O Caminho Certo escrita por Ana Martines


Capítulo 1
Capítulo 1




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Havia finalmente chegado o grande dia: meu aniversário. Esperei mais de duas semanas por este dia, ansiosa para completar 18 anos e não precisar usar minha identidade falsa novamente. Não me preocupar se eles me parariam na porta do pub como já fizeram muitas vezes, ou se precisaria pedir para alguém contrabandear mais uma bebida. Sem mais complicações.

Liberdade, aqui vou eu!

Demorei quarenta minutos me arrumando para a faculdade. Precisava estar impecável. Como se algum dia não estivesse... Mas hoje era um dia especial e, por isso, merecia um visual marcante. Muitos viriam me abraçar, tentariam se aproximar só para chegar mais perto da garota popular do curso, perguntariam sobre meus planos, com a esperança de estarem incluídos neles. Tem como não amar toda essa atenção?!

Ao olhar no espelho, não senti que algo tivesse mudado. Tudo parecia a mesma coisa. A mesma garota com os cabelos loiros me encarava do outro lado, com a expressão conhecida, aquela que conseguia tudo o que queria. Aparência era tudo, pelo menos para mim. Não consigo imaginar minha vida sem tudo o que já ganhei com um simples sorriso de lado, e não vejo problema nenhum em ser assim. Na verdade, se alguém for julgar meus atos, posso culpar a criação que tive. Meu pai deixava claro que seu lema de vida era: “faça com que todos te amem, mesmo que eles não te conheçam verdadeiramente”. Imagino que ele jamais se decepcionará comigo neste quesito.

Só tinha um problema: com muito amor, vinham muitas garotas invejosas. Coitadas. Jamais serão como eu. Jamais terão dinheiro suficiente para comprar tudo o que quiserem – como tenho - e uma família perfeita, com pais jovens e apaixonados - exatamente como os meus. E, é claro, jamais serão tão populares como sou.

Dizem que nunca podemos ter tudo na vida. Bom, estou aqui para provar o contrário. Nasci com tudo e, aos meus dezoito anos, continuo tendo tudo. Meu pai luta por isso dia após dia, trabalhando fora durante uma semana ou duas por mês, mas todo esforço valia a pena.

E, mesmo com os desaparecimentos do meu pai, minha mãe ainda o amava incondicionalmente. Eles eram perfeitos juntos, e tinham um amor que duraria para sempre. Já eu, nunca havia encontrado esse amor.

E olha que não foi por falta de procura! Meu final de semana começa na quinta, e geralmente não vou para a faculdade na sexta, já que quando a aula está começando, ainda estou com a bebida no organismo. Então passo os três dias do final de semana à procura. À procura de mais felicidade, como se não fosse o suficiente tudo o que tenho. À procura de satisfação.

Tenho tudo, mas ainda quero mais. Quero aquele romance de novela, ou melhor, de livros eróticos, onde o rapaz tem um corpo maravilhoso e leva a garota ao delírio com apenas um olhar. Sabe, aquele romance que uma garota em um milhão encontra? É dele que estou falando.

- Olha se não é a aniversariante do dia! - cumprimentou Lorel, minha melhor amiga, assim que me viu.

Lorel era minha melhor amiga por falta de opção, mas ninguém sabia disso. Ela apenas saía comigo todos os finais de semana e arranjávamos ficantes uma para a outra. Conhece aquelas duas garotas que estão sempre se agarrando na balada para poder atrair os homens? Somos nós, sem dúvida. Mas nossa amizade não passava disso. Quando não estávamos falando de homens, não tínhamos assunto.

- Ei, gatinha! - senti seu corpo me apertando em um abraço e sorri. Do nosso jeito, ela era o mais perto de amor que já tinha chegado.

- Então, quais são os planos para hoje?

- Não sei, Lo. Hoje é quarta. Não vi meus pais de manhã, mas tenho certeza que eles vão querer passar a noite comigo. Podemos marcar algo para mais tarde.

- Ok, vou ver o que terá de bom. - entusiasmou-se, já com o celular na mão, provavelmente conversando com todos seus contatos pelo WhatsApp, aqueles que arranjavam as melhores festas para nós. - Como está se sentindo, agora que pode fazer tudo o que já fazia? - Riu, sem tirar o olho do celular.

- Livre - respondi, vendo outras duas garotas se aproximarem para me cumprimentar.

A manhã se passou assim. Muitos abraços, beijos no rosto, muitas insinuações. Verifiquei meu celular duas vezes procurando alguma ligação de meu novo ficante, Tiago. O conheci na última festa que fomos, e ele anotou meu número. Três dias se passaram, e nenhuma notícia dele. Ou não gostou do gelo que dei, em uma hora não muito apropriada, ou perdeu o número. Minha aposta ia para a segunda opção.

No fundo, não me importava. Se ele ligasse, não iria atender. Ou talvez atendesse, apenas para dizer que foi "apenas uma noite". Não era o que os homens faziam com as meninas inocentes que se apaixonavam após um beijo? Pois estou me vingando por vocês, garotas. Aquele cara que quebrou o seu coração, terá o coração estilhaçado por mim.

- Oi, Paloma - cumprimentou timidamente um garoto alto, com o corpo magro, sem nenhum sinal de músculos por baixo da camiseta simples. Percebi isso tudo depois de dar uma boa encarada nele, que ficou ainda mais vermelho.

- E aí? - respondi casualmente, enquanto arrumava minhas coisas para ir embora.

Finalmente tinha acabado o dia e estava livre para voltar para casa. Olhei no relógio e constatei que sim, merecia um descanso. Eram seis da tarde, ninguém merecia ter aula o dia inteiro, ainda mais no dia do aniversário! Não era nada justo.

- Eu... er, queria te parabenizar. - enrolou-se, sorrindo para mim, enquanto passava a mão em seu cabelo, jogando-o para o lado. Não, não daquele jeito metido que os garotos faziam para impressionar alguém... Ele só parecia não saber o que fazer com as mãos.

Um garoto tão alto não deveria se sentir tão inseguro, ficava estranho. Ele até que era bonitinho, mas não servia para mim. Não sou de dar em cima de garotos inocentes, pois sei que eles não merecem ter o coração quebrado. Eles merecem alguém que saiba amar, que ligue no dia seguinte e que ame conversar sobre qualquer assunto. Definitivamente, alguém diferente de mim.

- Obrigada.

- Você vai fazer algo hoje? – perguntou, tão rápido que quase não entendi o que tinha dito. Quase.

- Vou ficar com meus pais.

- Ah.

Seu embaraço estava me dando pena. Era tudo um grande dilema. Se desse atenção demais, ele criaria esperanças. Se fosse rude demais, ele ficaria magoado. E, com a carinha que estava no seu rosto, não queria magoá-lo de jeito nenhum.

- Mas estou livre mais tarde - respondi, sorrindo de lado pela primeira vez para o garoto.

Não sei porque disse isso. Realmente não sei. Me arrependi no mesmo instante, mas já era tarde demais.

O garoto parecia surpreso, como se jamais achasse que teria uma brecha. Pois é, somos dois.

- Posso te ligar, podemos conversar?- sorriu.

Conversar? Ok, ele realmente era inocente demais. Provavelmente nunca foi beijado. O que é muito difícil, pois estamos no terceiro semestre do curso, a maioria de nós tem dezoito anos. Não imagino que exista alguém com essa idade que nunca foi beijado.

Conversar, mais nada. Depois de pensar um pouco, percebi que não seria tão ruim. Talvez por telefone ele fosse menos tímido, mais interessante.

- Sim, aqui está. - entreguei-lhe um papel com o meu número anotado. Continuava sem saber se tinha feito a escolha certa, mas sentia uma ansiedade estranha de ir embora. De ir para casa logo. E essa ansiedade me fez agir sem pensar duas vezes.

- O.. Obrigado. - continuava vermelho.

- Então é isso. Preciso ir... garoto. – Deveria ter me sentido mal por não lembrar seu nome, mas não me importei. Meu celular já tinha apitado duas vezes, avisando que o motorista estava me esperando do lado de fora do prédio.

- É Miguel. – gritou, interrompendo minha fuga. - Meu nome. Miguel. - repetiu, um pouco mais baixo.

- Você já sabe o meu. – Falei. Virei o rosto e sorri para ele, feliz com o seu esforço para se aproximar de mim. Miguel. Ele não merecia ter o nome esquecido.

Só que, ao chegar em casa, dez minutos depois, não lembrava nem com que letra começava seu nome.

O carro da minha mãe estava na garagem, então esperava que ela me recepcionasse com um grande abraço e um enorme beijo na bochecha, como ela sempre faz. Ansiava pelo seu afago no cabelo, seu toque. Não tinha conversado com ela de manhã, o que era incomum. Geralmente, acordava com o cheiro de café e, quando descia, ela me recebia com um sorriso no rosto e um olhar cansado. Só agora parei para pensar que não tinha tomado café da manhã.

Minha mãe é a melhor pessoa que já conheci em toda a minha vida. Ela sabia o momento certo para me dar carinho, a hora em que eu mais precisava. Sabia quando deveria ficar distante, calada. Ela me amava mais do que tudo no mundo, e demonstrava isso sempre que podia. Batalhou a vida inteira para ser escritora, mas não conseguiu ter sucesso com nenhum de seus livros. Passava seus dias na frente do computador, ou escrevendo em um caderno marrom, deitada em sua cama.

Ela merecia um sucesso enorme, do tamanho do seu coração.

E, neste momento, eu merecia o seu abraço. Precisava dele. O dia tinha sido cansativo, por mais que tenha recebido muita atenção. Sabia que nenhuma era verdadeira, eles só queriam um pouco da minha fama. Ou da minha beleza, talvez. E este era o único problema de ter tudo: nunca sabia o que eles queriam de mim.

Procurei minha mãe pela casa inteira. Nada. Meu pai não estava, mas isso já de se esperar, ele nunca chegava antes das nove. Seu trabalho como dono da maior empresa de alguma coisa importante – que não me interessava – exigia muito dele. E, depois da briga que ele e minha mãe tiveram ontem, é capaz que não volte para casa hoje. Ele dizia que precisava esfriar a cabeça, voltando quatro, cinco dias depois.

- Mãe! - gritei, andando pela casa que parecia grande demais para apenas três pessoas.

Subi as escadas aos gritos, imaginando que ela havia dormido enquanto escrevia. Não, o quarto estava vazio. Sem nenhum sinal de sua presença. Tudo estava vazio e quieto demais.

Meu quarto tinha o mesmo silêncio da casa inteira, beirando o macabro. Fechei rapidamente a porta, com medo de estar sozinha numa casa com quartos que nunca entrei. Uma casa desconhecida, silenciosa e aterrorizante.

Ela havia se esquecido do meu aniversário? Não era possível! Como tinha sido capaz disso? Não havia outra explicação. Ela devia ter feito as pazes com meu pai, e saíram para jantar, me deixando sozinha. Como puderam?

Revoltada, tudo o que tinha para fazer era encher a banheira e colocar alguns sais relaxantes. Já que meus pais não estavam aqui, tentaria relaxar sozinha. A banheira seria capaz de me acalmar por um momento, me dar os minutos felizes que meu aniversário merecia.

Ao acender a luz do banheiro, meu coração parou.

Não pude acreditar no que estava vendo. Não, não era a realidade. Havia enlouquecido. Tinha dormido no banco do carro e tudo era apenas um sonho. Não é a verdade. Não é a verdade. Não pode ser!

Esfreguei os olhos, ainda paralisada na porta do banheiro. Rezei para estar sonhando. Rezei para que, quando abrisse os olhos, tudo estivesse normal. Tudo estivesse perfeito como sempre foi.

Contei até cinco, mais rápido do que os segundos normais, sem conter minha ansiedade. Coloquei todas as minhas esperanças no fato de que abriria os olhos e encontraria meus pais se abraçando na entrada, ou minha mãe cozinhando o jantar, ou até a casa vazia novamente. Qualquer coisa, menos aquilo.

Mas não adiantou. Ao abrir os olhos, percebi que era verdade. Não era um sonho. A minha mãe, deitada na banheira vazia, com os braços cortados e uma porcaria de uma faca largada no chão, não era um sonho.

Sangue. Muito, muito sangue.

Não sabia o que fazer. Deveria ligar para alguém? Ou me aproximar? Talvez devesse pegar aquela faca e fazer o mesmo que ela fez. Cortar meus braços paralelamente da mesma maneira que ela havia se cortado. Por que ela fez isso? O que aconteceu?

No desespero, me aproximei e ajoelhei ao lado da banheira. Sua cabeça caía encostada na beirada, inconsciente. Segurei em seus braços e tentei sacudi-la, acordá-la, mas não funcionou. Ela não se mexeu. Não acordou. Por que ela não acordava? Por que EU não acordava?

- Acorda! Acorda! Mãe, sou eu, acorda! - gritei, sacudindo cada vez mais o seu corpo já desfalecido.

Percebi que ela realmente não ia acordar, e foi assim que meu mundo ruiu.

Não sabia o que fazia, não enxergava direito. Apenas me aproximei mais de seu corpo vazio e a abracei, sem me importar com o sangue, sem me importar com nada. Só queria sentir seu toque vivo e macio, seu carinho no meu cabelo. O seu amor. Precisava daquele amor.

Encostei a cabeça em seu peito nu, abraçando-a cada vez mais forte, sem conseguir conter os soluços desesperados da minha dor. Meu corpo fazia o dela balançar, e o pingo de esperança que restava de que ela acordasse, se foi.

Ela se foi, me levando junto.


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