ter ido apenas escovar os dentes. Bia continuou lavando o rosto, como se não tivesse notado a presença de Janjão. Os dois permaneceram calados por um bom tempo até que um deles resolveu falar.

"Será que a gente pode conversar?" - Perguntou Janjão com a boca cheia de pasta de dente.

"Eu não tenho nada pra falar com você." - Respondeu Bia sem sequer olhar para o garoto.

"Eu sei que você deve ta se sentindo acuada. Mas a gente ainda é um grupo. Nós precisamos de você pra vencermos as próximas provas." - Janjão tentava esconder o apreço que tinha por Bia. Já fazia algum tempo que reprimia um certo sentimento em seu coração. Não sabia exatamente do que se tratava, mas suspeitava ser algo do qual não deveria falar para ninguém. Algo que seus amigos jamais entenderiam.

"Pouco me importa que vocês precisem de mim. Eu estou jogando sozinha. Não me meto com gente que joga sujo." - Nesse momento, Bia levantou e saiu floresta adentro.

"Eu só queria que você entendesse…" - Sussurrou Janjão ao ver que Bia estava longe demais para ouvi-lo. Tirou o colar do bolso e o observou por alguns instantes. Depois voltou a guarda-lo se certificando de que não havia ninguém por perto. E mesmo com aquele objeto em sua posse, não conseguia se sentir seguro nem por um instante.

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No acampamento do grupo Fogo, Mosca treinava Binho e Neco para os próximos desafios. Após um longo aquecimento, que envolveu exercícios como abdominais, apoios de frente, dentre outros, os garotos começaram a correr ao redor das barracas, completamente encharcados de suor.

Maria assistia ao esforço dos meninos com medo de que, a qualquer momento, algum deles desmaiasse de tanto desgaste. Laurinha descansava em seu colo, atenta a tudo que se passava ao seu redor, inclusive a falta de duas pessoas bastante perigosas. E não só a boneca percebia isso, mas aparentemente ninguém estava preocupado o suficiente para ir atrás dos dois desaparecidos.

Em um lugar não muito longe dali, Vivi e Samuca procuravam incessantemente pelo colar de imunidade. Já havia se passado mais de duas horas que estavam caminhando pelos arredores do acampamento e nem sinal do tal colar.

"Ele precisa ta em algum lugar aqui perto. Não faz sentido obrigar crianças a se perderem na floresta à procura desse negócio." - Falou Samuca segurando uma vara improvisada para cutucar arbustos e galhos de árvores.

"Você acha que o Mosca encontrou? Só pode ter sido ele." - Perguntou Vivi observando o trabalho do garoto da pedra onde estava sentada.

"Não é possível. Ele não saiu do acampamento um segundo sequer. Parece que ele se sente obrigado a proteger os menores." - Samuca continuava cutucando as árvores enquanto conversava com a amiga.

"Tem razão. Sabe, Samuca, eu acho isso muito perigoso. O Mosca provavelmente vai preferir seguir com aqueles pirralhos do que com a gente. Talvez eu seja a primeira eliminada do nosso grupo." - Vivi parecia um pouco menos preocupada do que de costume. Estar ao lado de Samuca a fazia muito bem e aos poucos ia perdendo o medo de estar acampando no meio de uma floresta sem conforto algum.

"Eu não vou deixar que isso aconteça. Pode ficar tranquila." - Nesse momento, passou pela cabeça de Samuca sentar ao lado de Vivi e beijá-la suavemente. O clima entre os dois só aumentava desde que começaram as buscas pelo colar, e sentia cada vez mais que deveria tomar alguma iniciativa.

"Às vezes eu tenho medo do que posso ser capaz de fazer… Medo de machucar as pessoas que eu gosto. É muito bom ter um aliado como você no jogo, mas espero que nunca saia da sua cabeça o fato de estarmos competindo." - Ao dizer aquilo, Vivi sentiu uma força crescer dentro de si, como se a menina fresca de antes tivesse se transformado numa grande guerreira. Uma força tão grande que mal conseguia enxergar o garoto à sua frente. Naquele momento, amor era o menor dos sentimentos em seu coração.

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"Ana, eu preciso falar com você.... à sós." - Rafa estava parado na frente da barraca das garotas esperando que Ana saísse para conversar.

Os dois seguiram em direção ao córrego onde Rafa formulava todas as suas táticas de jogo. A água passeava lentamente rumo ao riacho onde ocorreu a primeira prova da competição e o sol permanecia firme no céu dando vida a uma paisagem digna de filme.

De todos do grupo Terra, Ana era a mais querida por todos, pelo simples fato de nunca se meter na briga de ninguém nem deixar claro quais eram suas preferências dentro do jogo. Até mesmo André e Bel gostavam da menina, sentindo que no futuro poderiam contar com ela para alguma coisa. Na verdade, Ana não se sentia confortável com ninguém do seu grupo. Suas amigas do orfanato estavam dispersas em outros times e, mesmo que tentasse uma aproximação com Dani e Teca, não conseguia ficar muito tempo por perto quando as duas começavam a brigar.

"Ana, eu te chamei aqui porque precisava falar com você sobre a competição. Gostaria de saber o que você pensa sobre o nosso grupo. Você é a única aqui em quem eu confio." - Rafa possuía um olhar sério e uma aparência muito mais madura do que o garoto que Ana havia conhecido no orfanato.

"Eu só acho que o nosso time é meio fraco. Eu não sou muito boa em provas físicas e a gente ainda tem a Dani e a Teca discutindo o tempo todo. Fora os vizinhos, que eu não confio nem um pouco." - Ana fingia incerteza em suas palavras mas já havia refletido bastante sobre cada coisa que havia dito.

"Eu confio na Bel, acho que ela é uma boa aliada. Mas eu entendo tudo que você ta dizendo. Acho que a gente caiu em um time muito ruim. Por isso que eu queria conversar com você. Nós precisamos definir uma estratégia de jogo. Que tal?" - Rafa sabia que Ana era a mais atrapalhada das meninas, mas no fundo, aquela imagem estava desaparecendo. Ana havia crescido bastante desde que decidira disputar o título de Último Desbravador do Leste.

"Eu ainda não sei o que pensar. Porque por mais que a Dani e a Teca atrapalhem o grupo, eu confio muito mais nelas do que no André e na Bel. Então eu acho que ainda é cedo pra dizer alguma coisa." - Ana mostrava cada vez mais que havia mudado. Suas palavras eram firmes como seriam as de Carol se estivesse naquela situação.

"Nossa, você mudou muito. Nem parece a garotinha ingênua do orfanato." - Falou Rafa admirando a garota à sua frente.

Ana deu uma risadinha e se preparou para voltar ao acampamento. - "Droga, será que ele percebeu?" - A garota continuava sorrindo e disfarçando muito bem a natureza de seus pensamentos. - "Acho que não. Ninguém aqui imagina do que eu sou capaz... E ainda é cedo demais pra começar a jogar de verdade."

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Naquele dia, um almoço especial foi entregue a cada um dos grupos. Se tratava de um banquete recheado de carboidrato e proteína para suprir as necessidades energéticas de todos. Junto à refeição, um bilhete anunciava a próxima prova, que teria início dali a duas horas, porém sem informação alguma sobre o local onde seria realizado o desafio.

No grupo fogo todos comiam ao redor de um cobertor, numa espécie de picnic improvisado. Os olhos de Binho brilhavam diante do enorme frango assado com batatas que ocupava boa parte do pano. Maria e Neco atacavam os doces, sobretudo a geléia de morango enquanto Vivi decorava seu prato com diversas opções de salada. Após algum tempo em silêncio, Samuca foi o primeiro a perceber que Mosca havia sumido.

Neste exato momento, no grupo Terra, Bel estranhava a demora de Rafa no banheiro. O garoto havia devorado um quarto do frango em poucos minutos e teve de se ausentar antes de finalizar seu prato. Ana foi ver o que estava acontecendo e retornou preocupada alertando a todos que Rafa havia desaparecido.

Janjão, do grupo água, e Duda, do grupo Ar, também haviam sumido, antes mesmo de terminarem suas refeições e o caos se formou em cada canto da floresta. As equipes tinham sido pegas completamente desprevenidas e um único pensamento tomava conta de todos: no fim do dia, haveria um a menos na competição.


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Notas finais do capítulo

Quero agradecer a todo mundo que acompanha, principalmente aos que comentam, e dizer que, embora eu venha escrevendo cada vez menos, vou fazer de tudo pra continuar a história.

bjs bjs bjs



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