Assim que cumprimentaram seus adversários chegou a hora de ir embora, Karasuno havia perdido, mas o clima não parecia ruim. Obviamente encontraram algumas rixas, Tanaka um dos maiores provocadores de tais assuntos. Seu rosto intimidado dirigiu-se ao enorme levantador que não se sentiu muito cômodo com aquele olhar sobre si e os berros irrefreáveis do ponteiro. Ennoshita teve que se intrometer, desculpando-se pelos atos de Tanaka e repreendendo-o logo em seguida, não com muita calma porém.

Aone havia se aproximado de Shinra, "obrigando" a Akane a permanecer ao lado do pequeno companheiro. Kintaro que via ao longe apenas conseguiu suspirar, vendo uma verdadeira cena de "guarda-costas". Aone apontou o dedo para o pequeno, seus olhos a encará-lo com determinação e confiança, todavia não dizia uma só palavra. Shinra não se moveu, apenas encarou de volta.

– Aone, não intimide os novatos. - repreendeu Kenji se aproximando e empurrando seu companheiro para longe. Dirigiu um olhar para o pequeno, sorriso de forma desafiante enquanto continuava. - Apesar de ter jogado pouco você foi ótimo pequeno. Tenha certeza que da próximo não facilitaremos pra você. Aone gosta de marcar os ponteiros fortes.

– Forte?- repetiu o pequeno com o rosto iluminado, um sorriso felino nos lábios e as bochechas coradas. Akane o encarou assustado, aquele rosto não devia ser de um ser humano normal.

– Então prepare-se. Ja ne! - o rapaz se despediu, arrastando seu companheiro albino com ele. Shinra balançou a cabeça voltando ao normal, o rosto perdia o sorriso e dava espaço a um olhar sério enquanto encarava o local por onde os dois adversários haviam ido.

– Ne Akane. - chamou depois de um tempo, o tom sério. Akane poucas vezes havia escutado esse tom do pequeno rapaz e realmente pensou que fosse algo importante. Shinra deu uma pausa, parecia pensar no que ia falar, deixando seu companheiro ansioso. - Aquele cara de cabelo branco não tem sobrancelha.

Ah bem... Akane preferiu não comentar sobre o que o pequeno disse. Todos se reuniram no ônibus, acomodaram-se no lugar e assim que começou a fazer o caminho de volta todos os rapazes já haviam adormecido, caídos de qualquer jeito nos bancos. Alguns roncavam, outros resmungavam, mas a quietude reinava no automóvel, sobrando apenas Yachi, Ukai e o sensei acordado, sendo esse ultimo aquele que dirigia.

– A volta se diferencia muito da ida. - comentou o sensei enquanto sorria com carinha, ainda encarando a estrada a sua frente. Tinha colocado uma velocidade moderada e apesar do sol já estar começando a se por, calculava que chegariam antes do anoitecer na escola.

– Depois de gastarem todas suas energias no jogo é razoável que durmam desse jeito. - comentou Ukai, os olhos presos na paisagem que passava pela janela a seu lado. Apesar de seu comentário, admitia que era estranho todo aquele silêncio enquanto estava junto daquele bando de garotos desordenados.

– Ne, Ukai-san. - começou Yachi esticando o rosto para os bancos da frente, um pequeno sorriso desenhado em seu rosto. Falava baixo, não queria despertar nenhum dos garotos que dormia, não depois do intenso jogo que eles tiveram aquela tarde. - Fiquei bastante surpresa com a mudança de ritmo de jogo quando Sakurano-san entrou em quadra. Se ele tivesse participado desde o início acha que o resultado seria diferente?

– Ele realmente passou minhas expectativas. - comentou Ukai pensativo. Tinha colocado Shinra apenas para colocar um clima melhor e não perderam de forma tão triste como estava mostrando a diferença de pontos, mas não esperava que o pequeno se encaixasse tão bem no time. Seria por causa de seu entrosamento fácil com os veteranos? Ou seria algo natural do pequeno? Ele parecia passar uma sensação igual a de Nishinoya e Hinata, dando confiança e esperança a seus companheiros. - Talvez tivéssemos ganhado um set ou talvez não. Não saberemos por enquanto, ele não parece querer jogar nos amistosos.

– Eh? Por que? - questionou Yachi um pouco assustada. Lembrava-se de olhar para o pequeno diversas vezes durante o jogo, sua voz se sobressaia enquanto torcia, incentivando seus companheiros. Sempre que o encarava ele parecia um passo mais próximo da linha que limitava a quadra da parte dos reservas, os olhos verdes tão focados e atentos que chegavam a assustar. Era obvio que estava doido para jogar. - Ele é tão incrível!

– Mas ele tem sérios problemas de recepção, certo? - comentou o sensei, aparentemente compreendendo qual seria a resposta de Ukai. - Ele perdeu alguns pontos no pouco tempo que entrou, sem falar que não consegue bloquear ainda, deve estar se sentido inseguro por só saber atacar, sendo que no vôlei precisa mais do que isso.

– Mas os outros podem fazer isso. - questionou Yachi.

– O sensei tem razão. Apesar do vôlei ser algo em grupo e os outros membros do time terem a possibilidade de te cobrir, nem sempre isso é possível. Quando o adversário descobrir que ele é ruim em recepções vão começar a explorar essa desvantagem. Sakurano deve saber bem disso e pense que seria um fardo para seu time continuar desse jeito. - explicou Ukai tentando imaginar tudo que se passava naquela situação. - É por isso que em cada jogo vou colocá-lo para jogar nem que seja apenas um pouco. Assim ele vai aprender a colaborar com os outros e ainda desenvolver suas próprias habilidades.

– Se isso acontecer Karasuno terá um grande poder de fogo, certo Ukai-san? - questionou o sensei, com um sorriso. Havia aprendido muito naquele pouco tempo que estava a carco daquele clube.

– É apenas uma aposta que estou fazendo. Aquele pivete ainda tem muito o que aprender.

Mais ao fundo do ônibus alguém escutava a conversa sussurrada, suas mãos apertando a calça com cada vez mais força, contendo a raiva que se acumulava em seu interior. Odiava isso, odiava tudo isso. Iria esmagar toda aquela atenção, iria desviá-la mesmo que fosse por meio da força. Shinra já estava passando dos limites e isso tinha que parar. Não deixaria assim, não mais.

Assim como o sensei havia previsto chegaram antes do anoitecer, o sol já findava no horizonte e em poucos minutos tudo estaria escuro. Todavia, dava tempo da maior parte dos estudantes chegarem a suas casas. Akane acompanhou Shinra durante todo o caminho, o pequeno ainda bocejando de sono, nem ao menos queria imaginar como seu companheiro se encontrava. Despediu-se dele assim que chegou na esquina de sua casa, caminhando sonolentamente para a mesma.

Assim que abriu a porta gritando "cheguei" escutou o barulho da TV. Como sua mãe provavelmente estava no quarto naquela hora, se não estava no trabalho, supôs que era seu irmão que se encontrava ali. Aproximou-se, ainda bocejando e sentou-se a seu lado, encarando a tela a sua frente sem muitos ânimos.

– E como foi o jogo? - perguntou assim que se sentou.

– Perdemos de dois sets a zero. - respondeu dando de ombros.

– Não parece muito animada. - observou, desviando os olhos verdes da tela para encarar sua irmão, meio dormida no sofá.

– Foi divertido e incrível, fiquei a maior parte do tempo de reserva, mas nunca senti tanta emoção em toda minha vida. A formação ainda é nova então não esperava que simplesmente ganhássemos de um escola com todos os jogadores titulares em campo e já bem treinados na formação. - comentou, bocejando algumas vezes durante as frases.

– Você não disse que era titular?

– Ah bem... Pedi para o treinador me deixar de fora por um tempo, apenas até conseguir receber melhor a bola pelo menos. - resmungou, o corpo pendendo ligeiramente para o lado.

– Mas você hein. Gosta de se torturar. - comentou divertido, acariciando de leve os cabelos da garota a seu lado. - Se está com tanto sono vá tomar um banho e ir dormir, amanhã você tem aula logo cedo, sem falar do treino que é ainda mais cedo. Anda!

– Huuumm! Tudo bem, tudo bem. - desengonçada a pequena ergueu-se do sofá, arrastando-se para as escadas e então para o banheiro.

– Não durma no banheiro!! - gritou seu irmão, desde o andar de baixo. Ouviu um resmungo como resposta e já sabia que teria que ir acorda-la depois de alguns minutos de banho quente.

E assim como imaginou, depois de alguns instantes de banho teve que subir as escadas, bater na porta e gritar por sua irmã. Ela havia dormido. Pelo menos o próximo jogo seria apenas na semana seguinte e na sexta feira. Ela poderia relaxar um pouco. Sorriu assim que sua irmã abriu a porta do banheiro, vestindo apenas a toalha e com pequenos rastros de sabão ainda pregados no corpo.

Riu do estado deplorável de sua irmã e a direcionou para o quarto, sentando-a na cama enquanto buscava o pijama. Não era vergonha nenhuma para os dois se tratarem assim, claro já estavam numa idade mais avançada e não poderiam tomar banho juntos ou qualquer intimidade mais próxima, mas Shinra sempre era o responsável de evitar qualquer descuido de sua irmã tão desleixada. Sempre foi assim e não se incomodaria nem um pouco se sempre fosse.

Quando caia tratava de calmar o choro, quando fazia besteira a ajudava a esconder o que fez ou as vezes levava a culpa, quando precisava de ajuda nos estudos, sempre estava disposto e quando não tinha nenhum amigo ele era o dela. Sabia que ela o escutaria e faria tudo que ele pedisse por mais louco que fosse o pedido, sabia que ela era seu ombro para chorar e para rir. E talvez por ser assim, por serem tão próximos, se sentia culpado pelo que aconteceu no passado. Mesmo que Hina insistisse que não tinha sido nada, ele não conseguia tirar de sua cabeça aquela terrível culpa.

Aquela era uma triste casa de boneca, onde só poderiam contar um com o outro, quem via de fora não acreditaria, apenas os irmãos sabiam o que realmente acontecia ali dentro.

Saiu do quarto para deixar sua irmã se vestir, suspirando logo que fechou a porta. Enquanto aquele brilhante sorriso ainda estivesse no rosto dela não se incomodaria de viver uma vida dupla, mas lhe preocupava os pesadelos. Eles deveriam ter voltado por algum motivo, algo os havia trazido de volta e tinha medo de saber o que.

A manhã seguinte surgiu com Hina, em seu papel de Shinra, saindo de casa as pressas. Havia acordado atrasado, se não corresse chegaria tarde no treino e muito provavelmente levaria uma bronca de Ennoshita-senpai. Agradeceu por sua casa não ser tão longe da escola, mas sentiu falta de Akane, ele com certeza deve ter ido na frente quando percebeu que estava atrasado. Droga, por que foi dormir de mais?!

Assim que chegou o aquecimento já tinha começado, e teve que se apressar para conseguir acompanhar, apesar de que só com sua corrida até ali já deu pra aquecer até mais do que deveria.

O treino se passou normalmente, com alguns detalhes a acrescentar do jogo anterior. Haviam perdido, mas agora sabiam onde deveriam melhor e no que. Shinra sabia que precisava melhorar muito sua recepção, por isso procurou não cortar, por mais que fosse tentador, teria que ficar sempre do outro lado da rede, apenas procurando receber as cortadas.

Yuu-senpai até estava tentando ajudar, todavia não compreendia muito bem o que ele queria que fizesse. Tentava imitar, mas era muito difícil. Ainda teria um longo caminho a percorrer.

No final, estava completamente suado por correr de um lado ao outro procurando alcançar todas as bolas de saques e cortadas. Seus braços ardiam e mesmo assim tinha a impressão de que as que havia acertado eram apenas por sorte. Frustrado esperou todos saírem dos vestiários para se guiar até eles e então tomar um bom banho. Não poderia ir para a aula daquele jeito, seria terrível! E ainda com o treino da tarde...

Bem, talvez realmente não tivesse problema se não tinha ninguém ali, até parece que um homem ia bisbilhotar outro no banheiro.

Akane já havia saído, acreditava que ao esperar um pouco logo Shinra apareceria e iria para a aula. Sentou-se em um canto qualquer na escada enquanto esperava, mas o tempo passava e nada do pequeno. Quando o primeiro horário estava quase começando decidiu por ir avisar a Shinra para se apressar antes que se atrasasse para a aula também. Como se só para o treino já não fosse o suficiente.

Shinra estava divagando debaixo d'água, não sabia quanto tempo havia se passado, eram tantas coisas as quais precisava pensar, não apenas sobre a escola, mas sobre os pesadelos que vinha tendo. Eles estavam o deixando mais cansado do que no passado, talvez por causa de sua rotina. Suspirou, percebendo que deveria sair agora ou acabaria se atrasando para o primeiro horário.

Procurou a toalha, mas... Não a havia pendurado na porta? Droga teria que sair para pegá-la, não era uma ideia tão genial, mas estava convencido que não havia ninguém no banheiro. Só teria que pegar a toalha onde a havia esquecido, secar, vestir a roupa e pronto, estaria do lado de fora sem preocupações alguma, esperando pelo próximo horário de treino e lutando com mais uma chuva de kanjis que não entendia.

Saiu do espaço dedicado aos chuveiros, caminhando apressado até a parte da estante onde estava suas coisas. Foi uma situação deveras constrangedora, não tinha outro meio de descrevê-la. Quando Shinra finalmente tocou o macio pano da toalha o som da porta se abrindo ecoou, e não deu tempo de se esconder ou enrolar a toalha envolta do corpo, mesmo que esse ultimo não adiantasse de muita coisa seria um constrangimento menor. Seja como for, ali estava, estático com a toalha na mão, o corpo ainda molhado completamente despido, os olhos verdes encarando quem havia entrado pela porta. Verde contra azul, os dois demonstrando surpresa.

Por favor, não culpem Akane por dar uma espiadinha mais para baixo, não era sempre que se descobre que seu melhor amigo possui curvas femininas, discretas, mas bem formadas. Não era sempre que se descobria que o garoto, pelo qual tinha uma terrível luta mental, era na verdade uma garota! Seu rosto se esquentou, tão vermelho quanto o da pessoa que tinha a frente e foi num lapso de um segundo que Shinra havia desaparecido para a parte dos banheiros, reagindo tão rápido quanto em um jogo.

Akane saltou para fora do vestiário, fechando a porta atrás de si logo em seguida, o coração a saltar em seu peito. Levou a mão ao rosto, tentando apagar o constrangimento que havia sentido, sem muito sucesso. Droga, apesar do corpo magro Shinra tinha proporções aceitáveis... E o que estava fazendo pensando nesse tipo de coisa?! Mas não podia negar que estava um pouco mais aliviado. A final de contas, não mais poderia pensar que era gay.

Shinra, do lado de dentro, se vestindo as pressas, amaldiçoava-se até por palavras que nem ao menos existiam. O rosto ainda em chamas e os olhos cristalinos mostravam o quão desesperado estava. E agora? Nem tanto tempo havia se passado e já descobriam seu segredo, e para piorar, bem a pessoa que mais queria esconder!

O que Akane pensaria agora? O que faria? Contaria para os outros? Droga, droga, droga! Seu irmão tinha razão, era tão imprudente e desligado que nem ao menos conseguia agir da melhor maneira para guardar um segredo daqueles. Droga, não era para Akane ter descoberto, muito menos naquela situação constrangedora. Que merda, sentia que podia chorar, chorar de frustração e raiva. Agora tudo estava acabado, tudo era culpa sua, completamente sua. E ainda queria continuar jogando, voltando para casa com Akane, conversar com Yuu-senpai, brincar com Shinji e Midorya, e até mesmo continuar sua relação de ódio unilateral com Kintaro.

Mas que merda! Havia gostado de mais daquele lugar, havia se apaixonado por Karasuno, pelos senpais, por seus colegas... Tudo era sempre tão divertido... Não queria que terminasse assim. Provavelmente todos passariam a encará-lo como um mentiroso, uma falsificação, enganador.

Assim que se viu pronto correu para fora do lugar, Akane ainda o esperava, mas não teve coragem nem de encará-lo. Apenas desatou a correr para a sala, onde sabia que por enquanto ele não poderia falar nada. Akane não fazia escândalos, isso era obvio, mas não sabia como seria naquela situação. A única coisa que conseguia pensar era que ele descobriu seu segredo e iria querer uma explicação.

Não sabia como explicar.