Nunca me apaixonei nem tão pouco amei alguém.
É, acredite. Tenho 17 anos e nunca tive uma paixãozinha. Se eu me acho anormal? Claro! Só queria entender como é... algumas amigas dizem que amar é perda de tempo, não acho isso, talvez perda de tempo seja exatamente o contrário, deixar de amar é perder tempo... Todos os relacionamentos têm crises mas isso não significa que devo deixar de acreditar no amor, não é? Eu não sei... mas gostaria de saber.
Samara, Samara acorda.
O rosto na minha frente entra em foco. Que horas são? Quem é essa garota?
Ai meu Deus! Eu dormi?
O rosto desconhecido é da nova aluna, claro. Gabriela.
Ela riu, uma risada confortante. - Sim, você dormiu a aula toda.
E as atividades? Estou perdida!
Fica tranquila, coloquei seu nome na minha atividade.
Encarei ela por uns segundos, parecia ser a mais velha da turma, até mesmo mais velha que a Jéssica que repetiu três vezes o terceiro ano.
Desculpa a pergunta, você tem quantos anos?
Vinte. Agora me pergunte o que uma mulher de vinte anos está fazendo no terceiro ano.
Gabs fitava o chão e me arrependo de ter perguntado, aparentemente essa era uma questão para ser deixada de lado. Tenho que aprender a escolher as perguntas antes de deixá-las escapar, certamente perguntar a idade de alguém não é a melhor forma de puxar assunto.
A professora de artes, Cláudia, entra na sala. Me sinto aliviada pois poderei voltar a dormir e não precisarei tentar ser social com a nova aluna, algo nela é intrigante porém não estou com vontade de descobrir.
Sam, intervalo.
Dessa vez reconheço a voz da minha melhor amiga instantaneamente, deixo com ela a missão de me acordar para o intervalo e Ed. Física. Clara é conhecida como a garota dos cabelos em chamas, o que é totalmente compreensível, seus cabelos parecem beijados pelo fogo.
Percebo que ela está falando comigo, retiro meus fones.
A novata não está no pátio, estranho isso...
Olho para os lados e não a vejo. Sério? Aonde ela pode estar? Clara, volto já.
Ei Sam... Mas já estou me dirigindo para o corredor das salas.
A sala está trancada, sigo em direção ao corredor da biblioteca, é um corredor estreito e quase esquecido, não vejo alunos perdendo o intervalo para frequentar aquele lugar, o que é um tanto decepcionante... Centenas de livros esquecidos em prateleiras cobertas de pó.
O bibliotecário é tão velho quanto a primeira edição de Drácula, mal consegue pronunciar um bom dia... meu Deus!
Ao fundo, encontro Gabs folheando um livro de capa dura, ela nota minha aproximação mas continua concentrada na sinopse do livro.
Não vejo uma alma nessa biblioteca desde o começo do ensino médio...Então você gosta de livros?
Só depois de deixar escapar percebo o quão idiota fui, mais uma vez não raciocinei antes de perguntar. O que uma pessoa faria numa biblioteca se não gostasse de livros?
Ela nem parece notar a estupidez da pergunta.
Na verdade, eu gosto de ver as edições deles, é loucura né? Mas veja, essa edição de Dom Quixote de La Mancha é a única com capa dura no Brasil.
Os seus olhos cinzentos brilhavam ao pronunciar cada palavra, conseguia ver o quanto era apaixonada por edições de livros e acredite, não achei loucura alguma.
Gabriela possui trezentos e noventa livros com edições de colecionador, sendo cinquenta e nove edições raríssimas. Nunca aprendi tanto sobre esse assunto em tão pouco tempo.
O sinal toca mas não tenho vontade alguma de voltar, Gabriela continua vendo as prateleiras e eu a acompanho, finjo ler uma sinopse ou outra.
Ela volta a atenção para mim.
Sabe qual aula é agora?
Não tenho ideia.
O que acontece se não voltarmos?
Dou um sorriso sarcástico e ela retribui.
Provavelmente seremos advertidas e ligarão para nossos pais.
Haha, esqueceu que eu sou maior de idade? E bem, só se eles conseguirem o telefone do inferno para falar com os meus pais.
Essa resposta me pega de surpresa, fico em silêncio e ela me analisa, sinto seus olhos sobre mim, retribuo o olhar e por um momento posso vê-la além de seu exterior, a garota é um mistério e estou começando a querer desvendá-la.