Rubis e Esmeraldas escrita por Totenkopf, Ikarus


Capítulo 5
Dia 5: Vamos dançar


Notas iniciais do capítulo

"Meu coração pulsa e dança. Porque não sei sentir sem ritmo." — Anna Paulla.



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A Belle Époque foi bem… estranha. A guerra estava bem ali, mas todo o mundo fingia que não. De qualquer forma, pela primeira vez foi bom fingir que tudo estava bem. Estávamos todos querendo arrancar nossas cabeças fora devido ao estresse. Era um caos. A Europa inteira tremia quando Arthur trocava olhares com Ludwig ou – pior – quando os olhos de Francis e Gilbert se cruzavam no corredor.

Gilbert não suportava ficar em uma sala se Francis estivesse nela também. Na verdade, era bem mais o Francis não suportar o Gilbert por causa da Guerra Franco-Prussiana, mas o ódio estava ali de qualquer jeito.

Guerra é uma coisa que corre no sangue dos Beilschmidt. Ouso até dizer que é coisa dos germânicos num geral, mas principalmente dos Beilschmidt, e mais ainda do mais velho deles. Então ele se enfiava atrás de uma torre de livros e mapas e se punha a ler por horas e horas. Disciplina com certeza tem de ter limite. Ele se recusava a sair do escritório e as piadas idiotas já estavam fazendo falta. Aí eu disse que gostaria de discutir estratégias de guerra em minha residência. Claro, ele aceitou na hora.

E é claro que ele ficou um pouco irritado quando não encontrou táticas e estratégias em Budapeste. “Pelo amor de Deus, Erzsébet, você sabe o que está acontecendo na África e na Europa? Tem noção do que está prestes a acontecer dentro de alguns poucos anos?”

“Você só vive pra essas coisas, agora! Qual é o problema em se divertir um pouquinho? Esse repúdio à diversão é coisa de germânico mesmo ou vocês são todos chatos assim?”

“Eu tenho mais o que fazer.”

Ele me deu as costas e já estava indo em direção à porta. “Gilbert,” eu o chamei, vendo-o virar-se para mim novamente.

“O que é?”

“Vou sair para fazer compras e, quando voltar, quero te ver impecável. Faça-me o favor de pôr o seu melhor par de sapatos, sua melhor roupa e seu melhor perfume.”

“E se eu não o fizer?”

“Vou deixar avisado ao guardas da cidade que você não poderá sair sem a minha autorização pessoal.”

Foi assim que eu o convenci a ir comigo a um dos melhores bares de Budapeste. Tudo bem que ele não parava de bufar por um segundo, mas pelo menos lá estávamos nós andando pelas ruas da minha capital. Discutíamos sobre um outro tipo de guerra.

“Então tá apostado?”

“Sim: Quem beber mais Pálinka em menos tempo pode escolher a punição pro perdedor.”

“Hah, acho que você não sabe com quem está falando.”

“Você se denomina bom-conhecedor da bebedeira e da vida devassa e nunca ouviu da minha fama? Gil, ainda tem muito que aprender…”

Não vou mentir que era extremamente incomum para uma mulher ingerir bebida alcoólica na época, mas os donos do estabelecimento já me conheciam… e sabiam que eu ia de carteira cheia pra beber lá. Às vezes não pagava nada porque costumava desafiar outros clientes e ganhar deles. E eu confesso não saber o quanto Gilbert era capaz de beber, mas eu tinha a carta na manga: A Pálinka é infinitamente mais forte do que uma mera cervejinha.

Entramos no bar e, por sorte, havia um lugarzinho no canto do salão, que tinha um grande espaço livre sem mesas ou cadeiras no centro para a galera que se empolgava demais e ia dançar. Expliquei as condições do desafio para o garçom (velho conhecido meu, inclusive) e ele concordou em deixar por conta da casa pelo fato de se tratar de um estrangeiro “que certamente voltaria num futuro não tão distante”.

Pessoas se amontoavam em nossa mesa para assistir o desafio. Os prussianos tinham uma certa fama de serem bebuns, mas os húngaros queriam ver a verdadeira batalha entre dois pesos pesados.

Encurtando a história um pouquinho: Ele perdeu. Cinco minutos se passaram e ele não passou da segunda garrafa. O líquido passava ardendo pela garganta, e ele só queria um copo d’água ao final do desafio. Ele riu e estendeu a mão para mim.

“Muito bem, parece que a sua garganta foi mais forte que o meu ego,” ele comentou, já um pouco vermelho. Cumprimentei-o, logo soltando sua mão.

“Agora vem a punição, Sr. Cervejinha.”

“Diga lá.”

No centro do salão do bar, um homem anunciava a presença de uma famosa banda tradicional. Alguns clientes corajosos se dirigiam para a abertura entre o mar de mesas para dançar. Fiz um movimento com a cabeça, indicando a movimentação das pessoas. Ele gargalhou alto e me deu aquele sorriso de predador dele, os caninos brancos à mostra. Gilbert levantou-se, abaixando-se um pouco e estendendo a mão em minha direção.

“Me concede o direito a essa dança?”

“Claro que sim, perdedor.”

Uma pena ele nunca ter dançado uma Csárdás na vida. Mesmo assim, ele provou ser alguém que aprende bem rápido. O começo foi todo cheio de pisões e tropeços, cheio de constrangimentos e pedidos de desculpas, porque ele realmente estava se esforçando para ser um bom parceiro de dança naquela noite. E eu apenas ria, dizendo que estava bem, mandando ele continuar.

A dança sempre esteve bem enraizada na minha cultura. A dança louca dos ciganos Romani, dos filhos errantes da terra. Era uma dança como nosso povo: livre, sem regras, sem requintes, sem passos. É o tipo de coisa que se aprende fazendo.

E, quando as Csárdás evoluíram para alguma coisa mais “caótica” (como o próprio Gilbert denominara), ele insistiu em improvisar alguns passos. Ainda bem que ele não estava sóbrio o suficiente para ter vergonha de se soltar todo no piso de madeira que ecoava ao som dos sapatos. No final das contas, ele também me puxou pra dançar. Meus pés (então, descalços) voavam sem o menor medo de se aproximarem dos dele.

Não preciso dizer que o alemão albino roubou a cena no bar em Budapeste; não só a cena, como um copo do bar, o lenço de um pobre cavalheiro e um beijo meu mais tarde, na minha cama.


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