Impressões Enganam, as escrita por MyKanon


Capítulo 8
Ela é uma empresa




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A Veridiana demorou a aparecer, por isso meus amigos acabaram voltando antes.

_ Ainda não foi comer? - perguntou a Dani à distância.

_ Já estou indo.

Então ela sorriu simpática e foi para o seu lugar. O Robinson pareceu relutar, mas aproximou-se da minha mesa:

_ E aí, cara? Tudo certinho? - perguntou.

_ Tudo. E essa força, como vai?

_ Tranquilo.

Depois do que pareceu ser o fim da conversa, ele reiniciou:

_ Meu, foi mal aí por qualquer coisa.

_ Esquenta não.

_ Mas... Vocês por acaso...

_ Claro que não!

Mas como eu havia descoberto tão rápido o que ele queria dizer? Fiquei atordoado com meus próprios pensamentos, então tentei alterar o rumo daquela conversa:

_ Você e a Dani parece que estão se entendendo. – desviei os olhos, tentando ao máximo não demonstrar insatisfação.

_ Ah, isso... Não é bem assim... É que você parou de almoçar com a gente... E acabamos no aproximando, sem querer.

“Sei!” Pensei irritado.

_ Mas você não vai fazer cu doce por causa disso, não é?

_ Que isso meu. Tô em outra. - não podia deixá-lo pensar que havia ganhado.

_ É mesmo rapaz? Não perde tempo hein! Também, com essa pinta de surfista... - riu em seguida.

_ Antes surfista que dançarino de rumba, não concorda?

_ Golpe baixo hein... - fingiu-se de ofendido.

Demos risada, mas ele logo parou, e percebi que a Veridiana havia chegado.

_ Oi Robinson! - cumprimentou sorrindo de leve.

_ Oi Veri. Tudo bem?

_ Tudo sim e você?

_ Tudo certo. Bem, vou voltar ao trabalho, vocês ainda têm que almoçar não é? - disse já voltando ao seu lugar.

A Veridiana concordou com a cabeça, sem nem fazer ideia do real motivo da esquiva dele.

_ Bem, vamos lá então Veri? - chamei.

_ Ahan!

Deixamos o prédio, enquanto a maioria das pessoas voltavam para o trabalho.

Decidimos que o nosso almoço daquela quinta-feira seria alguma massa. Ou melhor, eu sugeri e ela aceitou, já que parecia mais distante da realidade que o normal.

Quando ela se serviu, estranhei ter aceitado meu convite para comer massa, já que só tinha feijão e legumes em seu prato.

_ Não gosta de lasanha? - perguntei.

_ Tem massas que são feitas com leite...

_ Ah, é mesmo. Vixi... Por que aceitou o convite então? Poderíamos ter ido a outro lugar...

_ Eu não estou mesmo com fome, Vitor. Não precisa se preocupar!

_ Prometo compensar na próxima.

Ela sorriu e começou a comer seus legumes. Estava estranhamente calada. O que me incomodou um pouco.

_ Está com muito serviço?

_ Sim... Bem, mais ou menos... É só alguns projetos que a matriz da Alemanha está nos enviando.

_ Uau... Deve ser muito legal!

Sua expressão foi de descrença quando voltou a me encarar.

_ Talvez você devesse estudar um pouco os processos de qualidade. Quem sabe você não goste? Poderia ficar no meu lugar! - então riu descontraída.

_ Só se pagarem muito bem... Pois eu vejo a quantidade de trabalho que você tem!

Ela balançou a cabeça em sinal de “mais ou menos”.

_ Mas não sei se seria o mesmo valor, pois eu não sou funcionária. Eu sou PJ.

_ PJ?

_ É, pessoa jurídica.

Pessoa jurídica não era uma empresa?!

_ Como assim? - não consegui evitar de perguntar.

_ Ah... Consultores da área de TI podem trabalhar como pessoas jurídicas. Basta ir ao cartório e abrir uma firma em seu nome. Só isso.

_ Mas... Você trabalha como uma empresa sócia?

_ Não. Como empresa prestadora de serviços.

Isso não era mesmo incrível? A Veridiana, que estava sentada à minha frente almoçando comigo, era uma empresa prestadora de serviços!

Ri achando graça da situação.

_ Parece ser legal!

_ Hmm... Nem sempre.

Ela espetou uma couve-flor e comeu.

_ Você está mesmo muito séria hoje. - comentei.

Preocupada, ela voltou sua atenção para mim:

_ Poxa, me desculpe! Eu não queria te aborrecer!

_ Calma Veri! Foi apenas um comentário! Pelo contrário, eu entendo sua situação. Fica tranquila. Só não quero ser mais uma preocupação, ok?

Voltando a relaxar, ela sorriu e comeu um brócolis.

Meneei a cabeça e também sorri quando voltei a comer.

Enquanto voltávamos ao escritório, ela me explicou mais alguma coisa sobre sua situação de “PJ”. Não tinha nenhum benefício como funcionários regulares, mas ganhava um pouco mais que eles.

Esse “pouco” devia ser modéstia dela, pois devia valer muito a pena abandonar benefícios como férias, 13º e previdência social...

 Procurei não puxar conversa com ela na parte da tarde, pois notava-se de longe que estava atarefada.

No dia seguinte ela nem mesmo estava em seu lugar quando cheguei. E não apareceu até perto da hora do almoço.

Preocupei-me com a possibilidade de ter se adoentado por causa do stress, mas me aliviei ao receber seu telefonema:

_ Vitor. - atendi.

_ Bom dia, Vitor! - mesmo sem ver seu rosto, sabia que estava sorrindo.

_ Bom dia, Veri! Tudo bem?

_ Sim... E com você?

_ Tudo joia.

_ Legal...

Silenciamos. Será que ela só havia ligado pra isso? Então ela retomou:

_ Então, eu estou aqui no 24º andar... Com muito serviço... Nem vou conseguir almoçar, acredita? - depois riu, como se fosse mesmo engraçado.

_ Que droga, hein... Quer que eu traga alguma coisa?

_ Pra mim? - perguntou surpresa.

_ É. Se você quiser...

_ Ahn, poxa... Seria legal! Mas... Não, não vai adiantar. Pode deixar, eu vou... Eu não sei ainda. Mas mesmo assim, obrigada!

_ Imagina.

_ Hmm... Então tá bom! - ela riu mais uma vez – Eu só queria te avisar! Claro, se você quiser saber! Bem, era só isso. Tenha um bom almoço, tá!

_ Tá certo, Veri. Obrigado. Nos vemos mais tarde.

_ Hum-hum. - confirmou.

_ Até logo.

Desliguei o telefone e esperei até que desse a hora de ir almoçar.

Como o Robinson não se dava mais ao trabalho de me chamar, acabei descendo sozinho.

Comi um lanche rápido, pois não tinha muita graça almoçar sozinho.

Mesmo estando cheia de preocupações, a Veridiana era uma boa companhia. Acreditava que até melhor que eu.

Sempre tão livre de estereótipos e preconceitos. A conversa com ela fluía de forma leve e espontânea. Ela nunca era capaz de fazer com que ninguém se sentisse oprimido ou acanhado.

_ Vou querer um desse bombom também. - avisei quando a atendente do caixa foi cobrar minha conta.

Levei o bombom intacto para o escritório.

Queria de alguma forma aliviar a pressão que visivelmente ela estava sofrendo.

Quando comecei a me repreender em pensamento por tal atitude, parei de pensar. Por que aquela ideia fixa de que querer agradar uma garota era sinal de estar afim dela?

A Veridiana era especialista em quebrar tabus, e esse seria um deles.

_ Ah, então você já está de volta...

Comentei aproximando-me de sua baia.

_ Sim. Deixaram eu voltar! - sorriu com alívio – Ah, olha só... Estou sem internet de novo... Tentei repetir aquela sua mágica, mas não funcionou comigo... Será que o tipo de pele influencia?

Não pude evitar de rir da piada espontânea.

_ Deixa eu ver.

Ela me deu licença e remexi seus cabos de rede, mas não funcionou.

_ Estranho... Posso dar uma olhada no seu proxy?

Ela riu, provavelmente imaginando o que fosse proxy.

_ Bem, ele provavelmente fica no computador, não é mesmo? - me perguntou, enquanto afastava a cadeira da mesa.

Verifiquei suas configurações, e como esperado, seu proxy estava diferente.

_ Alguém mudou isso aqui... Você não sabe quem foi?

_ Ah, bem, na verdade eu pedi acesso a um sistema para um rapaz do suporte ontem... Poderia ter sido isso?

_ Poderia... Bem, problema resolvido.

Ela voltou sua cadeira para o lugar e então perguntou:

_ Quer ver o nosso portal da qualidade?

Fui pego de surpresa.

_ Ah, se não for te atrapalhar em nada...

_ Não... Era mesmo o que eu ia fazer. - e sorriu novamente.

_ Bem, então tá.

Puxei uma cadeira desocupada e sentei-me ao seu lado.

Ela abriu um site e me explicou que ficavam ali todos os padrões de qualidade que a empresa utilizava. Enquanto verificava a existência do registro de todas as regras, ia explicando-as para mim.

Quando se tratava de trabalho, era extremamente fluente, como nunca imaginei que pudesse ser.

Depois do que pareceu ser uns vinte minutos, ela terminou.

_ Isso é só o básico tá? Dentro de cada regra, temos várias outras.

_ Nossa, tenho a impressão de ser interminável...

_ É só impressão mesmo.

Lembrei-me do bombom no meu bolso. Tirei-o rapidamente de lá, com medo que tivesse derretido. Mas parecia em perfeito estado de conservação.

_ Ah, olha só! Trouxe esse bombom pra você.

Vi seus olhos arregalarem-se do que imaginei ser surpresa.

_ P-puxa! Obrigada, Vitor!

Ela pegou o bombom rapidamente e o desembrulhou.

_ Divide comigo? - perguntou me oferecendo um pedaço.

_ Obrigado. - recusei.

Fiquei observando-a deliciar-se com o doce, mas percebi que seu semblante foi de culpa ao terminá-lo. Não sei importância para o fato, o que foi um erro.

Voltei para o meu lugar, com uma certa sensação de satisfação.

Eu estava concentrado no meu trabalho, mas a correria de um lado a outro da Veridiana era impossível de não perceber.

Então finalmente ela pareceu sossegar. Observei-a pela fresta da baia, e parecia estar esgotada. Havia cruzado os braços sobre a mesa, e repousara a cabeça sobre eles.

_ Muito cansada? - perguntei esticando o pescoço para vê-la melhor.

Ela ergueu a cabeça e me encarou. Estava pior que eu imaginava. Seu rosto estava mais pálido que de costume, e parecia suar, pois o alto de sua cabeça estava úmido.

_ Ei, tudo bem?

Mas era óbvio que não estava.

_ Claro! - ainda assim, sorriu.

_ Você parece mal...

_ Ah, não é nada! Eu só...

Antes que pudesse terminar, cobriu a boca com a mão e correu para o banheiro. Parecia estar doente.

Quando voltou, largou-se sobre sua cadeira e começou a juntar alguns papeis sobre sua mesa. E como eu ainda a estava observando, ele me sorriu brevemente enquanto dizia:

_ Vou ter que terminar de casa...

_ Como você vai embora assim?

_ Já pedi um táxi...

_ Mas o que foi que houve?

_ Nada não... É só a minha imunidade que é muito baixa...

Ela pendurou uma bolsa minúscula no ombro, pegou um caderno e a pilha de papeis que havia juntado.

_ Eu te ajudo.

Peguei os papeis que ela carregava e a acompanhei até o estacionamento do prédio. Ela escorou-se o tempo todo no espelho do elevador, pois sua debilidade era visível.

Nem perguntei mais nada, pois só aumentaria seu mal estar.

E então, quando o táxi partiu, saquei o que havia acontecido...

“Maldição! O chocolate era ao leite!”

 

Continua


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