Quem matou Afonso Dallas? escrita por azoo


Capítulo 12
Episódio XI - Sigilo Dourado


Notas iniciais do capítulo

Havia excluído a história, mas percebi que, já que ela estava completa, não custava postá-la por completo.



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I

03/01/2016, 21h40min.

— VOCÊ PRECISA REPOUSAR — DISSE JULIANA. — Não faça muito esforço.

Afonso constantemente tentava se levantar para pegar alguma coisa na bandeja, mas, dado sua fragilidade, era necessário um afinco enorme, coisa que ele não dispunha no momento — não que Juliana se importasse.

— Olha, Juliana — iniciou ele, em tom solene —, eu estou muito agradecido por tudo que você tem feito por mim. Sabe, sem você eu já estaria morto há muito tempo.

Você já devia estar morto.

— Não fale assim.

Ele colocou a mão sobre a dela.

— Embora a gente tenha tido algumas brigas, saiba que eu me importo muito com você.

Uma pena, velho gagá, esse sentimento não é recíproco.

— Eu também tenho um apreço enorme por você. — Que mentira descarada, Juliana!, riu-se ela em seu pensamento, sabendo que ele nunca poderia escutá-la.

— Mas hoje a noite... — Ele pareceu nostálgico. — Hoje a noite eu não quero que você venha verificar como eu estou. Eu não quero que, durante a madrugada, você coloque os pés aqui, está me entendendo?

Aquilo não poderia ser melhor. As coisas estavam correndo ao seu favor.

— Algum motivo especial? — perguntou ela e se levantou.

— Nenhum — mentiu. — Eu só quero ficar sozinho.

Juliana, como uma boa médica, deveria refutar o pedido. Mas, como não se importava verdadeiramente com a saúde do velho, ela apenas deu de ombros e assentiu.

— Claro.

II

03/01/2016, 21h41min.

GABRIELA ESTAVA NO QUARTO DA MÃE, a tesoura em sua mão. Elas, como tinham combinado, iam cortar o cabelo da menor, que estava enorme.

— Você está melhor? — perguntou Mirian, afagando as costas da filha, que estava sentada na cama dela. A pele esculpida em ébano brilhava à luz da lâmpada.

— Sim — respondeu ela. — Foi um choque pra mim. Sabe, bem no meu lugar preferido desse inferno...

— Gabriela, não fale assim.

— Me desculpa, mãe.

Mirian tentava conseguir o que pai não conseguira: dar uma boa vida para a filha. Mirian sempre tentara juntar dinheiro e sempre falava para Gabriela que, um dia, ela teria uma ótima vida, uma vida que não seria como a de Mirian, que era uma empregada. No entanto, ela nunca conseguira cumprir as promessas feitas à filha.

— Vamos cortar o cabelo? — perguntou Gabriela, retirando a mãe de seus devaneios caóticos.

— Claro.

Gabriela entregou a tesoura para a mãe. Mirian começou a pentear o cabelo da filha e esta se pegou pensando na conversa que tivera com Juliana. Será que aquilo procedia? Ela não saberia dizer, mas parecia muito a Gabriela que tudo aquilo era verdade, infelizmente. Quando Mirian terminou de pentear os cabelos, ela pegou a tesoura. Entretanto, antes que pudesse começar a fazer, um grito soou. Foi alto, muito bem audível, dada a distância próxima do quarto delas duas, que ficavam lado a lado com o jardim e, por consequência, com a saída que Lígia utilizara, onde acabara encontrando o marido morto.

— O que foi isso? — perguntou Gabriela, assustada.

— Fique aqui no quarto. Eu vou ver o que é.

III

03/01/2016, 21h45min.

E A MULTIDÃO ESTAVA REUNIDA NOVAMENTE. Alice estava começando a achar que os momentos em que a família se aglomerava eram referentes a assuntos ruins. Ela até pensou nos horários que eles se sentavam à mesa e compartilhavam a refeição, mas isso não significava que estavam unidos. A realidade era que nunca estavam juntos quando estavam alegres. Ou se uniam para debater o assunto de herança, ou para almoçar tolerando a presença dos parentes, ou, claro, e bem pior, para ver cadáveres. Alice não gostava dessa linha de pensamento, embora parecesse a ela que fosse a infeliz veracidade. Ela sempre quis o bem de todo mundo, desejando que todas as pessoas convivessem amistosamente... E a família do seu namorado vivia de uma forma totalmente fora desse conceito.

— Calma, mãe. — Embora Rodrigo estivesse consolando Lígia, ele também chorava muito. Alice, longe deles, sentia-se impotente. — Calma.

— Quem fez uma coisa dessas? — bradou Melissa, chorando, as lágrimas se misturando ao suor. — Como alguém teve coragem?

Valquíria se aproximou da irmã. Como ela, também estava chorosa.

— Nós vamos descobrir — tentou apaziguar.

Eduardo se agachou perto do corpo, mas não ousou tocá-lo; sabia que isso prejudicava a perícia. Quer dizer, se houvesse uma, já que estavam totalmente isolados do resto do planeta.

— Ele tem marcas no pescoço — disse o rapaz que vivia assistindo CSI. Embora estivesse evidente o que acontecera, ele achava que, enfim, as diversas horas assistindo à série haviam servido para algo. — Ele provavelmente foi estrangulado.

Marcelo juntou-se ao filho.

— Parece que alguém tentou arrastá-lo.

— Quem faria uma coisa dessas? — perguntou Jorge, abraçado à filha que era maior que ele. A pança do homem atrapalhava o aconchego da mulata.

— Isso seria mais fácil se tivéssemos um detetive. Mas o único que tínhamos está morto. — Era Robson, com suas típicas piadas impróprias e seu sotaque mineiro.

— CALE A PORRA DA BOCA! — rugiu Adriana. Os cabelos ruivos, parecendo ainda mais vivazes com aquela explosão, balançavam com o vento cortante. — Você não consegue parar de fazer piadas de mau gosto em horas como essa? Você é idiota?

Juliana sabia que isso, o fato de ser impróprio e inconveniente, em alguma hora, poderia resultar em algo muito pior do que apenas xingamentos.

— Desculpa — disse o homem, totalmente envergonhado.

Juliana, que estava perto dele, gostou da situação. Robson era mesmo muito inconveniente em alguns momentos. Já havia acontecido durante o sexo, quando mencionara Valquíria e como ela sabia fazer umas posições maneiras. Ela riu baixinho. Então, Melissa pareceu ter notado sua presença pomposa.

— Você não devia estar cuidando do papai? — Ela falou alto como Adriana dissera, como se descontasse a raiva que devia estar sentindo.

Juliana encarou-a depois do grito e jogou os cabelos para trás.

— Primeiro, minha querida, não ouse gritar comigo porque não sou subordinada. E segundo, antes de sair falando merda, saiba de tudo para não se equivocar, como você acabou de fazer — Melissa ruborizou. — Seu pai me deu ordens para eu não ficar no quarto dele essa noite. Não sei o motivo, mas foi o que ele disse.

— Mas seu papel é estar com ele, mesmo que ele não queira — argumentou Melissa, tentando recuperar a compostura.

— Não adianta, Mel — disse Valquíria. — Sabe como o papai é: quando quer alguma coisa, ele consegue.

Virgínia esperou que os ânimos se acalmassem. Estava suando com tudo aquilo, a pele brilhando à luz da lua. Se Afonso estivesse ali, ele não iria admitir que ela falasse. Mas, como ele não estava — muito embora aquele legado de família tratasse os empregados quase da mesma forma —, ela arriscou abrir a boca de fama fofoqueira.

— Ninguém teria coragem de fazer algo assim... — Pimba! Fora um comentário bom e não incabível como o de Robson. Ela estava crescendo como pessoa...

— Olha — iniciou Otávio, com aquele típico tom petulante que Alice odiava —, eu até entendo alguém que traia — ele olhou para Marcelo tão discretamente que ninguém, exceto os dois, percebeu —, mas matar? Matar é algo muito maior. Não imagino alguém que seria capaz de fazer isso.

Melissa estalou os dedos.

— Sobrinho, você não está achando que foi um de nós quem fez isso, está? — perguntou a Otávio. Ele deu de ombros. Melissa olhou o resto das pessoas. Sua cabeça, protegida parcamente pelos cabelos curtos, congelava na temperatura baixa. — Vocês também estão achando que foi isso?

Alguns murmurinhos aleatórios discutindo sobre o motivo e autor do crime assomaram sobre o silêncio da noite estrelada. Depois de perceber que a maioria do raciocínio apontava como possível autor do crime um dos residentes, Eduardo, se sentindo como no programa, se levantou e olhou para a lua teatralmente. Seu pequeno brinco parecia pulsar quando ficava de frente para o luar. Os cachos de anjo adejavam como se numa canoa num rio revolto.

— Talvez tudo que tenha acontecido na mansão possa ter feito esses pensamentos, mas a verdade é que vocês não estão analisando por todos os ângulos. — Ele olhou diretamente para a floresta que circundava o local. Era bem parecida com o bosque particular da mansão. Talvez fosse uma extensão cortada dela mesma. — E se não foi alguém de nós que o matou?

— Mas por que alguém faria isso? — perguntou Lígia, ainda chorando.

— Bem, todos sabemos que o vovô não conseguiu o dinheiro da forma mais limpa... — A sugestão ficou no ar como uma faca de dois gumes. — Alguém pode ter resolvido se vingar dele através de alguém que estivesse na casa dele, não importando quem, o que, de qualquer forma, iria afetá-lo diretamente.

— É verdade — concordou Juliana, os cabelos loiros pairando no ambiente. — Digo, não é muito divertido que alguém morra na porta de sua casa.

Eduardo assentiu para a médica.

— Sim, principalmente se for um conhecido seu. Aquilo não poderia ser melhor. As coisas estavam correndo ao seu favor. — Ele suspirou. — Talvez estivessem querendo se vingar de alguma rixa inacabada. Algum assunto que o vovô deu o cano, como sabemos que ele deve ter feito.

Ninguém parecia querer dizer mais nada. O silêncio reinou como o próprio Afonso.

— Vamos enterrá-lo lá no cemitério — disse Marcelo. — Vem, Robson, Jorge, me ajudem aqui. — E, antes que pegassem o corpo, ele se virou para os outros. — Acho melhor vocês irem dormir. A vista não vai ser muito legal.

IV

03/01/2016, 21h56min.

MIRIAN ESTAVA DE VOLTA AO QUARTO. Gabriela esperava pacientemente.

— O que aconteceu, mãe? — perguntou ela. Estava assistindo à televisão antes de chegarem.

Mirian não queria deixá-la mais para baixo do que ela estava. Ela mentiu:

— Nada não.

Dando de ombros, Gabriela ergueu a tesoura.

— Vamos cortar?

— Hoje não, minha filha. Amanhã à tarde, tudo bem? Estou muito cansada. — Mirian não falou o verdadeiro motivo, mas Gabriela pareceu compreender, embora tivesse o semblante meio fechado.

— Tudo bem, então — replicou, triste.

V

04/01/2016, 00h46min.

AFONSO SABIA QUE ESTAVA PERTO DE SUA HORA. Por algum motivo, ele sentia que seria naquela noite. Talvez fosse porque sua gárgula, o querido amuleto que lhe protegia, tivesse sido quebrada e não havia, agora, outra coisa para protegê-lo.

O velho fitou o teto. A ansiedade o dominava, borbulhando no estômago e anuviando os pensamentos. Mas ansiedade para morrer? Bem, era isso mesmo. Ele havia ouvido alguns barulhos vindos de fora, e até alguns burburinhos de uma possível conversa, mas ninguém ainda entrara no quarto para terminar o serviço. Ninguém tivera coragem o suficiente para efetuá-lo. Para a alegria de seu possível assassino, ele havia deixado claro que Juliana não poderia entrar no quarto dele. Portanto, a estrada estava livre para o bravo herói que ceifaria sua vida.

Ansioso, em sua cama, ele acabou dormindo.

Ele foi acordado pelo barulho da maçaneta girando. Então a luz foi ligada.

O assassino quer que as coisas sejam feitas às claras. Isso significava que era vingativo, rancoroso ou de sangue frio. Seria pior para ele, pensou Afonso.

Ele viu as luzes serem ligadas e a porta ser batida atrás de si, em silêncio. Como o Quarto da Reclusão era muito isolado, a luz não se esgueiraria para outro cômodo, o que era bom para o assassino. Maldito sangue frio!

Os olhos de Afonso, que estavam acostumados com a escuridão, demoraram para entregar-lhe as imagens com eficácia. Mas, assim que ele conseguiu se acostumar com a luz, ele fitou aqueles cabelos. Aqueles cabelos loiros, como os da médica. Ele havia pedido para Juliana não vir para o quarto! Mas, se ela tinha vindo, então queria dizer que ela estava ali para... Ceifar sua vida?

Era aquela sua morte?

VI

03/01/2016, 08h17min.

AFONSO DALLAS ESTAVA MORTO. Juliana, pela manhã, encontrou-o morto.


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Notas finais do capítulo

O próximo deverá sair em breve.



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