Ícarus, anjo noturno escrita por Murilo Wendler


Capítulo 9
Ômega




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Hoje acordei e o céu estava nublado. A mulher do tempo não entendeu essa virada do clima, pois a previsão era para um dia quente e típico de verão aqui em São Paulo. Na verdade, nem reparei muito, afinal já fazia tempo que tudo não tinha cor para mim.

Qual o seu maior medo?

Eu não possuo aquelas medos normais: altura, agulhas ou insetos. Em uma época da minha vida eu não sabia responder a essa pergunta, apenas respondia que tinha medo de decepcionar aqueles que eu amava. Isso não deixa de ser verdade, mas no fundo eu sabia que tinha algo a mais.

Qual é o seu bicho papão?

Culturalmente eles não possuem forma, vivem escondidos em lugares escuros para fazer sua aparição na forma do maior medo da pessoa a sua frente.

Ele ainda está ali, não está? Ele voltou e eu nem vi entrar, me observando como sempre esteve. Finalmente conseguiu se libertar da prisão da qual eu mesmo criei e não se esconde mais nas sombras. Não só isso, aparentemente seu DNA mudou e agora é capaz de sugar a minha energia.

O que é um dia solitário perto de uma vida solitária?

Durante os cinco dias da semana que levanto para ir trabalhar, sim, não acordo pois não me recordo da última vez que tive uma noite de sono. Depois do trabalho vou para a faculdade, e por fim para casa. E em cada momento eu sinto o peso da solidão sobre meus ombros.

A multidão me assusta e me sufoca, pois me sinto sozinho entre todas aquelas existências. É quase como se eu perdesse meus 5 sentidos, até minha mente prega peças e embaralha meus pensamentos.

Qual o meu papel na vida?

De uma coisa eu sei e demorei para aceitar que meu lugar não é ao lado das pessoas, mas sim atrás, onde as sombras me escondem.

Eu não lembro a última vez que sorri de forma verdadeira. Não me olho mais no espelho, evito ver esse rosto triste que ninguém mais enxerga. Eu fiz teatro durante três anos e fui um péssimo ator diante de plateias, mas sei vestir a máscara da felicidade nos palcos da vida. Sou tão bom nisso que me sinto um vilão fantasiado do desenho Scooby Doo a espera de alguém que seja capaz de desvendar.

Pude reparar no metrô a quantidade de pessoas tristes. Olhei cada passageiro de longe e havia tristeza em cada olhar. Talvez seja por esse motivo que eu evito os olhos durante uma conversa, não quero que percebam minha tristeza.

Que ironia esses dois últimos parágrafos.

Como pode haver tanta solidão em uma vida de 21 anos?

Odeio confessar que estou entrando em pânico. Entenda, o medo é um sentimento bom, já o pânico não. Eu sei que nem tudo será fácil, cada dia estou apenas aceitando e tentando continuar e enxergar algo positivo nisso tudo. Eu só não quero me perder, quero continuar sendo verdadeiro e oro a Deus para isso.

Eu mudei. Tornei-me introvertido e inseguro a partir do momento que comecei a ver as pessoas passarem pelo meu corpo invisível, fingindo estar tudo bem e na mais perfeita ordem.

As pessoas vão embora. Eu deveria já ter aprendido, mas minha teimosia não deixa, porque no fundo eu espero que elas sejam iguais a mim. As pessoas não cumprem promessas, elas mentem, elas olham nos seus olhos e falam que nunca vão te machucar e que não vão deixar ninguém fazer mal, e no final elas são as primeiras a te machucarem.

De todas as flores que eu dei, ninguém deixou florescer. Eu via as pétalas caírem uma a uma e tentava guardá-las, com a falsa esperança que no final elas teriam algum significado, porém elas murchavam e escureciam, dando um fim aos laços que eu criei.

Persisti em batalhas que já estavam perdidas, esforcei-me ao máximo e falhei. Me desgastei e hoje é como se não houvesse mais nada capaz de repor minhas energias.

A cada dia que passa uma parte dentro de mim morre. Estou me tornando uma casca vazia que leva uma vida morta. Nem toda morfina é capaz de amenizar essa dor, não existe remédio para essa alma destruída.

Já ouviu falar sobre tatuagem Maori?

Da cultura polinésia, esse tipo de arte registra no corpo os traços de personalidade, conquistas e bravura, laços familiares e conta a história de cada pessoa que a possui.

Eu tenho um lobo gravado no antebraço. Apesar da minha tatuagem não ter os traços físicos da Maori, ela tem um significado semelhante a cultura deles.

Conhece a hierarquia de uma alcateia?

No topo há o líder, o lobo alfa. Abaixo tem os betas, que podem assumir o comando caso aconteça algo com o alfa ou se sintam confiantes para desafiar sua liderança. E por último, na classe mais baixa e fraca da alcateia está o ômega. É engraçado dizer, pois muitos consideram um lobo ômega o animal mais fraco da grupo, aquele deixado por último, outros dizem que eles não vivem em conjunto, sendo o chamado "lobo solitário".

Dizem que um ômega não sobrevive durante muito tempo, mas eu ainda estou aqui.


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