Os gritos ecoaram pela nave inteira, despertando Bellamy Blake de seu turno e o deixando preocupado, pois ele reconhecera de imediato de quem era aquela voz, e, ao reconhecer, um frio percorreu a sua espinha enquanto ele se levantava num pulo segurando o seu rifle. Era a voz de Clarke Griffin que gritava na calada da noite.

— Não! Não! — a voz da loira gritava repetidas vezes enquanto Bellamy corria em direção a ela.

Havia se passado pouco mais de uma semana desde que os Terra-Firme haviam chegado com sua armada às portas do Acampamento Jaha, preparados para a guerra. Oito dias desde que Clarke conseguira colocar uma trégua na batalha entre os dois grupos para que ambos pudessem focar em como chegar até os Homens da Montanha. Oito noites em que a memória da decisão mais difícil que Clarke havia feito não saia da cabeça dela. A Griffin não sabia se um dia conseguiria esquecer do momento em que teve que matar Finn.

“Sangue se paga com sangue.”

Bellamy chegou até o pequeno compartimento que fazia as vezes de quarto da loira e, por um meio alívio a encontrou sozinha. A mesma estava deitada em sua cama e se remexia incessantemente, mas ainda estava com os olhos fechados, presa em seu pesadelo.

— Clarke! — Bellamy gritou ainda da porta tentando acordá-la, mas foi sem sucesso.

Ele abandonou o rifle na porta e aproximou-se do colchão que a mesma estava, a segurando pelos ombros.

— Clarke! Acorde! — ele repetiu a sacodindo e a menina abriu os olhos, a respiração ofegante.

Clarke ainda tentava recuperar o ritmo da respiração, algumas lágrimas molhavam seu rosto e seus grandes olhos azuis olhavam todo o perímetro do pequeno quarto assustados, como se esperasse que alguém surgisse das sombras para atacá-la. Bellamy pareceu compreender e acrescentou:

— Tá tudo bem, eu estou aqui, você não está em perigo. — sua voz era calma e suave, tentando tranquilizá-la.

Ela o analisou por um instante e pela segunda vez em pouco tempo se jogara nos braços dele, o surpreendendo com um abraço inesperado, dessa vez retribuído imediatamente.

— Eu... Eu... — ela sussurrava sem conseguir completar a sentença.

— Shh, está tudo bem... Foi só um pesadelo. Você está bem. — ele sussurrou ainda tentando acalmar a loira que se encontrava em seus braços.

— Foi só um pesadelo. — ela repetiu em um tom baixo quando se afastaram, parte afirmando, parte tentando convencer a si mesma.

— Isso. — ele confirmou enxugando as lágrimas do rosto dela — Quer falar sobre? Às vezes ajuda.

— Não — ela respondeu balançando a cabeça — Eu quero tomar um pouco de ar livre.

— Claro. — Bellamy disse e se levantou do colchão, estendendo a mão para ajudar ela a levantar.

Os dois saíram da nave em silêncio para não acordar mais ninguém e caminharam até uma mesinha do lado de fora, longe do alcance dos guardas noturnos. Bellamy não sabia que horam eram, mas já era tarde da madrugada. Eles sentaram-se na mesa e permaneceram em silêncio, até o moreno o quebrar:

— Raven não estava no quarto. — ele constatou.

— Não. — o tom da voz dela parecia mais calmo agora — Ela ia trabalhar até tarde na oficina, deve ter acabado dormindo por lá mesmo.

— Como ela tá lidando com tudo isso?

— Não muito melhor do que se podia esperar. Ela passa os dias na oficina, tentando ocupar a mente... Como se isso fosse mesmo possível.

— E como você tá? — ele perguntou olhando pra ela e tentando disfarçar sua preocupação. Ele sabia que ela ainda não havia se recuperado totalmente.

— Eu não sei. — ela respondeu dando de ombros — Eu tento parecer forte para todo mundo não perder a esperança, pra tentar bolar algum plano pra salvar nossos amigos, não preocupar minha mãe... — a loira continuou e ele percebeu que sua voz ia ficando trêmula, não muito depois ele percebeu com o fraco brilho da lua que ela chorava — Mas... É difícil. Eu não consigo.

— Nunca diga isso. — ele enxugando uma lágrima que descia pela bochecha dela — Clarke Griffin, você é uma das mulheres mais fortes que conheço. Você passou por muita coisa, qualquer um no seu lugar já estaria pior que você.

— É só que... Às vezes eu tenho a sensação que nunca vou esquecer do dia em que o Finn morreu.

— Eu sei. Mas você também tem que lembrar que o que você fez foi um ato de muita coragem e bravura, Clarke, você salvou ele de um sofrimento... Finn morreu em paz. Lembre-se disso. — Bellamy respondeu depois de uma longa pausa.

— Eu não consigo... — ela repetiu.

— Vai ficar tudo bem. — ele afirmou, segurando a mão dela.

— É o que eu tento me forçar a pensar todos os dias desde então. — sua voz soou baixo, um sussurro.

O aperto na mão de Bellamy aumentou e eles ficaram por um instante em silêncio, até Clarke dizer:

— Obrigada. Por sempre está ao meu lado.

— Sempre estarei, princesa. Nem que seja preciso umas três ou quatro discussões para chegarmos em um acordo. — ele respondeu, tentando aliviar um pouco o clima.

— Tá ficando frio, acho melhor a gente entrar agora.

— Sim. Eu lhe acompanho até seu quarto.

Os dois se levantaram e fizeram o caminho de volta em silêncio, e em poucos minutos estavam parados na porta do cômodo.

— Fique bem, princesa. — Bellamy disse dando um abraço de boa noite nela e um pequeno beijo em sua testa.

— Obrigada mesmo, Bell. — ela disse — E bom, qualquer coisa eu já sei que posso gritar, certo?

— E você sabe que eu vou aparecer. — ele respondeu e viu algo que ele não via há dias nela: um pequeno e tímido sorriso ia se formando, mas não durou muito.

— Sim, eu sei. — Clarke disse entrando no quarto enquanto Bellamy saia para o corredor.

Mas ele não fez o percurso do seu quarto, ao invés disso sentou-se no chão apoiando as costas na parede oposta a porta de entrada do quarto. Assim ficava mais tranquilo, sabendo que ela não estava desprotegida.

— Você sabe que eu consigo ver sua sombra daqui, certo? — a voz da loira soou de dentro do quarto surpreendendo o moreno. Ele ouviu o barulho dela se levantando e em poucos segundos ela estava de frente a ele na soleira da porta.

— Droga, quer que eu dê mais uns três passos de distância? — ele brincou ainda sentado no chão.

— Não precisa.

— Eu faço questão. Quer dizer, não é nada eu passar só uma noite tomando conta da loira mais birrenta do Acampamento.

— Eu disse que não precisa ficar aqui no chão. Você pode entrar. — ela respondeu e completou antes que a frase soasse com outras intenções — A cama da Raven tá vazia mesmo.

— Nesse caso, eu aceito a oferta.

— Então venha. — ela estendeu a mão para ele e o mesmo se levantou do chão.

Ambos entraram no quarto e cada um deitou-se em uma cama. Clarke aconchegou-se longo entre suas cobertas, mas Bellamy não conseguia desviar o olhar da loira – e agradecia a pouca luz do ambiente para que ela não o percebesse.

— Boa noite, princesa. — ele disse.

— Boa noite, bravo soldado. — Clarke respondeu.

Mas ambos não dormiram no mesmo instante, suas cabeças repletas de vários pensamentos, inclusive pensamentos sobre quem estava deitado na cama oposta.