Sociopathy escrita por Ille Autem


Capítulo 18
Parte III - A Caçada - XVIII




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Eu cheguei ao saguão principal do Hospital de Trevo procurando transmitir o mínimo possível de expressão, apenas um leve tom que insinuasse decepção. Decepção com Enrico, com Julie e com todas as desgraças que cercavam aquela cidade, mas é claro que eu não sentia nada daquilo, eu estava mais que radiante sabendo que meus planos estavam saindo melhor do que o imaginado, feliz por saber que esses traidores estavam se engalfinhando na própria vida.

Dei um leve sorriso e pedi que o enfermeiro parasse a cadeira de rodas em que eu estava sentado, apenas para fazer um drama aos jornalistas, eles amavam aquilo e eu também. Me levantei com esforço e me aproximei do pequeno ambão de vidro cheia de microfones de diferentes imprensas. Aguardei alguns instantes e todos fizeram silencio.

–Boa tarde a todos. Agradeço pela atenção, pelas mensagens de recuperação e pelas orações de todos que os fizeram, mas graças a Deus, foi apenas um susto. A bala não atingiu nenhum local sério do meu corpo, já foi retirada sem risco nenhum de vida ou sequelas, apenas uma cicatriz. -suspirei.- O que mais me dói em toda essa história é a perda de um grande amigo, uma perda tão forte, que levou a desestruturação de uma família tão querida de amigos. Rita está sofrendo de uma forte depressão e Enrico teve esse triste lapso de raiva que, ainda bem, não foi tão sério quanto imaginávamos.

–Como foi que aconteceu, Sr. Isao? -perguntou um jornalista moço.

–Não convém entrarmos em detalhes sobre o ocorrido, foi uma ação realmente desconfortável que não gosto de lembrar. A morte de Enzo ainda é muito recente, uma perda muito grande para todos os amigos e parentes próximos que o conheciam e amavam. Isso é tudo. -eu então deixei o ambão e os jornalistas quase avançaram em mim enquanto eu era escoltado para o carro pelos seguranças.



Quando Ken entrou em casa parou surpreso ao ver Claire sentada na escadaria da mansão. Ela usava um vestido longo, branco e tinha os cabelos loiros soltos. Parecia abatida, desesperada.- Precisamos conversar. -ela disse rouca.

–O que você quer? Pensei que tivesse sido claro aquele dia.

–Hugo, pare com isso. Eu sei o que você quer, eu realmente entendo...

Você não entende nada, sua estúpida! -berrou o rapaz e Claire baixou a cabeça.- Nunca entendeu. Você acabou comigo, me traiu e tirou tudo o que eu tinha por pura inconformação. Não se conformou com a sua própria estupidez. Não se faça de santa, não venha me dizer se eu devo ou não parar de fazer justiça. Eu sei quando acaba, e não é agora.

Claire fechou os olhos e lembrou por um instante do rapaz lindo, inteligente e simpático que ela conhecera anos antes. Um tanto desajeitado e tímido quando se falava em amor, isso antes de se declararem um para o outro, mas depois, se mostrou cheio de amor e um cuidado excessivo por ela, um cuidado que antes era apenas do pai, Pe. Maycol. Ela abriu os olhos e o encarou, ele continuava ali, lindo, inteligente e simpático, mas quando queria apenas. Olhava para ela, mas sem amor e cuidado, olhava com ódio, nojo; Seus olhos eram como armas que a baleavam a cada instante que a fitava, mas ao invés de matá-la, a torturava lentamente e muito, muito dolorosamente.

–Você tem razão. A culpa é toda minha. Mas Maycol não tem que sofrer por isso. Ele é uma criança! Não tem culpa, nasceu depois de tudo o que eu já tinha feito de estúpido.

–Realmente, pobrezinho. -lamentei.- Belo nome você escolheu. Um tanto irônico, mas isso é apenas um detalhe, não é mesmo? Aposto que é tudo uma questão de publicidade, apenas para dizerem que são benfeitores e que sentiram muito pela morte do pobre padre vítima de um atentado não solucionável e que continua sem solução até hoje. Por que será? Criar uma fundação e usar o próprio filho como arma para disfarçar a sujeira que vocês fizeram. Pobre Maycol.

–Você tem razão em tudo! -berrou Claire ficando de pé.- Você tem razão em se vingar de nós, em querer-nos no fundo do poço ou até mortos. Nós destruímos a sua vida, mas eu preciso da sua ajuda, Hugo. Só você pode me ajudar.

O rapaz a encarou desconfiado.- O que você quer de mim? Me fazer de idiota de novo...

–Não seja idiiota. -ela berrou.- Você tem tudo para acabar comigo, se quiser me matar agora, mate, mas me escute. Maycol foi sequestrado, eu não sei porquê exatamente, talvez alguns rebeldes desconfiados pela traição a toda a cidade contratando o falso padre, mas não interessa. Eu quero o Maycol, ele não tem nada a ver com isso, Hugo, me ajude, por favor.

–Por que eu faria isso? -perguntou Hugo cruzando os braços.

Ela riu.- Por que Maycol é seu filho, Hugo.



–Cínico. -murmurou Julie para a televisão, o depoimento de Ken estava em alta nas mídias, a todo momento alguma parte era reprisada.- Eu não acredito que ele foi capaz de dizer essas coisas assim, na cara dura.

Enrico estava deitado na cama da moça concentrado no celular, estava acompanhando as notícias desde a alta de Ken. Atualizou algumas vezes a portal de notícias e seus olhos se arregalaram com uma nova notícia estampada no site. Era uma foto colorida dele apontando a arma para Ken e Julie horrorizada ao lado. Ele leu a manchete em voz alta e Julie o encarou assustada:

Vaza vídeo das câmeras de segurança do casarão Isao que mostram Enrico Goldberg atirando no escritor Ken Isao. Vídeo enviado pela jornalista Julie Carter. Aonde você conseguiu isso?

–Eu não enviei isso, Enrico.

–Não seja idiota, Julie. -ele falou.- Me dê aqui o seu tablet.

–Você não confia em mim? -perguntou ela entregando-lhe o aparelho.

–Eu quero poder confiar. -respondeu o rapaz. Ele abriu os arquivos de trabalho e não encontrou nada, olhou as fotos e também não encontrou nada, estava quase desistindo quando viu uma pasta de arquivos nomeada Ken Isao. Ele abriu e lá encontrou vários dados sobre o escritor, notícias sobre ele, rascunhos de acusações, vídeos do rapaz na sua casa em diversos cômodos realizando diversas atividades.- Eu não acredito.

–O que? -perguntou ela.

–Como você conseguiu isso?

–Eu não sei do que você está falando, Enrico.

–Você sabe sim! Você tem vídeos do circuito de câmeras do casarão Isao, tem diversos rascunhos de matérias absurdas sobre várias pessoas importantes que tinham ligação com Ken Isao. Você só quis se aproveitar de mim, isso tudo é crime! Você pode ser presa por invasão de privacidade, difamação.

–Eu não fiz essas coisas. -ela disse passando rapidamente o olhar nos arquivos.- Isso não é meu, eu não tenho acesso a essas coisas.

–Não se faça de idiota, Julie. -ele tomou o tablet da mão da moça.- Eu já estou cansado disso.

Enrico se levantou e guardou o aparelho na bolsa e seguiu em direção a porta do apartamento. Aquilo já estava indo longe de mais, ele não ia deixar que uma mulherzinha que ele acabara de conhecer ferrasse com a sua vida, o traísse assim como todos a sua volta faziam. Dessa vez não o fariam de bobo.



–Dom Leoni? -perguntou Rita descendo as escadas da sua casa. Estava sozinha, exceto pela empregada que estava cuidando do jardim nos fundos da casa.

–Oh, Rita! -respondeu o bispo e abraçou a mulher com força. A quanto tempo ele queria fazer aquilo, não por desejo, mas por compaixão. Tinha a feito sofrer demais e já tinha passado da hora de pedir perdão.- Me desculpe, eu fui tão idiota.

A mulher parecia assustada.- Do que o senhor está falando? Dom Leoni, por favor, me largue!

O bispo se afastou e tomou-lhe o rosto nas mãos.- Eu... Rita... sou eu.

Rita o encarou por um instante e aos poucos foi despindo-o, aqueles olhos familiares, a expressão de preocupação, a tensão nas maçãs do rosto, o jeito carinhoso de agir, a voz mansa. Não podia ser verdade, não podia ser ele.- Thiago. -ela sussurrou.

Ele assentiu.- Me desculpe, Rita. Por favor, me perdoe.

Ela o encarou e cruzou os braços e sentou-se abismada.- Eu não acredito, isso parece loucura, Thiago.

–Rita, por favor. Precisamos conversar, você sabe disso.

–Isso é muito claro para mim, Thiago, mas não é uma boa hora. -ela respondeu passando a mão no rosto.- Enzo morreu, você sabe. -o bispo assentiu.- Era preciso ele morrer para você vir nos ver? Ele também era seu filho e você nem sequer parece abalado.

–Não me culpe, Rita. -ele disse.- Nós não tínhamos um vínculo afetivo tão grande assim. Mas eu estou abalado sim, ele também era meu filho. Não pense que eu estou intacto, mas não tanto como você.

–Você, você sumiu! -ela parecia abismada.- Meu Deus, como? Como eu não percebi antes que era você? Como eu não te reconheci?

Ele sorriu.- Você me superou, e fez isso muito bem. Não procurei vocês antes porque vi como o sucesso lhe caiu bem, como você se tornou uma mulher forte e independente, superou a morte do próprio pai mas se reergueu. Rita, eu não queria que você me visse depois de tanto tempo, me reconhecesse e pensasse ou se abalasse por achar que seu passado estava voltando.

–Só isso? -ela perguntou.

–Eu tive medo também. Eu confesso, pensei que você me odiasse, me detestasse, que fosse me ridicularizar, afinal, você se tornou uma mulher independente.

–Eu nunca faria isso com você, eu sempre te amei, Thiago. -ela respondeu e deu um pequeno sorriso.- Esse era o sobrenome que você tanto repudiava quando éramos casados não é? Leoni. Você sempre assinava como Thiago L. Carter.

Ele assentiu.- Era o nome do meu pai, você conhece a história. Tomei o nome de Leoni como penitência por tudo o que eu fiz com você.

–Você não existe. -ela riu.- Eu... Eu estou completamente sem ação, Thiago.

–Eu sinto muito. Por tudo. -ele parecia arrasado.- Eu só queria que soubesse que... eu também sempre te amei, Rita. Não da mesma maneira, você sabe que minha vocação é outra, que foi um equívoco meu, mas, eu sempre te amei, você sempre foi uma grande amiga, sempre confiei em você e nunca esqueci o que tivemos e o que você fez porr mim.

–Eu faria tudo para vê-lo feliz.

Ele assentiu.- Pode contar comigo para tudo o que quiser, Rita. Eu rezo pela sua melhora, pela superação do luto do nosso filho. Lembre-se que ele está num lugar melhor agora, Rita, está com Deus, ele que sabe tudo o que deve acontecer e quando deve acontecer. Ele está num lugar melhor agora, muito melhor do que aqui e livre de todas essas tormentas que estamos passando.


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