- Mas o que?! - a voz se sobressaiu na noite que racaia na pequena região da prefeitura de Myagi. Já devia ter se passado de meia noite quando o grito foi proferido ao ar, todavia prontamente impedido de continuar quando uma mão se postou sobre sua origem. As aulas estavam prestes a começar, era comum os estudantes estarem dormindo naquele horária para se preparar para o dia seguinte onde se reencontrariam com seus colegas ou começariam mais uma etapa de suas vidas em uma nova escola. E mesmo assim aqueles dois estavam acordados, conversando aos murmuros para não acordar mais ninguém na casa.

- Quer ficar quieto! - repreendeu aos gritos sussurrados a pessoa que acompanhava seu cumplice naquela noite. Seus olhos já acostumados a escuridão encarando de forma repreendedora aquele que se encontrava a sua frente, tampando-lhe com força a boca, temendo o fato de soltar e novamente ser surpreendido com um grito. - Vai acabar acordando a vizinhança inteira se continuar gritando desse jeito!

- Você já percebeu o que está me propondo?! - retomou novamente aquele que havia gritado, retirando de forma brusca a mão que tampava-lhe a boca. Apesar de, dessa vez, estar falando em um sussurro pouco audível. Seus olhos faiscavam desconcertados na escuridão, encarando seu acompanhante noturno. - Se alguém nos descobre seremos severamente punidos! Ou pior, expulsos! Sem falar que nossos pais ficarão no nosso pé pelo resto de nossas vidas!

- Mas é nossa única solução! Nem eu nem você queremos ir para a escola para a qual vamos, essa solução é simples! - insistiu o companheiro, sua voz animada e carregada de uma certeza que poderia convencer a qualquer um que falava a verdade. Todavia seu cumplice sabia bem que sempre que queria alguma coisa aquela pessoa usava esse artificio. Ele estava já cansado dele, e já começava a perder o efeito. - Vamos! Eu preciso ir para essa escola conhecer aqueles caras!

- Pense nas consequencias uma vez na vida, certo? - inquiriu, desanimado.

- Então pense nos benefícios uma vez na vida também! - rebateu. O outro gemeu em desgosto, sabendo que já estava perdendo a briga. - Pense bem, se tudo der certo você vai ficar em uma escola onde não tem que fazer esportes e eu poderei jogar o quanto eu quiser! Papai não te inferniza e mamãe não me incomoda. Saimos ganhando! Já fizemos isso uma vez, ninguém nos conhece para saber a diferença!

- Fizemos isso durante apenas um jogo! É diferente quando se faz durante três anos!

- Nem teremos que nos esforçar muito! Como já apontei ninguém nos conhece, seria muito fácil para os dois, sendo que vão se acostumar conosco do jeito que somos desde o começo! - droga! os argumentos não eram ruins e o pior, aqueles olhos o estavam persuadindo como sempre. Cederia com toda a certeza, mas ainda estava inseguro, seus pais podiam descobrir e desfazer a troca com muita facilidade. E não existia apenas um jeito deles descobrirem, mas sim vários! Eles teriam que se desdobrar pra conseguir ajeitar tudo.

- Mas e quanto aos nossos pais? Existem reuniões com eles, nos jogos como convenceremos que sou eu a jogar e não você e se acontecer alguma coisa e eles forem chamados? - realmente, existiam várias situações onde poderiam acabar dedurando aos pais sobre a situação. - Ainda tem a questão dos uniformes e... e...

- Calma, na minha escola não tem uniforme e eu tenho as mesmas medidas que você, posso usar suas roupas. Com relação a chamarem nossos pais, sei lá, podemos ir juntos, os professores falaram de mim ou de você, mas como esteremos ambos lá nossos pais não saberão de quem estão falando. Sei lá, na hora a gente da um jeito! - era sempre assim, sempre aquela imprudência. Por que sempre acabava escutando? - Vamos! Não temos muita coisa a perder mesmo! O máximo que poderia rolar é nossos pais descobrirem e nos destrocarem sem ninguém saber! A escola nunca saberia a não ser que um de nós dois falasse!

Pensou um pouco, não queria ir para uma escola com clubes esportivos exatamente por não gostar de esportes, mas seu pai insistia que praticasse algum. O máximo que fazia era volei, isso apenas para ajudar a pessoa que agora, com todas as suas forças, tentava convencê-lo a fazer uma troca maluca de identidades. Claro, com essa troca não teria que participar de um clube esportivo e seus pais achariam que isso sim estava acontecendo, enquanto era aquela criatura que participava. Droga, não seria um acordo ruim... Suspirou, afinal o que tinha a perder?

- Tudo bem. Mas espero que aguente os três anos. - cedeu, finalmente, colocando aquele enorme sorriso no rosto de seu companheiro. Não tinha como negar nada, aquela pessoa o conhecia bem de mais para que não conseguisse fazê-lo desistir de sua posição. A comemoração silenciosa não demorou a chegar.

- Digo o mesmo pra você. Começaremos a troca logo de manhã. - afirvou animada, saltando da cama e disparando para fora do quarto. Agora não tinha mais volta a trás.

Aquela garota não tinha limites em suas loucuras e anseios. Qualquer barreira que se colocasse em seu caminho para chegar a onde queria era prontamente burlado por ela. Só não queria saber a onde essa louca ideia a levaria.