–Era uma vez um homem não conseguia sorrir.
– Não podia?
– Não conseguia.
E assim minha vida seguia.
Adorava os cheiros de padaria no comecinho do dia.
Cumprimentava a todos
De todos
Nunca respondia.
Me achavam antipático por não mostrar meus dentes
Brancos
No meio de tantos
Briguei com o dono
E fui expulso.
No escritório já era rotina
" o babaca do RH"
Era motivo de chacota na cozinha.
Nem mesmo no almoço, eu podia passar por lá.
Sempre quis conhecer o Cláudio que ouve " Los Hermanos"
A Rita que odeia aranhas
Marquinhos recém-casado.
Alice que reclama de suas banhas.
Mas ainda era "o babaca do RH"
Que não sorria ao falar.
O meu maior tormento
Juro que tento.
Forço por qualquer jeito
Esboçar reação.
E nada. Não.
DESISTO!
Meu pé treme.
E mal sabe que eu existo.
Tudo isso.
Por causa do sorriso
O qual nunca aparece
Quando ela me oferece um doce da barraca.
E ao dizer " não, muito obrigado"
Desvalorizo todo seu trabalho.
" Sou frio" " calculista"
"Não tenho sentimentos"
Foda sou eu que tenho!
Então trate de ao menos, uma vez ao dia.
Sorria. Sorria, criança
Você se trancou em uma prisão
Mas tem dinheiro pra pagar essa fiança.
– E como ele ficou , vovó?
– Sentado, no telhado inacabado pois o vizinho do lado não quis ajudar.
– E ele conseguiu sorrir ?
– Não. Nunca. Morreu depressivo. Mas insistia em passar na minha barraca todo o santo infernal dia de sua vida! Mesmo sendo diabético, mesmo não puxando assunto comigo, mesmo não sorrindo.
Só indo.
Eu já conhecia o que era amar.