No final da estrada escrita por Carolina Carvalho


Capítulo 1
Um




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Lauren não parava de olhar o relógio da parede. Ainda faltavam 15 longos minutos para a aula terminar. Em geral, gostava muito das aulas da faculdade, mas Modelagem III era um inferno para ela uma vez que o professor fazia de tudo para que ela reprovasse apenas porque no primeiro dia de aula ela o corrigiu com uma coisa boba que ele havia dito. Agora estava lá, fazendo até o impossível para passar naquela maldita matéria.

– Bater o pé não vai fazer o tempo passar mais depressa – Rosalya murmurou para a amiga. – Já tá acabando, relaxa.

Isso só fez a loira ficar ainda mais ansiosa. Abaixou a cabeça e a levantou novamente somente quando o professor anunciou que os alunos poderiam pegar as notas do trabalho anterior em cima da mesa.

– 8,5... Não é uma nota ruim, mas acho que eu merecia mais – disse Rosalya. – Quanto você tirou, Lauren?

Primeiro, a outra encarou a folha a sua frente boquiaberta. Em seguida, soltou uma risada irônica.

– 3. Uma nota merda dada por um professor mais merda ainda – disse Lauren e saiu da sala furiosa.

Rosalya seguiu a amiga que foi direto para o pátio. Lauren não conseguia acreditar; em todas as outras matérias, ela sempre ia razoavelmente bem, apenas nessa que tirava notas baixas. A implicância do professor chegou em um estágio que estava irritando profundamente a loira.

– Ele deve ter corrigido muita coisa injustamente – Rosalya falou, tentando confortar a outra. – Você pode reclamar isso, sabia? Não é justo ele te reprovar por pura implicância. Você é uma excelente aluna.

– Vou ser jubilada*, Rosa. – Lauren estava entrando em desespero. - Vou ter que voltar pra Inglaterra. Que que eu vou dizer pros meus pais?

– Para de drama, Lauren! Você está se preocupando com coisa boba – disse Rosalya. Logo após, pegou seu celular de dentro da bolsa e começou a enviar uma mensagem para alguém. – Você precisa se distrair, parar de pensar tanto em faculdade. Vamos aproveitar que hoje é sexta-feira e vamos sair, que tal?

– Sair, Rosa? Você enlouqueceu? Eu tenho um trabalho pra terminar pra segunda, fora que ainda tenho que estudar para a prova de terça, e também tenho que...

– Calada. – Rosalya colocou a mão sobre a boca da loira. – Você vai comigo, Alexy e Leigh. Ponto final.

Lauren soltou um gemido de desaprovação.

– Você vai fazer eu e Alexy segurar vela pra você e pro Leigh?

– Claro que não – disse a outra ainda digitando no celular. – Vou fazer o Alexy te arranjar um encontro. Há quanto tempo você não sai com um cara?

Lauren parou para pensar. Seu último relacionamento havia terminado três anos antes, assim que ela soube que tinha sido aprovada na Ecole Nationale de Paris, tendo, assim, que se mudar para a França. Depois disso, nunca mais teve nada sério com ninguém.

– Mas eu não quero sair num encontro, Rosa – retrucou a jovem.

– Então se divirta de outra forma. Faça alguma coisa que não tenha a ver com estudo ou trabalho, Lauren. É só isso que eu te peço. Você realmente precisa de um pouco de diversão.

A loira suspirou, derrotada.

– Tá, eu saio. Mas não vou ficar com ninguém.

#

Assim que foi liberada do trabalho no final da tarde, Lauren pegou o primeiro táxi que viu e foi direto pra casa. Ao entrar, tomou um banho rápido e foi escolher a roupa pra sair.

– Mas que droga, Rosa esqueceu de me falar pra onde iríamos! – reclamou enquanto tentava achar algo neutro.

Depois de pelo menos vinte minutos vendo e revendo diversas peças de roupa, optou por colocar um vestido tomara-que-caia azul marinho com um cinto de couro marrom embaixo do busto. Secou o cabelo, calçou um par de scarpin bege e, quando estava bem no meio da maquiagem, ouviu uma buzina do lado de fora.

– Perfeito – ela disse enquanto terminava de maquiar o outro olho. – Nada como uma boa buzina para te apressar bem quando você está passando o delineador...

Ela terminou de maquiar os olhos apressada e insatisfeita com o resultado, passou rapidamente o blush nas bochechas e um batom nos lábios. Passou perfume na nuca, jogou o celular, as chaves e a carteira dentro da bolsa e saiu de casa correndo.

– Nossa, que demora – disse Rosalya quando Lauren finalmente entrou no carro. – Normalmente você é tão pontual...

– Eu teria estado pronta há mais tempo se você tivesse me dito onde a gente ia – a loira reclamou.

– Ah, desculpa! Eu esqueci totalmente de te falar. Nós vamos àquela boate nova que abriu, La Gitane.

Lauren olhou a própria roupa e concluiu que estava muito bem vestida para a ocasião.

Leigh, o namorado de Rosalya, estava dirigindo o carro. Alexy estava no banco de trás junto com Lauren. O azulado não parava de falar sobre o projeto de roupas que ele estava desenhando, deixando Rosalya animada, dando opiniões e ideias. Lauren e Leigh, apesar de estarem quietos, ouviam a conversa interessados.

Quando finalmente chegaram no destino, os quatro entraram na boate, sentaram numa mesa de canto e ficaram conversando animadamente. Até que, num dado momento, Rosalya e Leigh começaram a se acariciar e a se beijar, como Lauren havia previsto. Alexy rolou os olhos para a situação, puxou a loira pelo braço e ambos foram dançar.

– Você quer uma bebida? – Alexy perguntou.

– Quê? – Lauren não conseguia entender o que o outro estava falando por causa da música alta.

– Beber. – Alexy fez um gesto com o polegar na direção da boca.

– Só se for sem álcool – Lauren disse.

– Vou tentar, mas não prometo nada – Alexy respondeu e foi em direção ao bar.

Lauren continuou a dançar, sozinha. “Rosa estava certa” pensou. “Eu precisava me divertir um pouco.”

Não demorou muito para que um rapaz de cabelo vermelho viesse puxar assunto com ela. Ele vestia uma roupa toda preta e a camisa tinha o logo de uma banda.

– O que está fazendo aqui sozinha? Não deve ser muito legal dançar sem ninguém.

Lauren o olhou de cima a baixo e, mesmo sem ter entendido muito o que ele disse, respondeu:

– Desculpe, estou com um amigo.

– E onde ele está? – o ruivo insistiu.

– Foi pegar algo pra beber – ela disse procurando Alexy com os olhos. Encontrou-o conversando animadamente com outro homem. Aparentemente, tinha esquecido completamente da garota.

– Bom, acho que ele não vai voltar tão cedo. Dança comigo?

Lauren o encarou. Mesmo com a má iluminação do ambiente, ele não parecia ser feio. “Não, Lauren” ela pensou, “Você já decidiu: você não vai ficar com ninguém essa noite.”

Pediu licença ao ruivo e foi até a mesa onde ela tinha sentado com os amigos e encontrou Rosalya no colo do namorado, beijando-o com tanta urgência que parecia que os dois iam transar ali mesmo. Lauren cutucou a amiga.

– Acho que vou chamar um táxi e ir pra casa.

– Por quê? – Rosalya perguntou ao mesmo tempo que recuperava o fôlego. – Você acabou de chegar.

– Alexy se deu bem e um cara deu em cima de mim. Quero ir embora.

Rosalya sorriu maliciosamente.

– O cara era bonito?

– Rosa, eu te disse que não ia ficar com ninguém – Lauren respondeu, irritada.

– Você que sabe – a platinada deu de ombros. – Mas, pense bem... Há quanto tempo você não beija? E, mesmo que você não fique com ele hoje, conhecê-lo não vai te fazer mal algum. Talvez ele se torne apenas um amigo, ou talvez... – ela deixou a sentença no ar.

Lauren nunca foi de ir pela cabeça dos outros, mas admitia que era capaz de sentir as teias de aranha em sua boca. Duvidava muito que ele se tornasse apenas um amigo, mas apenas conversar e dançar com ele não podia ser tão ruim. Sendo assim, saiu a procura do rapaz. Demorou um tempinho mas encontrou-o bebendo uma cerveja no bar. Depois de uma breve conversa, Lauren já sabia que seu nome era Castiel, que ele estudava música na mesma universidade que ela e que, por coincidência, ele fazia parte da mesma banda que Lysandre, irmão de Leigh. Quando foram dançar, Lauren não resistiu e acabou ficando com ele. Tinha que admitir que, além de ser atraente, Castiel beijava muito bem.

Já era pouco mais de 4:30 da manhã quando o grupo decidiu voltar para casa. Alexy já tinha ido embora com cara que conheceu lá dentro. Tanto Leigh quanto Rosalya estavam embriagados demais para dirigir, deixando a responsabilidade para Lauren. Esta, antes de sair, trocou o número de telefone com Castiel.

– Quando você ficou de ligar pra ele? – Rosalya perguntou do banco de trás.

– Ele disse que me envia uma mensagem amanhã – Lauren respondeu.

– Acho que precisamos de uma música para animar – disse Leigh e, com certa dificuldade, ligou o rádio. Estava tocando Wonderwall do Oasis.

– DEIXA! – Rosalya gritou, assustando os demais ocupantes do carro. – Lauren ama essa música!

Rosalya estava certa, Lauren a adorava. Continuaram o caminho em silêncio até que a loira foi obrigada a parar em um sinal vermelho. Aproveitou para fechar os olhos por alguns instantes, estava muito cansada.

“E todas as estradas pelas quais temos que caminhar são sinuosas**” ela mexia os lábios. “E todas as luzes que nos conduzem até lá nos cegam”.

De repente, toda aquela calmaria foi interrompida por um susto: um outro carro havia batido na traseira do de Leigh.

#

Já estavam no hospital fazia uns 20 minutos, apenas aguardando o médico vir dar alta. Leigh estava apenas com um corte na testa e Rosalya estava no banheiro vomitando tudo o que havia bebido. Lauren não tinha sofrido nenhum tipo de machucado. Tiveram sorte de não terem tido nada sério já que todos estavam sem o cinto de segurança.

Lauren estava andando de um lado para o outro, impaciente. Leigh ficou observando-a durante uns 5 minutos antes de falar:

– Calma, o médico já deve estar vindo.

– Não tivemos nada de mais – ela disse. – Pra que a demora?

– Porque são 5 da manhã, ele deve estar cansado e, provavelmente, também deve querer torturar 3 jovens bêbados que o fizeram vir aqui a essa hora.

– Eu não bebi – Lauren respondeu ainda mais irritada. – E ele é médico, tem que estar preparado pra esse tipo de coisa.

– Ele pode até ser médico, mas também é ser humano.

– Então ele que mude de profissão.

Neste momento, Rosalya surgiu com uma cara de doente.

– Eu não deveria ter bebido tanto – murmurou.

Após alguns instantes, o médico apareceu com uma prancheta na mão. Encarou os três antes de perguntar:

– Qual de vocês duas se chama Lauren?

– Eu – a loira respondeu.

– E quem são os outros?

A outra definitivamente não estava com o humor para encarar um interrogatório. Queria apenas ir para casa logo, tomar um banho rápido e dormir.

– São meus amigos. Doutor, poderia nos liberar, por favor?

– Antes, eu preciso que você me acompanhe. Os outros, se quiserem, podem ir.

Lauren ficou confusa. Olhou para os outros dois com receio.

– A gente fica te esperando – disse Leigh. – Acho que Rosa deve vomitar mais, então...

Lauren assentiu com a cabeça e seguiu o médico até uma sala. Nela, havia três diplomas pendurados na parede atrás da mesa. Tinha ainda um esqueleto artificial em um dos cantos, uma cama e algumas aparelhagens simples. A jovem sentou em uma das cadeiras perto da mesa em frente ao homem.

– Doutor – ela começou -, eu não estou sentindo dor alguma, eu não bati nada...

– Lauren, preste atenção – ele interrompeu. – O que eu estou prestes a te falar é muito sério. Devo dizer até que você teve muita sorte de ter sofrido essa batida.

– Por quê? – ela perguntou, agora curiosa.

O outro se ajeitou na cadeira, entrelaçou as próprias mãos e a encarou seriamente – Nós encontramos um tumor na sua vesícula biliar.


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Notas finais do capítulo

Glossário:
*jubilado: termo usado por universitários que quer dizer “expulso da universidade”.
**sinuoso: algo curvo, torto, sem ser reto.



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