Rubis e Esmeraldas escrita por Totenkopf, Ikarus


Capítulo 3
Dia 3: Beijo


Notas iniciais do capítulo

"Essas violentas alegrias têm fim também violento, falecendo no triunfo, como a
pólvora e o fogo, que num beijo se consomem." — Shakespeare



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/583243/chapter/3

Valsas me dão sono, poesias e declarações de amor me deixam de mal humor, só que até eu sabia o quão rude seria desmerecer tais formas de arte, mesmo se eu mesma não as considerasse arte. Desvantagens de ter nascido uma selvagem, suponho.

Ainda assim, eu tinha me acostumado bem à vida em palácios, entre reis e rainhas, lordes e madames. Não podia negar que tudo aquilo era um grande aborrecimento pra mim, mas que outra alternativa eu tinha a não ser continuar aquele teatro? Algumas óperas até que eram interessantes. Pena serem minoria.

Ambos Roderich e eu sabíamos disso; e até um pouco mais: Sabíamos que casamentos políticos poderiam ser grandes desilusões se déssemos trela para esse tipo de relacionamento. Até sentíamos uma coisinha ali, mas não passava do mínimo para se manter um matrimônio. Não nos usávamos, não nos traíamos… Era tudo política coberta com um tantinho de sentimento honesto. Eu amei aquele homem em algum ponto da minha vida, mas esse ponto tinha ficado lá atrás; e o presente de então estava envolto em uma névoa de perguntas e confusões do meu coração. Isso até eu pôr na minha cabeça que eu não queria nenhum amante, cara metade, alma gêmea; enfim, como quiserem rotular.

Ali no fundo da minha alma, eu sabia que ainda era uma selvagem, um pássaro exótico. Corcel indomável que tentava se libertar das rédeas e retomar o rumo do próprio coração. A política me mantinha presa a uniões e alianças que eu não desejava, mas que – pelo bem dos que eram do meu sangue – eu deveria perpetuar por até quando eu tivesse a bravura de jogar tudo aos ares e me intitular autônoma novamente.

Porém, aquele dia tardaria a chegar. Eu tinha inveja dos meus colegas não-presos a relacionamentos e casamentos extremamente burocráticos, porque sinceramente eu gostaria de estar ali no meio da bagunça, entre as tropas, trocas de tiro e alguns raros (mas épicos) duelos de espada, quem sabe. “Uma dama não usa suas mãos para tocar em armas,” cismavam em me dizer. Pelo menos não quando eu não precisava, já que eu era muito boa em cobrir os meninos de porrada.

Assim, eu só conseguia rever meus colegas em bailes extremamente formais, nos quais os nossos líderes discutiam políticas e nós tentávamos nos comportar. Era horrível ter de manter a compostura o tempo todo, principalmente para pessoas que você não conhecia, ou conhecia e não fazia questão de agradar. Então a minha interação com as outras nações se limitava a cumprimentos desnecessariamente cordiais e uma dança ou outra. De longe, eu os assistia falando alto, rindo de alguns acontecimentos únicos que presenciavam em campo de batalha ou narrando suas incríveis batalhas. Eu, Erzsébet, não tinha lutado uma batalha sequer, não tinha nada de engraçado para falar (tirando o fato de uma pobre madame tropeçando sobre o seu próprio vestido em uma dessas óperas), nem nada de relevante para adicionar. Eu esperava – sentada em um lugar mais alto – a festa acabar para eu finalmente ir para casa tirar todo aquele aparato, mesmo achando aquele vestido lindo.

De cima, sempre via ele seguindo seu governante como um cachorro obediente ou sentado olhando para o relógio. Às vezes, percebia-o procurando por manchas em seu uniforme impecável e fechando a cara numa carranca. Gilbert também nunca fora feito para frequentar aquelas festas.

O ambiente me sufocava com todo aquele barulho, aquele cheiro de comida e aquela mistura odiosa de perfumes dos mais diversos. Desci e me esgueirei; dei uma desculpa meio esfarrapada aos guardas para me deixarem ir ao grande jardim logo atrás do salão do palácio.

Realmente, eu pertencia ao mundo exterior, longe da política e do baile de máscaras, consequência das mentiras que forjávamos uns para os outros.

“Veio aqui para respirar também?” ouvi a voz dele falar cansada ao meu lado. Estava sentada em uma mureta do jardim enquanto ele se aproximava. Ele parou brevemente, e eu simplesmente sinalizei a ele que poderia ocupar o espaço à minha direita. Um leve odor de álcool fazia-se presente.

Não tinha muito o que falar com ele. Enfrentávamos momentos de tensão política: O rei da Prússia não aceitava que o sucessor ao trono austríaco fosse uma mulher e tomou uma importante região do nosso reino. Já não desconfiava do silêncio de Gilbert porque o álcool sempre deixava ele mais sonolento, mais pesado. Pensei que forçar uma conversa não seria a melhor escolha.

“Não seria bom se pudéssemos ser quem realmente somos de vez em quando?” ele me cutucou de leve. “Levantar nossa voz e poder dizer o que realmente achamos das coisas?” Assenti com a cabeça de leve. O desejo de poder tirar o vestido atravessou minha mente novamente. Realmente… Além de poder vestir o que eu quisesse, poder ter voz para ditar o que eu mesma deveria fazer ao invés de ter de ouvir o que um monte de homens velhos e carecas decidiam num conselho totalmente arbitrário.

“O mundo precisa de mais gente que não se importa para a opinião alheia. O mundo precisa de gente revolucionariamente teimosa,” ele balbuciou de uma maneira meio arrastada. Alguma coisa naquele bêbado sonolento fazia sentido para mim. “De gente corajosa como Maria Teresa,” Gilbert virou-se para mim, seus olhos tentando focar os meus.

Seu rosto estava praticamente colado ao meu. Não sabia se ele tinha consciência do que estava fazendo ou da distância que havia entre nossos lábios. Hoje, não sei se foi por curiosidade, se foi por vontade mesmo, ou se foi porque eu não aguentava a filosofia arbitrária dele. Mas eu me aproximei, deixei minhas mãos trazerem seu rosto para mais perto do meu e deixei que ele pousasse as dele na minha cintura e na parte inferior de minhas costas.

Deixei meu inimigo me tomar os lábios e os sentimentos.

“O mundo precisa de mais Erzsébets.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

cabra safado esse Gilbert



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rubis e Esmeraldas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.