Choose Your Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 1
Touched By A Angel


Notas iniciais do capítulo

Genteney, estamos de volta ;) Esse é o segundo livro da Saga TAP, e a Season 1B , boa leitura ♥



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Mário Filipe se jogou atrás de algumas caixas atrás da loja em que trabalhava. Elas eram grandes o bastante para esconder qualquer coisa, inclusive ele mesmo. Inclusive esconde-lo de uma vadia sociopata.

Mário lançou um olhar cauteloso em meio à chuva, procurando algum flash de cabelo loiro. Sabrina poderia estar em qualquer lugar. Seu ombro direito formigou de dor como uma lembrança turva do que a Demônia tinha feito – não era nenhuma ofensa, Sabrina era um Demônio mesmo – quando o atacou na loja. Por sorte a loja estava vazia agora, porque se alguém estivesse no momento em que ela o tinha atacado... Poderia não resistir a fora dela.

É claro que Mário nunca iria saber a diferença, uma vez que era o que era.

O flash loiro passou entre as frestas da caixa e Mário respirou fundo, o coração na garganta enquanto mancava para correr dali... A vadia tinha machucado a perna dele também. Ele se forçou para frente, ignorando as dores no corpo e os pingos irritantes de chuva. Se não saísse logo dali, ela o mataria.

Um bater de asas o assustou e ele continuou correndo.

– Mááááário – a voz de Sabrina cortou o ar. – Onde você esta, meu pequeno Angry Birdy? Não esta se escondendo de mim, esta?

Ele ignorou o total sarcasmo dela e continuou seguindo, forçando os pés a rastejarem pelo asfalto molhado – se conseguisse andar mais duas quadras, onde ficava a Delegacia de Vallywood, ficaria tudo bem. Ou ao menos ele pensava que ficaria.

– Ah, Mário, querido, você sabe que correr é inútil – a risada de Sabrina era como vidro se estilhaçando. – Eu sempre te acho, Mário. Te achei na última vez no Arizona, depois daquele dia em Seattle... Até mesmo no Brasil, Mário... Você sabe que não pode se esconder de mim...

Ela só quer te atingir, Mário pensou consigo mesmo, Ela só esta dizendo tudo isso pra que você desista de continuar fugindo.

Ele conseguiu avistar a Delegacia no final da rua e por um segundo seu coração saltou com a esperança. Mas e então, algo o derrubou, fazendo Mário ralar as costas no asfalto molhado. Em meio a confusão de chuva, dor e surpresa, ele ergueu os olhos e Sabrina estava em cima dele – tecnicamente, pairando acima dele.

As asas negras e metálicas batiam levemente, o cabelo loiro dela, mesmo molhado, parecia quase dourado e ela vestia roupas comuns demais que a fariam parecer uma garota perdida. Mas os olhos antes verdes agora haviam assumido a cor do que ela realmente era. A íris inteira estava escura. Porque ela era um Demônio.

Um demônio que sorria ao olhar ele de cima.

– Eu vou matar você – ela disse, crispando as unhas.

Mário fungou e tentou se sentar, Sabrina bateu as asas para frente e o chutou de volta para o chão. Quando Mário girou para engatinhar, ela o pegou pela perna e o lançou de volta por onde tinha andado até agora.

– Vamos, anjinho – ela sibilou. – Por que não me mostra suas asas, hein?

Mesmo na situação em que se encontrava, Mário sentiu raiva.

– Você sabe muito bem por quê.

Sabrina pousou de leve no chão molhado, sorrindo de orelha a orelha.

– Ah, isso é porque você trabalha pra quem trabalha – ela o fitou com os olhos totalmente escuros. – Se trabalhasse para quem eu trabalho...

– Mas nem fodendo – Mário apertou os olhos e Sabrina riu.

– Que palavreado, hein, Angry Birdy! Tenho quase certeza que essa não é uma das coisas que você aprendeu com o seu chefe!

Mário ignorou a provocação e uma das gotas de chuva acertou a ponta de seu nariz. Quando isso aconteceu, ele sentiu uma coisa se acender em sua mente.

– Por que esta fazendo isso? – ele apertou os olhos. – Quem te mandou aqui?

Sabrina sorriu lascivamente em resposta.

– Oh, querido, você sabe muito bem quem me mandou.

Mário franziu a testa.

– Não. Ele não teria mandado. Não nessa forma humana, se tivesse sido ele...

Sabrina não respondeu e começou bater as asas presunçosamente.

Então algo ocorreu a Mário.

– Alguém te invocou – ele arfou. – Você foi invocada.

O sorriso de Sabrina continua estampado, mas seus olhos escureceram ainda mais.

– Já chega de brincar – ela se dobrou nos joelhos, preparada para saltar em cima dele. – Vamos logo acabar com isso, Angry Birdy.

Mas Mário dessa vez foi mais rápido, tinha ganhado tempo o bastante para fazer e, mesmo violando uma das regras mais importantes de seu povo, ele teria que fazer. Se quisesse continuar vivo.

Sabrina tirou os pés do chão e Mário levantou a mão ao mesmo tempo. Uma luz colidiu entre os dois, dando mais luz aos pingos que caiam do céu, formando pequenos arco-íris nas bordas das poças no chão.

Depois que a luz se foi, Mário encontrou o beco vazio. A chuva também tinha parado e um silêncio tinha se estabelecido no lugar. Ele respirou fundo e se permitiu sentir alivio ao dar dois passos para frente.

E então sentiu algo perfurar suas costas. Ardia como o diabo e fez todo o seu corpo formigar de dor. Vários pontos apareceram na sua frente enquanto ele caia no chão.

A última coisa que Mário viu antes de cair na inconsciência foi um capuz preto segurando uma lamina antiga e prateada...

***

Rafa Capoci começou a desfazer suas malas. Tirou primeiro as camisetas sem nenhuma manga, aquelas que tinha usado na praia, empilhando todas elas dentro do armário. Logo depois tirou bermuda por bermuda, seguido de uma quantidade de sungas que nem tinha usado. Tinha acabado de passar as férias nas praias de Miami e ainda não estava morrendo de sono.

Quando terminou de guardar tudo, se espreguiçou ao lado da mala na cama. Quem sabe talvez devesse dormir umas seis ou nove horas, o bastante para cobrar o tempo em que passou a noite em claro.

Enquanto pensava nisso, seus olhos examinaram algo que tinha sobrado na mala. Era pequena, porem pesada, e ainda se podia ver um nuance de vermelho nela; vermelho sangue – Era uma bala. Uma das balas que tinha matado Lucas. Ele a tinha pego segundos antes de eles saírem de perto do corpo de Lucas e levado em seu bolso enquanto Lizz os aparatava.

Faziam quatro meses desde a morte dele – desaparecimento, para alguns que não faziam ideia do que tinha realmente acontecido com seu melhor amigo. Ele vinha evitando Vick desde o ocorrido e eles perderam contato. Rafa tinha ouvido falar por aí que ela vinha espelhando cartazes de DESAPARECIDO por toda a cidade com uma de suas amigas Camilla seguindo ela como uma sombra.

Rafa sentia uma pena enorme da esperança que Vick ainda tinha, mas não podia fazer nada a respeito. A verdade deveria ser escondida. A morte dele deveria ser escondida. Assim como a de Henrique também tinha sido.

Rafa olhou a mala mais uma vez antes de criar a coragem para fecha-la. Quando o fez, a colocou no canto do quarto.

Aqui estava ele de novo em Vallywood, a cidade mais pacata e tranquila que se podia morar desde os cinco anos. Só que não. Por baixo de toda aquela faixa de lugar suburbano, Rafa tinha visto tudo. Viu coisas e enfrentou coisas que se resolvesse dizer a terapeuta da escola, Ester Klaroline, seria mandando direto para o manicômio.

Mas apesar de tudo, Rafa não conseguia mentir para si mesmo. Sentia falta daquele Setembro. Sentia falta de cada um dos membros do Pack. Ainda esperava ver o cabelo de Andressa pelo canto do olho, ou a silhueta enorme de Eduardo andando por sua janela, ou dos olhos azuis misturados com verde de Fernando o fitando sem parar.

O silencio tomou tanta conta do quarto que quando na sua porta alguém bateu, parecia que o mundo estava sacudindo. Ele deu um passo para abri-la e então hesitou, se perguntando quão louco seria se fosse alguém do Pack?

Mas então ele ouviu um suspiro familiar do outro lado da porta:

– Sou eu – Rogério reclamou.

Rafa respirou fundo, talvez um pouco decepcionado. Quando abriu a porta, Rogério apertou os olhos para ele.

– Você estava se masturbando? – ele questionou fungando o ar.

Rafa mediu o irmão mais novo com os olhos. Parecia um pouco mais alto, não mais que Rafa, mas estava. A voz também estava bem rouca e ele tinha ganhado um pouco mais de músculos desde que passara a maior parte das férias praticando esportes com a mãe.

Ele revirou os olhos e voltou para dentro do quarto. Rogério o seguiu, sentando no pé da cama e cutucando a parte debaixo do tapete verde musgo no centro do quarto.

– Você tá legal por a gente ter voltado? – ele perguntou.

Rafa franziu a testa com a pergunta e começou a fingir que estava arrumando o próprio guarda-roupa.

– Define legal – ele retrucou.

Rogério suspirou.

– Sei lá, percebi que você ficou meio avoado a viagem inteira.

Rafa deu uma risada sem graça enquanto encarava o irmão.

– Não tem como ficar mais avoado quanto você já esta em um avião.

Rogério apertou os olhos, mas deixou essa passar.

– Ficou com saudades daqui?

Rafa piscou suavemente, não entendendo aonde o irmão queria chegar. Eles só tinham viajado por um mês.

– Fiquei, fiquei sim. Faz um bom tempo que não falo com a Vick e o Roberto.

– E com o Lucas – Rogério acrescentou com um olhar atento ao rosto dele. Rafa tentou não se afetar muito.

– Lucas sumiu, Roger – ele piscou ao dizer isso e chamar o irmão pelo apelido carinhoso.

Rogério assentiu.

– E você não tem ideia de onde ele possa estar?

Rafa balançou a cabeça enquanto a imagem da igreja celha e acabada onde o corpo do amigo se encontrava perto vinha a mente. Seus dedos tremeram e ele tentou disfarçar.

– Não, não tenho – ele engoliu em seco. – Por quê? Vick vem falando com você?

Rogério apenas abanou a cabeça.

– Não, por que a pergunta?

Rafa deu de ombros – talvez um pouco rápido demais.

– Por nada.

Rogério estalou a língua enquanto o encarava.

– E quanto ao seu namorado?

A naturalidade com que Rogério disse o termo ‘namorado’ não surpreendeu Rafa, o irmão mais novo estava tão acostumado com a ideia de ele ser gay que chegava a assustar.

– O que tem ele? – Rafa disse.

O que tem ele? , uma voz repetiu em sua mente. O que tem seu namorado? Rafa pensou em Roberto, em seus olhos gentis, em seu cabelo loiro espesso e em sua risada contagiante. A relação deles tinha sobrevivido mesmo depois de tudo, sem questionamentos. Apesar da total discordância dos pais dele, eles não se mostraram muito infelizes com a situação de Roberto – ou ao menos não disseram mais nada, segundo o que Roberto disse. Eles assumiram a relação na escola, ignorando a tonelada de panelinhas curiosas e maldosas, inclusive Taffara, que pra falar a verdade era a causadora de tudo uma vez que tinha tirado Roberto do armário a força.

Rafa gostava bastante da relação dos dois, não só por Roberto ser educado ou gentil, mas por gostar de sair muito. Eles já tinha ido a vários encontros fora da cidade, a festa de Hallowheen, a estreia do filme Jogos Vorazes - A Esperança Parte 1. E sem contar o punhado de festas. A cada final delas, Roberto deixava Rafa na porta da casa dele, e o beijava apaixonadamente antes de ir. Isso com certeza só deixava Rafa mais apaixonado ainda. Eles não se viam a um mês, porém Roberto já tinha ligado perguntando se Rafa poderia passar umas duas noites ou três no rancho do avô dele, Arthur. Rafa disse um “talvez” em resposta, mas estava obvio que ele iria.

Ele só queria estar com Roberto. Essa era a única coisa que o deixava feliz.

Não é mesmo?

– Vocês parecem ter se dado muito bem – Rogério o trouxe de volta a realidade.

Rafa assentiu.

– Ele é um ótimo namorado – ele deu um meio sorriso em resposta, agradecido pela conversa parecer ter ficado mais leve.

– E quanto aquele loiro do ano passado?

A cabeça de Rafa se levantou com tudo.

– Loiro? Que loiro?

Rogério franziu o cenho para ele.

– O seu amigo... – ele fungou com o nariz. – Fernando, não é? E também tinha aqueles outros dois... Acho que uma se chamava Yanca, certo? E tinha o outro moreno...

Rafa o silenciou com um gesto vago de mãos.

– Ah, eles não eram meus amigos.

O olhar de resposta de Rogério era confuso.

– Não? Mas naquele Setembro eles...

– Eles foram embora – Rafa se virou com tudo e fechou as portas do armário. – Não gostaram bastante daqui.

– Não foi o que me pareceu.

– Nada é o que parece – Rafa retrucou.

Um silêncio tenso se alastrou no quarto até o irmão mais novo pigarrear e se levantar da cama.

– Enfim – ele suspirou. – Eu vim te encher o saco primeiramente porque a mãe e o pai meio que querem sair para comemorar.

Com essa Rafa teve que se virar de novo.

– Comemorar? Comemorar o que?

Rogério deu de ombros.

– A nossa volta? – pareceu mais uma pergunta. – A volta deles?... Olha, não sei... Eles só querem sair, então que tal irmos todos?

Rafa tocou um de seus moletons, indeciso.

– Ah, vai ser divertido... Na verdade, não sei se vai ser, não prometo que seja. Mas vamos mesmo assim?

Rafa suspirou uma vez, pensando seriamente a respeito. Sua vida parecia estar exatamente normal... Tudo parecia bem, não perfeito, mas bem. Por que não aproveitar um pouco dessa sorte.

E, afinal de contas, o que poderia acontecer de tão ruim?

– Tudo bem – ele se virou para o irmão. – Diga a mãe e o pai que eu também vou. Eu quero celebrar.

***

– Pode me dar mais um? – Vick Melo gesticulou para a amiga Camila Alves enquanto terminava de colar mais um cartaz na parede feita de madeira do Dropcoff.

– Aqui – Camila entregou um a ela e ajeitou a pilha de cartazes em seus braços. Não tinha dado muito trabalho para desenha-los, ela tinha que admitir para si mesma, mas espalha-los pela cidade... Bem, isso com certeza tinha dado. – Vick do céu, já não colocamos o suficiente?

A cabeça de Vick praticamente girou 160° graus na direção dela quando disse isso.

– Você ficou maluca? – ela cruzou os braços. – Camila, não é nem mesmo se espalharmos pelo continente inteiro!

Camila arfou, pensando que às vezes Vick tendia a brincar quando falava sério. Ela arfou com o que Vick disse e revirou os olhos com o exagero da amiga.

– Quando você acha que vai ser suficiente, então? – ela questionou. – Espalhamos cartazes pela sua rua, a minha rua, pelo Vallywood Bear, pelo Vally-Mall-Shopping-Wood e agora... bem, aqui... Não acha isso suficiente?

Vick terminou de colar mais um cartaz com fitas adesivas de multi-cores antes de se virar para olhar a amiga.

– Sinceramente, Camila? – ela cruzou os braços. – Eu só vou achar o suficiente quando tivermos uma noticia sequer do que aconteceu com ele.

Camila mordeu o lábio inferior, em uma expressão um pouco culpada.

– Tá legal, tá legal, foi mal – ela suspirou. – Eu sei que é baixo da minha parte te pedir para pararmos, mas... Vick, faz quatro meses. Quatro meses. Você não acha que ele já teria dado um sinal de vida se quisesse?

Vick suspirou, olhando para o ultimo cartaz que tinha acabado de colar. O desenho que ela e Camila tinham trabalhado duramente realmente estava bom. As feições não eram totalmente fieis ao rosto de Lucas, mas ela tinha certeza que tinha acertado nos olhos e no queixo um pouco pontudo. Qualquer um – qualquer um que conhecesse Lucas – provavelmente saberia que era ele.

– Eu poderia achar qualquer coisa – ela respondeu a amiga depois de uma pausa. – Se soubesse de alguma coisa.

– Essa é a questão – Camila insistiu. – Nós não sabemos de nada...

– Mas isso também não significa que eu vou ficar parada – Vick disse firmemente. – Quer dizer, é o Lucas. O nosso melhor amigo.

– Eu sei disso, Vick...

– Sabe mesmo? – ela empinou o queixo. – Então deveria saber que eu não vou parar. Porque tenho certeza que se fosse com o Lucas... Ele não desistiria de nenhuma de nós. Lembra quando Rafa sumiu em Setembro? Quem você acha que foi na casa dele um dia depois?

– O Lucas...

– Exatamente! – Vick exclamou. – Lucas é meu amigo, Camila, eu não vou desistir dele.

Camila a olhou de um jeito hesitante.

– Tem certeza que é só por ele ser seu amigo que você quer encontra-lo?

Vick mordeu o lábio inferior e deu uma olhada para o lado de fora da cafeteria, sabendo muito bem do que a amiga estava se referindo. Antes de seu chá de sumiço, Lucas tinha confessado sua paixão por ela e a beijado logo em seguida. Vick de primeira ficou surpresa e aterrorizada, como toda amiga de um garoto ficaria. Mas depois de alguns dias do sumiço dele ela ficou extasiada e curiosa por perguntas. Quanto tempo ele tinha escondido seus sentimentos? Por que nunca pensou em contar antes? E mais... Por que simplesmente sumiu logo depois de ter confessado?

Um embrulho se formava no estomago dela toda vez que via a coincidência pavorosa dessa situação. Vick se sentia em parte culpada de algum jeito. Quem sabe ele não tenha ficado com tanto medo do que Vick sentiria que apenas decidiu... sumir?

Mas logo depois de contar essa teoria a Camila, a resposta da amiga de que se fosse isso ele não sumiria por quatro meses, deixando pais preocupados e seus amigos e professores. Ele não sumiria por culpa dela, sumiria?

– Isso não vem ao caso – Vick fungou e empinou o queixo. – Não agora. O que importa é encontrarmos ele. E se esses cartazes puderem ajudar mesmo que um pouco... Eu vou continuar com isso, me entendeu?

Camila assentiu silenciosamente, entregando outro cartaz. Vick começou a mover as mãos para trabalhar e Camila a também aproveitou para pousar a pilha deles em uma mesa enquanto colava outro.

– E quanto ao Rafa? – ela perguntou em um tom menos tenso. – Você falou com ele sobre isso?

– Hum, não exatamente – Vick franziu o cenho. – Quer dizer, eu perguntei uma vez e ele me disse que não fazia ideia de nada. Nós meio que perdemos contato desde então, sabe?

Camila assentiu.

– Por que perderam contato?

Vick deu de ombros.

– Não sei dizer exatamente... Não sei se foi essa coisa toda com o Lucas, sabe os dois eram bem próximos... Mas acho que ele também tem os próprios problemas pra lidar.

– Com o Roberto, não é?

Vick balançou a cabeça.

– Eu também achei isso de primeira, mas desde o Hallowheen eu notei que os dois estão ótimos. Eu acho que é outra coisa.

– Que outra coisa?

Vick suspirou e baixou o tom de voz:

– Você notou que aqueles três amigos dele sumiram? A tal da Andressa... ou Yanca, sei lá, e aqueles outros dois caras mais velhos?

Camila arregalou os olhos, abaixando o tom de voz também:

– Verdade – ela sussurrou em concordância. – Meio esquisito eles terem sumido do nada no meio do ano? Achei que como eles tinham se transferido pra cá bem no final iam ficar até o fim do ano.

– Também achei, mas eles não ficaram – Vick mordeu o lábio inferior. – Na verdade, acho que eles nem sequer deram explicações.

Camila então arregalou um pouco os olhos.

– Espera, isso também não foi por volta do dia em que o Lucas sumiu?

Vick parou pensativa. Se ela realmente parasse pra pensar a respeito, as duas coisas tinham acontecido no mesmo dia. No dia em que Lucas deixou de ir para a escola, os três alunos novos com quem Rafa vivia saindo também.

– Acha que tem alguma ligação nisso? – Camila questionou um pouco alto demais, trazendo ela de volta a realidade.

– Não – Vick balançou a cabeça. – É estranho mesmo que tenha sido praticamente na mesma semana, o sumiço dele e o deles, mas... Não acho que tenha alguma ligação. Afinal de contas, o Rafa teria me dito se tivesse.

– Teria?

Vick não respondeu e sua mente não pode deixar de vagar para o Natal do ano retrasado. O jeito como Rafa tinha ficado apavorado com a morte de Henrique, o jeito como as coisas se desenrolaram... E as mentiras e os segredos que eles tiveram que guardar de todos. Rafa não esconderia nada depois daquele dia, não se soubesse de algo, nem por qualquer outro motivo. Ele confiava nela assim como confiava em Lucas. Vick tinha plena certeza disso.

– Ele teria sim – ela disse mais confiante. – Agora, podemos focar nisso? Já é bem chato que só tenhamos nós duas para fazer esses cartazes!

– Nem me fale – Camila revirou os olhos. – Liguei para a Camila cinco vezes desde que voltamos e ela não atendeu uma!

– Nossa – Vick franziu a testa. – O que deu nela, hein? Fiquei sabendo que ela nem sequer quis viajar, é verdade?

Camila Alves estava prestes a dizer algo, mas então seu olhar distraído se dirigiu para as janelas da frente do Dropcoff e ela simplesmente arfou e parou de falar.

– Camis? – Vick estalou o dedo na frente dela. – Camis, o que foi? Está tentando me assustar? Não vai funcionar, cara, eu assisti todos os filmes de Atividade Paranormal sem piscar!

Mas Camila mal piscou a apontou com o queixo para onde estava olhando.

– Acho que você nunca viu algo como isso em qualquer um desses filmes.

Vick então franziu o cenho e seguiu o olhar da amiga. A cena que se seguia na calçada em frente ao Dropcoff realmente não se comparava a nenhum filme de terror. Taffara Kauane, usando um top amarelo e shorts curtos e brancos ria alto e cutucava uma amiga com uma bolsa enquanto andava. E essa é amiga não era ninguém menos do que Camila Polli.

– Eu não posso acreditar – Camila Alves sussurrou atrás dela.

Vick engoliu em seco enquanto via Polli rir de algo que Taffara dizia e cutucar ela também enquanto jogava o cabelo por sobre o ombro. Por sorte as duas estavam andando pela direção contraria de onde elas estavam e não tinham visto nenhuma delas ainda.

– Pois eu posso – Vick sussurrou e se virou para a amiga. – Isso explica tudo. O fato de ela não viajar. E não atender mais nossas ligações.

– Mas... Ela e Taffara? – Camila arfou. – Desde quando? Por quê?

– Eu não sei – Vick olhou para elas duas de novo. – Mas eu vou descobrir, acredite nas minhas palavras.

Camila a olhou pelo canto do olho.

– O que vai fazer, Vick?

Mas a amiga não respondeu e pegou os cartazes em cima da mesa.

– Eu vou segui-las – ela grunhiu e se virou para a porta. – E se quer saber mais do que eu, vai vir comigo.

Camila Alves assentiu sem questionar e a seguiu porta afora do estabelecimento, louca de raiva, mas também sedenta por respostas.

***

Carla Gonstovi se sentou em uma das almofadas de cor de lavanda que ficavam no chão da Sala de Conforto dos Lobisomens de La Iglesia. Era um dos muitos lugares onde gente da espécie dela poderia se descansar, mas dentre todos era o favorito de Carla. A casa parecia em si um Campus de universidade. Garotos e garotas andavam de um lado para o outro, confortáveis segurando copos de café recém preparados. O único problema para Carla é que para parecer uma sala de estar, deveria ter uma tevê, mas ela gostava mesmo assim. Ainda mais quando sentada ao seu lado estava Érika Alapulof.

Como se combinado, Érika se virou para olha-la com os olhos castanhos e sorriu.

– O que esta olhando? – ela questionou em uma voz provocativa.

Carla apenas balançou a cabeça, tocando em um dos fios loiros de cabelo dela.

– Só a coisa mais bonita desse universo.

Os olhos de Érika brilharam e ela os desviou pela sala.

– Cadê?

Carla estava prestes a cutuca-la, mas ao seu lado Erick Cardoso fingiu um som de vomito.

– Por favor – ele disse quando ela o encarou. – Não colem esse velcro do meu lado; Eu acabei de tomar café!

Carla revirou os olhos e o cutucou com o pé de brincadeira antes de se virar para beijar Érika. Tinha sido sempre assim desde quatro meses atrás, depois de eles terem enfrentado os Atiradores. Anna e Layane tinham sugerido a ideia de eles se mudarem para La Iglesia. Não era exatamente tudo de bom, mas era melhor do que o depósito destruído pelos Atiradores em Vallywood. E ela podia dormir com Érika em um quarto só delas. O que era uma vantagem imensa.

– Devemos tanto a Anna – Érika comentou com um sorriso encantador. – Por nos acolher nesse lugar, nessa comunidade.

Carla assentiu.

– Ela é uma mulher impressionante.

– Uma mulher impressionante com corpo de garota gostosa – Erick suspirou.

– Erick!

– Que foi? – ele deu de ombros. – Não é como se eu estivesse mentindo.

– Ela tem namorada – Érika comentou.

– Eu sei que tem, mas ainda é gostosa. – Ele olhou para as duas de lado. – Vocês duas também são bem gostosas!

Carla revirou os olhos, mas Érika apenas deu uma risada repicada. Muitos dos jovens lobisomens na sala de estar o encararam, alguns também riram por terem escutado – todos escutavam bem uma vez que eram sobrenaturais – um casal na frente deles fungou com o nariz.

– Da pra cortar o papo lésbico? – pediu Kawai Gabriel, colega de quarto de Erick, se reunindo a eles.

– Algo contra lésbicas? – Carla foi para frente, o olhando atentamente.

Kawai enrubesceu.

– Não, eu só estou a fim de mudar de assunto.

– Então aproveite e mude de sala também – Érika retrucou, se aconchegando ao lado de Carla.

– Não sejam tão maldosas – Erick rosnou com sotaque para elas. – Cada um tem uma opinião.

Carla espalmou as mãos o olhando significativamente.

– E qual seria a da Rita?

A expressão de Erick murchou e ele fuzilou Carla pelo que pareceu um longo tempo. Mas então ele tirou a camiseta – a troco de nada – exibindo o dorso nu e lançando um olhar de paisagem pelas janelas do salão.

– Por que ele tirou a camiseta? – Érika cochichou.

Carla deu de ombros.

– Ele gosta de ficar sem camisa.

– Eu amo ficar sem camisa – Erick murmurou.

Carla riu e Érika a acompanhou. As duas riram mais ainda ao perceber o olhar paralisado de um lobo no canto, que não tirava os olhos de Erick.

– Ei – Érika cutucou ela de repente. – Tem falado com a Andressa ultimamente?

Carla franziu a testa. Como Andressa, Eduardo e Fernando também viviam em La Iglesia, eles se viam casualmente. Era completamente normal trombar com Fernando em forma de lobo nas noites de Lua Cheia, ou com Eduardo perto do escritório de Anna e até mesmo Andressa treinando pela manhã nos campos de areia.

– Um pouco sim, por que?

Érika deu de ombros.

– Passei pelo escritório de Anna hoje quando fui correr – ela comentou tocando uma de suas mechas loiras. – Não vi Eduardo por lá como todo dia.

Carla franziu o cenho.

– Que estranho – ela respondeu. – Será que foram para alguma missão?

Érika suspirou.

– Eu não sei.

Carla deu de ombros e tocou o rosto dela gentilmente.

– Não fique preocupada – ela sorriu. – Eles são uns dos caçadores mais fodas daqui. O que possivelmente poderia acontecer de errado?

O rosto de Érika empalideceu.

– O mesmo que possivelmente aconteceu a quatro meses atrás.

Carla engoliu em seco.

– Nós ganhamos dos Atiradores, Érika.

– É, e antes disso Lucas morreu... E o Edu... – ela fechou os olhos lentamente. – Ele quase morreu, Carla.

Quase morreu – Carla assinalou. – Agora ele esta vivo e todos estão bem.

– Todos menos o Lucas.

Carla ficou em silêncio, não querendo ser injusta. Ela conheceu Lucas por muito pouco tempo, mas já tinha gostado dele. Parecia ser uma ótima pessoa e sentia muito por ter morrido de forma trágica... Não, não, ela o achava corajoso. Ele entrou na frente de Rafa no meio do tiroteio. Ele provou o que qualquer melhor amigo que se preze deveria fazer por outro naquele momento. Sacrifício.

– Desculpa – Érika interrompeu seu devaneio. – Eu não quis ser grossa... É que o Edu, a Dessa e o Fêh fizeram tanto por mim... Por nós... – o tom dela ficou firme. – Eu considero eles meus amigos. E seria horrível se algo acontecesse com eles.

– Eu sei – Carla entrelaçou sua mão com a dela. – Também considero eles meus amigos.

Uma expressão estranha passou pelo rosto de Érika quando Carla a confortou. Mas fosse o que fosse, ela o desfez na hora. Carla então a beijou intensamente, tocando seus lábios de forma gentil. Érika tocou o rosto dela de volta, afagando sua pele com os dedos macios.

Quando terminaram o beijo, Carla tocou de leve a clavícula dela e a encarou. Érika era do Pack dela. Era sua Beta. E era apaixonada por ela. Faria qualquer coisa pela garota que mordeu, pela garota que mudou a vida.

Ela então decidiu se levantar e Érika franziu o cenho, pegando ela pela mão.

– Ei, onde vai?

Carla apertou a mão dela de volta e a soltou suavemente.

– Falar com Anna – ela respondeu. – Descobrir o que esta acontecendo.

Érika sorriu gentilmente para ela, os olhos brilhando de emoção.

– Não precisa fazer isso por mim.

– Claro que preciso, boba – ela piscou. Você é minha namorada... Eu quero te ver feliz.

E com essa ela saiu pelas portas da sala de estar, ignorando o olhar de duas lobas encorpadas que a fitavam com curiosidade.

***

O escritório de Anna ficava no fim das ruas de areia de La Iglesia. Carla estava ali há quatro meses, mas jamais deixava de ficar impressionada com as casas fortes cinzentas e de algumas também feitas de areia. Era tanta cor amarela vinda dos edifícios que às vezes ela se esquecia da cor do céu.

Ao se aproximar mais, ela olhou o edifício alto com três letras no centro da frente do prédio.

Um T cursivo feito a ferro.

Um A encravado na estrutura, como se feito com garras.

E um P inclinado marcado de vermelho cor de sangue.

Pega de surpresa, Carla percebeu alguém parado na entrada, e quase pensou que fosse Eduardo... Até perceber o cabelo loiro escuro familiar.

– Lizz – ela cumprimentou com um aceno de cabeça.

Lizz sorriu de volta, os olhos escuros intensos.

– Licantropa – ela assentiu falando com uma voz rouca. – Que ventos os trazes?

Carla franziu a testa.

– Ventos? As pessoas ainda falam assim?

Lizz riu delicadamente e Carla sorriu um pouco de volta.

– Não, essa é só minha estupida tentativa de soar clássica.

Carla sorriu de volta e Lizz suspirou para ela.

– Veio ver a Anna?

Carla assentiu.

– Na verdade, vim ver o que esta acontecendo.

A testa de Lizz se franziu.

– Tem algo acontecendo?

Carla suspirou e começou a andar.

– É isso que vim descobrir.

Ela começou a andar pelo corredor cor de areia, não conseguindo deixar de se admirar com as letras TAP lindas no centro das portas enorme, que se dividiam no A.

Ela estava prestes a percorrer o resto do corredor e abrir as duas portas, quando ouviu algo do lado de dentro com sua audição paranormal:

O que te preocupa? É por ela ter fugido? – a voz simpática de Layane questionava.

Não só por ela ter fugido – Anna respondeu com sua voz forte e quente. – Mas o que porque de ela ter fugido, isso sim me preocupa. Ela abandonou todo o clã de Atiradores para morrer. Quem diabos faz isso?

– Uma vadia sociopata? – Layane questionou. – Escuta, Anna, talvez ela soubesse o que ia acontecer. Talvez soubesse que o Pack do Eduardo ia ganhar.

– Ou talvez ela não se importasse – houve uma batidinha rítmica e Carla cogitou que talvez Anna estivesse batendo os dedos na mesa.

Acha mesmo que ela arriscaria o próprio clã?

– Eu tenho certeza que ela arriscaria a própria mãe, se ela tivesse uma! – Anna vociferou. – Eu conheço a Carolina, sei até onde ela iria pra conseguir o que quer.

Com essa Carla foi um pouco para trás. Anna... Conhecia Carolina? A mesma Chefa dos Atiradores que ela enfrentou a quatro meses? A mesma Carolina que fugiu?

Pode não ser o que ela quer – Layane argumentou. - Lembra da possibilidade que discutimos ontem? Sobre ela ter algum cumplice? Sobre alguém estar escondendo ela?

Anna riu sem nenhum humor.

Dessa daí eu não duvido – ela grunhiu. – Venho desconfiando que alguém a esta ajudando faz tempo.

– Desde o Natal retrasado?

– Desde que eu e ela terminamos!

Com essa Carla não aguentou mais e percorreu o corredor para irromper pelas portas duplas com força. A sala que mais parecia uma biblioteca surgiu e Layane se levantou de seu banco com os olhos arregalados. Anna apenas levantou a cabeça na direção dela.

– Olha só – ela sorriu ironicamente, quase como se soubesse que Carla estivesse ali o tempo todo. – Alguém parece estar a fim de ouvir uma longa história lésbica.

***

Rafa e sua família adentraram DummyWoody, a sorveteria no centro da cidade de Vallywood. As cores do lugar eram um azul brilhante acolhedor e um amarelo pastel. Crianças corriam por toda a frente do estabelecimento, erguendo seus picolés. Um grupo de garotas se sentava nas escadas da entrada, vestindo saias chiques e maquiagens pesadas. O pai de Rafa estacionou em uma das vagas mais afastadas, de onde Rafa pode ver uma loja de conveniências ao lado. Mesmo ela não sendo tão bonita como o estabelecimento ao lado, as luzes estavam apagadas e a placa na frente anunciava FECHADO de uma forma fantasmagórica.

Rafa ficou olhando a loja de um jeito bem melancólico, até Rogério, que estava sentado no banco detrás do carro ao lado dele, o cutucar.

– Você tá devendo?

Rafa franziu o cenho.

– Não!

– Então para de ficar olhando pra a merda daquela loja! – ele grunhiu. – Tá me assustando também, seu sem noção!

Rafa revirou os olhos.

– Roger, deixe seu irmão mais velho em paz – a Sra. Capoci reclamou do banco do carona, olhando seu próprio reflexo no retrovisor. – Ele pode ser meio paranoico, mas ainda é seu irmão.

Rogério bufou.

– Segundo a genética.

Rafa se ajeitou no próprio banco.

– Nós viemos pra discutir coisas óbvias ou tomar um sorvete? – ele questionou em uma voz abafada.

– Certamente tomar um sorvete – o pai sorriu de orelha a orelha. – Passar uma ótima tarde com nossos filhos adoráveis que são civis e que se amam e muito.

Rafa fez um barulho com a garganta e Rogério franziu o cenho para o pai.

– Que foi, hein velho? Eu não tenho dinheiro não, é você o banco por aqui.

O Sr. Capoci o fuzilou com os olhos.

– Tem razão – ele grunhiu. – Assim como sou sua internet, seu guarda-roupa, seu wifi, seu Lacrosse uma vez por semana...

A boca de Rogério abriu até o último com horror enquanto Rafa abafava uma risada com a boca.

– Você é meu pai, não pode ficar me dizendo essas coisas – ele reclamou e olhou a mãe. – Ele não pode, pode?

A Sra. Capoci apenas sorriu levemente cansada e trocou um olhar feliz com Rafa pelo retrovisor. Ela parecia feliz. E pensando bem, Rafa também parecia feliz. Talvez sair com a família fosse melhor do que ele esperava.

Eles saíram do carro e adentraram o estabelecimento. Logo depois de escolherem uma das mesas no centro da loja, uma garçonete com rabo de cavalo loiro parou animada e saltitante na frente delas – Rogério não tirou os olhos quando outra coisa na frente da camiseta dela também saltou.

– Boa tarde – ela colou um sorriso no rosto. – O que vão querer hoje?

A Sra. Capoci pediu uma casquinha de hortelã. Rogério e o Sr. Capoci pediram Cheescake, um de chocolate para Rogério e um de morango para o Sr. Capoci. Rafa se demorou com a escolha de picolés e Rogério pigarreou.

– Que tal pedir o sabor Roberto?

Rafa arfou e olhou o irmão mais novo.

– Você é nojento!

– Então garotos – O Sr. Capoci chamou a atenção deles depois que a garçonete deu as costas a eles. – Ansiosos por voltar?

– Ficou louco? – Rogério grunhiu. – Em semanas as aulas vão voltar, e eu estou morrendo com isso. Será que não posso simplesmente apertar o replay e voltar esse recesso do começo?

– Não – a Sra. Capoci sorriu. – Assim como ás vezes eu não posso apertar mute pra essa sua voz chata, meu filho.

Rogério murchou e Rafa se lançou para frente.

– Pra falar a verdade, eu não estou muito ansioso para as aulas também – ele confessou. – Quer dizer, eu estou no segundo ano. O que significa que ainda tem esse ano e um outro chegando por aí. Será que vou sobreviver a tudo isso?

– Você vai ter que dar um jeito – O Sr. Capoci se recostou em sua cadeira e o olhou de um jeito significativo. – A escola pode ter vários pontos negativos, Rafa. Mas também é um grande ponto positivo... E agente só se forma uma vez na vida.

– Isso é verdade – Rafa assentiu.

A Sra. Capoci alcançou sua mão na mesa.

– Mas saiba que é sua escolha – ela o olhou intensamente. – Estaremos do seu lado, independentemente do que você decidir, filho.

Rafa sorriu e afagou a mão dela de volta.

– Obrigado, mãe.

– Eu também quero apoio – Rogério fez uma falsa voz dramática. – Quero que me apoiem a pegar aquela garçonete.

O Sr. Capoci revirou os olhos e o celular de Rafa vibrou em seu bolso. Ele deslizou o dedo pela tela para desbloquear e viu que alguém estava ligando. Roberto, a tela anunciava.

– Hum, gente – Rafa começou a se levantar. – Eu volto em um segundo, preciso atender essa ligação.

Antes de Rafa se afastar, ele escutou um som malicioso sair da boca de Rogério, mas nem se importou. No lado de fora da sorveteria, ele atendeu a ligação.

– Alô?

Rafa – a voz de Roberto cortou o ar.

– Roberto – ele respondeu no mesmo tom aliviado dele. – A que devo a honra do meu namorado estar ligando? – ele brincou.

Ele conseguiu escutar a risada de Roberto do outro lado da linha.

A mesma honra que devo por você estar atendendo – o tom de Roberto era profundo. Romântico, como sempre.

– Não seja tão bobo – Rafa ronronou. – E para de parafrasear.

Roberto riu outra vez, e dessa vez Rafa não conseguiu segurar o sorriso que se formou no canto de seus lábios. Era tão bom ouvir a voz dele.

Então – Roberto começou em um tom mais leve. – Eu meio que tenho ótimas noticias.

– Hum, ótimas noticias? – Rafa cutucou o chão de leve com o pé enquanto falava. – Estou precisando de algumas mesmo. Quais são?

– Meus pais te convidaram para passar duas noites aqui – ele soltou.

Rafa quase engasgou com essa noticia. Os pais de Roberto? Mas eles odiavam Rafa. Achavam que ele era uma puta mal influenciativa para seu doce filho Roberto.

– Mas o que? – Rafa guinchou perplexo. – Você não pode estar falando sério!

Seríssimo - Roberto respondeu. – E não se engane, até eu estou surpreso. Fiquei tão surpreso quanto você. Mas é verdade, eles querem que você venha no rancho do meu avô Arthur.

Rafa mordeu o interior da bochecha. Avô Arthur, ele tinha ouvidos histórias sobre ele, e em nenhuma delas Roberto retratou ele como um fundador de balada GLS.

Não precisa decidir nada agora – o tom educado de Roberto era agudo. – É só no fim de semana.

– Tudo bem – Rafa suspirou – quanto tempo tinha ficado sem respirar. – Eu preciso ver com meus pais antes... E comigo mesmo também.

– O que te preocupa?

Rafa estava prestes a responder, até que seus olhos pousaram pelo estacionamento por puro reflexo e avistaram um capuz preto parado atrás de um Sedan. O corpo de Rafa ficou frio enquanto ele observava o capuz preto se agachar e continuar o encarando.

– Rafa? Rafa, você esta ai?

O capuz então girou em seus calcanhares e começou a se afastar. No instante em que ele fez isso, Rafa sentiu seu ar voltar lentamente e seu coração bater mais forte do que nunca. Ele não sabia quanto tempo se passava desde que o capuz tinha se afastado – o medo o tinha congelado. A voz de Roberto continuava a chiar pelo celular.

– Eu estou aqui – Rafa engoliu em seco para responder. – Er... Olha, eu vou ver aqui com meus pais e depois te mando uma mensagem respondendo, ok?

Rafa? O que aconteceu? Por que você...

Mas Rafa desligou a ligação e encarou o estacionamento. Não tinha mais sinal do capuz. Ele até mesmo resolveu andar até o Sedan e sonda-lo com os olhos, mas não conseguiu ver o capuz preto. E não adiantava mais ele procurar.

Quem quer que estivesse atrás dele já tinha ido.

***

– Por favor? – Karina praticamente saltava de tanto implorar na porta de seu irmão mais novo. – Por favor, porfavorzinho?

– Não! – Rael berrou e cruzou os braços. – E só pra constar, essa palavra nem existe.

– Hein?

Porfavorzinho!

Karina franziu a testa e deu de ombros – e então voltou a implorar.

– Eu só estou te pedindo hoje...

– É, sei – Rael revirou os olhos. – Assim como você me pediu ontem, e antes de ontem e... Olha... Antes de antes de ontem também!

– Por favoooor! – Karina se jogou sobre o batente da porta de Rael, escorregando como uma estrela dramática da Broadway. – Rael, por favor?

Rael grunhiu de frustração e encarou sua irmã Karina. Ela tinha seu cabelo ruivo comprido arrumado em uma trança e seus olhos verdes esbugalhavam para ele. Usava um vestido preto até a altura da coxa e sapatos da mesma cor. Quanto preto alguém deveria usar para começar a virar emo/gótico? Rael se perguntou para si mesmo.

Quando Karina o tinha abordado mais cedo no café da manhã, se oferecendo para levar tudo o que ele queria na cama, Rael já deveria ter desconfiado. E isso se seguiu quando ela se ofereceu para lavar a louça, lavar o banheiro e... dentre outros favores que Rael ficou pasmo ao descobrir. E então agora, duas horas da tarde, Rael tinha se cansado e pedido para ela ir logo ao que interessava.

E Karina é claro começou com seu mártir. E Rael não deveria ter ficado surpreso. Ela queria usar o carro dele.

– Não – Rael disse de novo e claramente. – Eu não vou te emprestar meu carro!

Karina cruzou os braços, indignada.

– Mas eu fiz tudo o que você pediu!

– Eu não pedi nada! – ele guinchou. – Foi você que com essa mente maquiavélica começou a me fazer as coisas pra depois me abocanhar de favores mais tarde! Karina, não!

Karina se debulhou novamente em lágrimas.

– O que eu fiz de tão ruim? – ela começou a chutar a parede. – Será que não fui uma boa irmã, senhor? Será que não troquei as fraldas desse fedelho o suficiente? Será que não escutei a droga do álbum 1989 da Taylor o suficiente?

Rael virou seus olhos em brasas para ela.

– Não fale mal da Swift.

– Não recuse um favor meu!

– Ah! – Rael gritou de exasperação.

– Ah! – Karina gritou de volta.

Os dois irmãos se encararam com respirações pesadas.

– Sabe, irmão – Karina começou com um tom de revolta. – Eu não acredito que você esta aqui me negando um favor. Logo eu! Que tive que suportar por mais de dez meses sua choradeira depois que o Rafa terminou com você!

A garganta de Rael se instalou. Ai. Falar de Rafa realmente ainda não era algo que o deixasse confortável. Apesar de toda a raiva que fingia sentir dele na escola, Rael ainda sentia algo por ele, não podia mentir para si mesmo. E suportar ele e Roberto felizes como um casal por toda a escola tinha sido não só doloroso – tinha sido agoniante.

Rafa nunca o perdoaria pelo que ele tinha feito a Henrique. E a cada vez que olhasse nos olhos dele, Rael sabia, ele o acusaria para todo sempre.

– Isso é baixo da sua parte – Rael murmurou. – Usar esse assunto.

Karina deu de ombros.

– Os bons jogadores sempre sabem quais são as melhores peças para usar – Karina fungou.

Rael fuzilou ela com os olhos e uma expressão de receio passou correndo pelo rosto dela.

– Ok, talvez eu tenha sido baixa mesmo – ela afagou o ombro do irmão. – Mas olha, eu gostaria de sair um pouco dessa droga de casa. Sabe como tem sido pra mim ficar as férias em casa? Horrível! Eu nem sei como você conseguiu dormir no ano novo!

Rael deu de ombros.

– Só os fortes entendem.

Karina bufou.

– Forte, sei – ela fez uma careta de desdém. – Eu não aguento mais ficar em casa. É só uma questão de tempo até as férias acabarem. E isso é uma droga. Tanto pra mim, quanto pra você.

Rael suspirou e olhou o quarto arrumado impecavelmente, passando os olhos pelos pôsteres de Katy Perry até Demi Lovato. Na maioria deles, os artistas sorriam de volta para ele, como se dissessem: Nós dançamos na grana e somos felizes, você é pobre e tem sentimentos. Hahahahaha!

Rael piscou por um momento e foi até a gaveta de cuecas pegar a chave do carro. Era um lugar seguro para guarda-las, uma vez que Karina já tinha jurado pelo Rio Estige que jamais mexeria em uma gaveta de cuecas.

– O que você vai fazer? – Karina perguntou assim que ele se voltou para ela na porta.

– Vá se arrumar – Rael disse enquanto chacoalhava o molho de chaves. – Eu vou te levar para sair, baby.

***

E eles acabaram na Forever 21, uma loja chique de roupas – para garotas. Karina saltitava com suas várias possibilidades de escolha de roupas para volta às aulas. Ela agarrou uma camiseta arregata lilás com os dizeres STOP TAKING SELFIES e Rael gemeu de pavor.

– Por favor – ele tirou o cabide da mão dela. – Se vai gastar seu dinheiro, ao menos gaste com algo que preste.

Karina cruzou os braços e o encarou.

– Ah, então o que você sugere sabichão? – ela questionou.

Rael umedeceu os lábios e deu uma olhada pela loja. Seus olhos então cravaram e um vestido azul-claro no alto de uma fileira de cabides de vestidos.

– O azul deixa sua pele com um bom tom – ele apontou para o vestido.

– Acha mesmo?

Rael assentiu.

– Vá experimentar.

Karina bateu palmas de alegria e correu para o vestido. Rael cruzou os braços e ficou olhando a irmã mais velha alegre. Por um segundo se perguntou por que ela não comprava um carro de uma vez, ao invés de ficar pedindo o dele.

Enquanto pensava nisso tocou a arara de camisetas arregatas com dizeres engraçados. NO PAIN, NO AGAIN. Ok. Talvez não tão engraçados, mas para Rael era cômico sim. Quando ela soltou uma risadinha ao pensar nisso, uma mulher gorda na arara mais perto o fuzilou com os olhos.

Rael a encarou até que ela desviasse, logo depois de fazer isso, escutou uma voz rouca:

– Cara, você perdeu alguma aposta?

Ele girou para encarar um garoto de cabelo escuro curto e olhos castanhos grandes. O garoto tinha um sorriso malicioso e olhava para as mãos de Rael cravadas nas roupas.

– Desculpa, como?

O garoto riu e olhou Rael atentamente.

– Perdeu alguma aposta? – ele perguntou de novo. – Porque essas roupas realmente não parecem ser o tipo que você usaria.

Rael franziu a testa para a arara de arregatas e deu de ombros.

– Eu usaria – ele confessou. – Depois de duas doses de gim com remédios.

O garoto riu.

– Você bebe gim?

Rael balançou a cabeça.

– Mas minha mãe bebe – ele comentou. – Acho que depois de umas duas doses ela já se transforma na Sra. Amargurada.

– Sra. Amargurada? – o garoto riu novamente.

– É – Rael assentiu. – Ela começa a falar bem lento e me chamar de imprestável.

O garoto deu um sorriso triste.

– Sinto muito por isso.

Rael revirou os olhos.

– Não sinta, ela xinga minha irmã mais velha de vadiazinha–igual-a-sua-mãe.

O garoto franziu a testa.

– Mas ela não é mãe dela?

Rael assentiu.

– É exatamente disso que eu estou falando.

Os dois desataram a rir.

– Eu só estou acompanhando minha irmã – Rael comentou. – Não tem nada que faça meu tipo aqui.

– Não? – o garoto ergueu uma sobrancelha para uma mulher mais velha cheia de brincos.

Rael bufou.

– Por Deus, eu estava falando das roupas.

O sorriso do garoto murchou e ele bateu na própria testa.

– Desculpa, eu só falo merda.

– Não se desculpe – Rael balançou a cabeça.

– Me desculpo sim – o garoto insistiu encarando Rael nos olhos.

Demorou dois segundos para Rael entender que o olhar que ele lançava parecia querer dizer algo. O garoto vestia uma camiseta polo azul escura e bermuda branca. Parecia ter um corpo bem definido e as pernas eram atléticas e um pouco peludas. Pelos lembravam Rafa, de alguma forma.

– Sabe como eu acho que posso te recompensar? – o garoto perguntou de repente.

– Como? – Rael questionou, pensando em várias coisas que se podiam fazer nos fundos de uma loja.

– Tem um bar aqui perto que serve gim – a voz do garoto ficou diferente na última palavra e isso de alguma forma fez com que Rael olhasse seus lábios. Eram lábios carnudos. Totalmente beijáveis.

– Quer ir? – o garoto continuou quando Rael não disse nada.

– Hum, eu gostaria – ele lançou um olhar pela loja feminina. – Mas eu estou acompanhando minha irmã, estou dirigindo para ela.

O garoto franziu a testa e pegou ele pelo ombro.

– Ah, ela não vai se importar – ele disse. – Ela sabe se virar sozinha, não sabe?

Rael não conseguia responder aquela pergunta. Tudo o que ele pensava era naquela mão forte daquele garoto, um dos dedos compridos tocando seu ombro.

– Não, não vai – Rael respondeu sem pensar.

O garoto sorriu e começou a se afastar da loja. Com um olhar meio culpado antes de sair da loja, Rael seguiu o garoto desconhecido.

***

Rita Castelliano olhou seu reflexo no espelho do banheiro enorme de sua casa. Ela parecia exatamente à mesma. Então por que... Se sentia diferente? Seus olhos verdes a fitaram de volta, confusos. Seu cabelo escuro caia ao redor do rosto e seguia até as costas, totalmente impecável. Muitas pessoas chamavam Rita de linda e ela agradecia por isso – só não sabia mais o que era ser isso.

Ela se sentia diferente e não sabia bem o motivo. Talvez fosse pelas férias chatas na praia e a louca vontade de não querer sair do hotel. Ou talvez fosse porque um amigo seu morreu. Lucas e ela tinham uma ligação a mais ou menos um ano e ainda era difícil para ela engolir o fato de que, no mesmo dia em que o conheceu, ele morreu.

Rita queria se sentir de luto, só não conseguia. A dor não vinha. O torpor não chegava e as lágrimas então... Nem sinal delas. Ela sentia muito pela morte dele, não sentia?

– Rita você viu meu tênis! – o guincho de Marco no primeiro andar fez com que ela suspirasse.

– O tênis é de quem?! – ela gritou de volta, abrindo a porta do banheiro de seu quarto e se dirigindo até o corredor. Logo abaixo da sacada, Marco revirava os objetos da sala, usando apenas um par de tênis.

– Não seja tão pussy! – ele grunhiu. – Eu estou te fazendo uma pergunta.

– E eu estou respondendo – Rita revirou os olhos enquanto descia a escada.

Marco girou para encara-la, os olhos ardendo com o que podia ser considerada raiva. Rita olhou o atentamente. Marco também era bonito, não era? Quer dizer, várias garotas da antiga escola deles suspiravam quando ele passava. E muitos garotos também. Rita tinha perdido a conta de quantas amigas perdeu para os galanteadores olhos castanhos do irmão mais novo.

De certa forma ele era uma pedra no caminho dela, uma pedra bonita.

– Vai ficar aí me encarando desse jeito sonso ou vai me ajudar a achar meu tênis? – ele colocou as mãos na cintura.

Rita deu de ombros e se espreguiçou no meio do sofá em U da sala de estar.

– Eu não vou repetir – ela roeu uma unha perfeita. – Não é minha culpa que você perde tudo que esta a dois centímetros de você.

Marco balançou a cabeça.

– Isso é tão não verdade!

– Não é? – ela o encarou. – Onde esta o seu celular?

Marco estava prestes a responder enquanto tateava os bolsos da calça, mas então seus olhos aumentaram de tamanho e ele a encarou com pavor. Rita riu.

– É disso que eu estou falando!

A campainha tocou, fazendo os dois olharem um para o outro com testas franzidas.

– Quem será? – Marco perguntou.

– Talvez seja seu tênis – Rita brincou se levantando para atender.

– Palhaça – Marco respondeu atirando uma almofada, mas Rita acelerou o passo para desviar.

Chegando ao hall de entrada, Rita avistou uma silhueta escura e encorpada. Era uma mulher. Quando ela abriu a porta, viu que ela parecia mais jovem com um cabelo escuro azulado e olhos frios. Usava uma camiseta branca, um blazer azul escuro por cima e calça jeans índigo. Tinha um colar que parecia pesado escondido por dentro da camiseta.

– Boa tarde – a mulher com cara de jovem ergueu uma sobrancelha rude para ela. – Seus pais se encontram?

– Não – Rita respondeu com cautela. – Quem quer saber?

A mulher apertou os olhos para ela, puxando a corrente pelo pescoço e revelando o que não parecia ser um colar – e sim um distintivo. Gabriella, ele indicava.

– A policia quer saber – ela grunhiu.

Rita respirou fundo e olhou por sobre o ombro dela. Uma viatura estava estacionada na frente dos portões abertos. Quando foi que Rita tinha aberto os portões? Disso ela não se lembrava.

– A policia? – ela se recostou no batente.

– Senhorita – o tom de Gabriella ficou mais impaciente. – Onde seus responsáveis se encontram?

– Eles voltam hoje, mais tarde – Rita pigarreou.

– Mais tarde quando? – Gabriella pressionou.

– Eu não sei – Rita respondeu secamente. – Eles não especificaram.

Gabriella cruzou os braços.

– Bom, deviam – ela lançou um olhar pelo ombro de Rita. – Tem mais alguém com você?

– Meu irmão mais novo.

Gabriella assentiu.

– Será que posso ter uma palavrinha com vocês dois?

Rita balançou a cabeça.

– Não pode interrogar menores sem a presença de um adulto.

Os olhos de Gabriella se arregalaram e ela sorriu.

– Não se preocupe, fofa – ela passou por Rita, trombando seu ombro magro. – Não vou interrogar ninguém.

Gabriella adentrou o interior da casa com passos cuidados enquanto Rita a acompanhava.

– Marco – Rita gritou para a mansão. – Temos visitas.

– Mas eu ainda não encontrei meu tênis! – a voz dele veio mais de perto do que ela esperava e logo seu cabelo castanho escovinha ficou visível vindo pela cozinha.

Quando ele parou na solteira e levantou a cabeça, seu olhar se fixou em Gabriella.

– Uou – ele soltou.

Gabriella o encarou com a testa franzida, parecendo em parte impaciente e em parte admirada pela coragem dele de encarar uma policial desse jeito.

– Marco – Rita sibilou.

– O que foi? – ele grunhiu, não desviando o olhar.

Mas Gabriella não ligou para nenhum dos dois.

– Eu me chamo Gabriella Dias – ela o mediu com o olhar. – Sou investigadora no Departamento de Policia de Vallywood.

– Investigadora? – Rita questionou, se virando para ela. – Investigadora do que?

– Na maioria das vezes, desaparecimentos – Gabriella a olhou de volta fixamente. – Mas também investigo assassinatos.

A última palavra crepitou na mente de Rita e logo a imagem de Lucas sorrindo e a abraçando encheu sua mente. De repente, ela conseguia sentir tudo. A dor. O torpor. E o medo.

– Assassinatos? – Marco murmurou.

– Desaparecimentos? – Rita grunhiu para o irmão. – Quem está desaparecido?

Gabriella a encarou com um misto de ceticismo e desconfiança – tudo isso com um sorriso estampado no rosto.

– Ora, você não viu? – ela questionou. – Estou investigando o desaparecimento de Lucas Henrique. E suspeito veemente que ele possa estar morto.

***

Rafa e sua família começaram a adentrar o estacionamento, sorrindo de orelha a orelha enquanto carregavam potes de sorvetes para comerem mais tarde. Menos Rafa. Seus olhos não conseguiam deixar de enxergar o capuz preto que tinha se esgueirado sobre o Sedan mais cedo. Ele não conseguiu ver o rosto, só tinha visto a silhueta.

A silhueta de algo muito ruim.

Todos os seus pensamentos começaram a voltar para Setembro. Seria um Vampiro? Seria algum Wendigo? Um Demônio? E com um pensamento ainda mais horroroso: Seria Carolina? Ele pensou na mulher mais velha de cabelo escuro e sorriso frio vestindo um capuz preto e sacando uma arma, apontando ela para a cabeça de um dos familiares dele.

Rafa começou a girar em seu corpo, olhando para todos os lados com pavor.

– Não começa com isso de novo, por favor – Rogério grunhiu. – Sério, Rafa, você esta realmente me apavorando com esse seu olhar. O que esta acontecendo, irmão?

Mas Rafa mal registrou a pergunta do irmão mais novo, parecia que ele estava falando através de algum vidro. Seus olhos continuaram procurando. Quais eram as chances de Carolina ir atrás dele? Ela iria logo atrás dele? Fazia sentido. Ele era humano, o mais desprotegido de todos.

Mas com um pensamento rápido Rafa também se lembrou que não era nada humano. Sua mão formigou e ele a encarou respirando fortemente. Ele não era humano. Ele podia se defender, não podia? Porém fazia tanto tempo que tudo com o Pack tinha acontecido... Será que ele ainda podia fazer as coisas que podia?

– Rafa, ouviu o que eu disse? – a voz do pai o voltou a vida.

– Uhm, desculpe, não ouvi?

– Eu perguntei se você precisa fazer algo aqui.

Rafa encarou o pai.

– Como assim?

– Bom, você esta olhando para todo o lado a cada instante – ele comentou o mais velho. – Achei que precisasse resolver algum assuntou pendente?

Rafa piscou, sem ter como responder. Seu pai era bastante compreensivo. Ou louco.

– É algo a ver com algum namorado?

– Na verdade, é sim – ele pigarreou em resposta. – Se importa de irem pra casa antes de mim? Eu pego um ônibus ou algo assim.

– Ok, filho – o pai o pegou pelo ombro. – Resolva o que tem que resolver e depois nos vemos em casa.

– Ok – Rafa o abraçou.

E então a família entrou no carro e partiu, não antes que Rafa notasse o olhar curioso de Rogério no banco de trás.

Rafa aproveitou isso para lançar um olhar pela praça ali perto da sorveteria. Será que tinha alguma pista do capuz preto? Será que ele ainda o estava seguindo?

Quando Rafa olhou instintivamente para trás, ouviu um guincho:

– Socorro! Pode me ajudar, por favor, socorro!

Rafa procurou com os olhos a voz lamentada do homem e avistou um garoto com a mesma idade que a dele meio que mancando no meio da rua. Ele cutucou uma mulher que passava, mas ela simplesmente continuou andando.

– Por favor! – o garoto chorou. – Me escutem! Ela esta me seguindo! Ela esta me seguindo desde ontem à noite! Ela quer me matar! Por favor, me digam que podem me ouvir!

Rafa ficou apenas encarando enquanto notava que ninguém prestava atenção nele. Sua voz chegava a uma oitava e era impossível ninguém escutar. Então por que todos o estavam ignorando?

A resposta da pergunta de Rafa veio com um bater de asas escuras que pousou ao lado do garoto na praça.

– É, Mário Kart – a loira de asas fingiu examinar as unhas enormes – ok, eram garras – enquanto falava. – Parece que você ainda não entendeu a definição de bloqueio.

Por incrível que pareça, o tal Mário não parecia espantado, talvez apenas cansado.

– Vá se foder! – ele grunhiu para ela e cutucou uma velhinha. – Moça, por favor, diga que pode me ouvir!

Mas mesmo com ele tocando seu rosto, ela passou batido por ele.

– Eles não podem te ouvir ou te ver – a loira de olhos verdes deu uma risadinha. – Muito menos sentir. Desista, logo, Angry Birdy.

– Eu não ligo – Mário fungou. – E não acredito em você. Sempre tem alguém que é sensível a anjos... Tem que ter um.

– Você deveria desistir – a loira bocejou. – Essa cidadezinha é um porre! Sabia que não tem nem mesmo uma Starbucks? Que lixo de lugar!

Mas Mário a ignorou e continuou andando para longe dela. Rafa ficou observando enquanto a loira batia uma das asas, fazendo com que ele se espatifasse no chão.

– Você não é nada – ela sorriu enquanto pisava nas costas dele. – Seu criador fez isso com você. Suas regras fizeram isso com você. Você fez isso consigo mesmo.

Mário continuou se debatendo no chão, se recusando a ceder.

– Desista – ela sussurrou. – Venha para nós, Mário, se renda.

Mário bufou.

– Só porque você quer! – ele grunhiu de volta. – Não sou fraco como você, Sabrina! Eu não procuro uma solução pelo caminho mais fácil! Não sou uma maldita água como você.

A tal de Sabrina parecia estar longe de estar ofendida enquanto pisava na perna de Mário. O grito dele encheu o parque.

– Grite o quanto quiser – ela sorriu melancolicamente. – Ninguém aqui pode te ouvir.

Rafa então deu dois passos para frente.

– Eu posso – ele respondeu em alto e bom som.

Parecia que alguém tinha acertado uma flecha na ponta do pé de Sabrina, porque quando Rafa falou, seus olhos se arregalaram e ela se afastou de Mário com um bater de asas assustado – parecia definitivamente um passarinho assustado.

– O que foi isso? – Sabrina farejou o ar. – É algum truque seu, Kart?

– Não tem truque algum – Rafa falou novamente, andando mais na direção deles, com medo de que alguém que pudesse vê-lo o achasse louco. Mas as pessoas passavam por ele sem olha-lo, nem um pouco alheios a revelação ali. – Eu estou aqui.

Sabrina apertou os olhos verdes na direção de Rafa. Mário levantou a cabeça do chão e sorriu um pouco confuso.

– O que é você? – ele questionou em um misto de pavor e alegria.

Rafa deu de ombros.

– Acredite – ele bufou. – Estou tentando descobrir a quatro meses.

Sabrina então bateu as asas.

– Deveria ter descoberto antes, garoto – ela começou a flutuar. – Porque agora você não mais viver para descobrir.

Sabrina veio com as garras enormes na direção dele e Rafa ergueu as duas mãos em defesa. Sabrina foi com tudo para trás, caindo estatelada no chão ao lado de Mário. Quando conseguiu se levantar, seus olhos pareciam apavorados ao encarar Rafa.

Mário também o olhava do mesmo jeito.

– Você... – Sabrina sussurrou. – Essa força... Eu sei quem é você.

Rafa apenas a encarou de cima.

– Sabe é?

– Capoci – ela sibilou e os pelos da nuca de Rafa se arrepiaram. – Rafael Capoci.

Rafa engoliu em seco ao ouvir seu próprio nome sair da boca dela. A sensação de medo foi tanta que quando Sabrina se levantou novamente, ele foi lento demais para deter seu ataque. Em segundos, Sabrina estava acima dele, as asas batendo em seu ouvido e as garras enormes machucando seu pescoço.

– Vai ser um prazer te matar – ela sorriu ao dizer na cara dele.

– Digo o mesmo, vadia.

Antes que Rafa pudesse detectar a origem dessa outra voz, uma bola de fogo acertou o rosto de Sabrina e ela voou até o chão de novo, dessa vez mais distante de Kart.

Rafa arfou enquanto se lembrava da origem da voz. Quando se virou, encontrou três silhuetas familiares.

– Eu não acredito nisso – ele mal sussurrou.

– Saudações, viado – Andressa jogou o cabelo por sobre o ombro. – Sentiu minha falta?

– Você a conhecia?! – Carla questionava, batendo o punho na mesa de Anna.

Layane correu para pegar um livro pesado de cor verde antes que este por sua vez encontrasse seu caminho ao chão. Anna apenas suspirou enquanto girava em sua cadeira para encarar Carla do outro lado da mesa.

– Pode parar de bater na mesa? – ela grunhiu. – Você é uma licantropa sobrenatural, caso não saiba! E essa mesa é de uma madeira nada sobrenatural!

Carla bufou.

– Como pode esconder de todos que você e a Chefa dos Atiradores já foram namoradas?! Do seu próprio Pack de Atiradores!

Anna deu uma risada sem graça.

– Claro, como se ter uma ex-namorada sociopata com um Clã de Atiradores fosse dar algum crédito no meu currículo! Eu não podia contar, não ia adiantar de nada!

– Claro que ia! – Carla guinchou. – Vocês já forma intimas! Vocês namoravam e...

– Não namorávamos – Anna balançou a cabeça. – Era segredo, ninguém podia saber, então não era namoro – ela acrescentou com um olhar para Layane, que olhou para o outro lado, revoltada.

– Eu não acredito nisso – Carla balançava a cabeça. – Você conhecia a mulher que me sequestrou para trabalhar para Bruxas possuídas. Como pode?

– Na época ela não pensava em segurar uma arma, acredite em mim.

– Mesmo? – Carla questionou. – E a quantos séculos foi isso?

Anna abriu a boca para responder, mas então apertou os olhos.

– Está me chamando de velha?! – ela bateu com força na mesa. – E eu não devo nenhum detalhe da minha antiga vida amorosa a você, ouviu garotinha!

– Claro que deve! Sua ex-namorada tentou matar a mim, ao seu Pack e ainda matou o melhor amigo do Rafael. Me diz onde isso não me dá direito para fazer perguntas?

Layane se remexeu no canto da sala.

– Se me permite dizer algo – ela começou. – Foi o clã de Atiradores dela que matou Lucas.

– Não vem com essa! Ela é culpada de qualquer forma!

– É, Lay, pare de defender a vadia – Anna se espreguiçou na cadeira. – Se um deles não o fizesse, ela o faria sem piscar, assim como faria com o Rafa. Ele teve sorte de termos chegado antes.

Layane bufou irritada.

– Nós duas sabemos que ela jamais mataria o Rafa!

– Layane! – Anna gritou exasperada, lançando um olhar para Carla.

– O que foi? – Carla questionou. – O que ela quis dizer com isso? Por que ela não mataria o Rafa?

– Isso não vem ao caso – Anna retrucou secamente.

– Não me vem com essa...

– Chega dessa assunto, Carla Gonstovi – a voz de Anna aumentou. – Já fez descobertas demais por um dia só!

Carla cruzou os braços.

– Quando planejavam dizer isso ao Eduardo e aos outros?

Anna trocou um olhar demorado com Layane.

– Não planejavam contar nada?! – ela guinchou. – Eles precisam saber! Se eles fizerem uma ligação com Carolina e você, talvez ajude...

– Não vai ajudar em nada – Layane cortou o ar com sua voz. – Carolina esta bem escondida em algum lugar. Já faz quatro meses que estamos buscando e nada dela. Não tem nada que possa nos ajudar a fazê-la aparecer no momento.

– Nada? – Carla repetiu. – Nada mesmo?

Anna balançou a cabeça.

– A vadia é esperta em apagar os próprios rastros – ela murmurou. – Quando fugimos da nossa antiga facção de caçadores, ela que fez todo o trabalho para queimar nossos dados. É graças a ela que eles não me seguiram. Ela deve ter feito o mesmo de novo.

– E qual a chance de ela ser encontrada?

– Zero.

– Isso não é possível – Carla bufou.

– Por isso mandamos Eduardo e os outros em uma missão – Layane desabafou. – Estamos dando missões atrás de missões para que eles esqueçam Carolina de vez.

Carla balançou a cabeça.

– Sabe que não pode esconder isso deles para sempre, não sabe?

Anna apenas a olhou de volta.

– Meu Pack de caçadores – ela falou em alto e bom som. – Eu decido quando contar algo a eles.

– Você quer dizer esconder.

– Cuidado com essa língua, Srta. Gonstovi – Anna se levantou. – Eu te aceitei de bom grado mesmo depois de descobrir sua aliança com os Atiradores.

– Eu estava sendo manipulada!

– Não me interessa – Anna ajeitou os óculos. – A maioria deles estavam e morreram, então pense na sua sorte por estar aqui viva.

Carla se calou brevemente, até que algo ocorreu.

– Para onde mandou Eduardo e os outros?

Layane sorriu docemente e Anna revirou os olhos.

– Para um lugar que eu sabia que eles adoraria voltar, apesar de não entender bem os motivos dos três – ela olhou pela janela. – Mandei eles para Vallywood.

– Eu não acredito que temos que andar mais! – Camila Alves reclamava logo atrás. – Quanto tempo mais essa vadia consegue andar?

Vick Melo deu de ombros enquanto elas observavam as costas de Taffara Kauane se afastar com Camilla Polli. Elas agora viravam uma esquina de loja de bolos, conversando sobre algo interessante – ou pelo menos era o que parecia ser, já que Taffara não parava de gesticular com as mãos.

– Onde acha que elas estão indo? – Camila perguntou.

– Eu não sei – Vick respondeu. – Ainda não sei, digo. Elas não podem estar andando pela cidade inteira por nada, não é?

Camila Alves suspirou.

– Precisamos mesmo fazer isso? – ela questionou. – Eu estou tão cansada e pressinto que não vamos gostar de descobrir o que essa vadia anda tramando.

– De qualquer forma ela esta armando algo – Vick propôs. – E eu quero descobrir.

Por um segundo Vick achou que a amiga fosse dizer “então descubra sozinha”, mas Camila Alves continuou fielmente atrás dela, olhando as duas garotas juntas.

– Surpreendentemente, eu também.

Elas continuaram andando calmamente, até que de repente as duas pararam de andar. Camila pegou seu celular e olhou a tela por alguns segundos, sua expressão um pouco confusa enquanto falava. Taffara sacudiu a mão, parecendo um pouco brava, mas então riu alto. A risada trouxe arrepios que foram até a nuca de Vick.

– Eu queria ouvir o que elas dizem.

– Se chegarmos perto, elas vão nos ver.

De repente, algo ocorreu a Vick.

– E daí – ela começou a relaxar o corpo. – Essa cidade não é delas, eu posso andar por onde eu quiser.

Camila Alves a encarou por alguns segundos, sem saber o que dizer exatamente.

– Você tem toda razão.

Sorrindo, Vick pegou Camila pelo braço e as duas começaram a andar na direção delas. Não demorou muito para Camila erguer os olhos e avistar as duas. Ela primeiro arregalou os olhos, depois sua boca fez um O. E então cutucou Taffara, que girou nos calcanhares para olhar. Sua expressão no começo parecia ser furiosa, mas depois ela sorriu de um jeito curioso. Disse algo rapidamente para Camila Polli e esta por sua vez começou a andar sem ela.

Vick sentiu um aperto ao ver a garota que chamava de amiga correr delas.

– Segue ela – ela sibilou para Camila Alves.

A amiga fez o que ela pediu, mas quando ela estava passando por uma Taffara parada na calçada, esta a pegou pelo braço.

– Onde você pensa que você vai?

Camila Alves olhou para a mão dela em seu braço.

– Larga ela ou nenhuma de nós vai para lugar nenhum – Vick ameaçou ficando de frente para Taffara.

Depois do que pareceu milésimos, Taffara soltou a garota e deixou ela andando. Quando se virou para Vick, seu sorriso era estonteante.

– Me seguindo, Vick Melo? – ela riu. – Achei que você fosse melhor que isso.

– Você é exemplo para falar, Taff? – a outra retrucou. – Parece que é você que vem roubando amigas das outras.

Taffara balançou a cabeça.

– Eu não sou de obrigar ninguém a nada.

– Sei – Vick riu. – Que nem quando você espalhou fotos do Roberto com o Rafa para os pais dele? Quanta classe.

Taffara sorriu mais ainda.

– Tem que admitir, aquilo foi genial.

Vick estava prestes a erguer a mão para bater nela, mas ficou surpresa quando Taffara segurou seu pulso antes.

– Nem pense nisso – ela murmurou.

– O que você quer, Taffara?

A outra franziu o cenho.

– Eu é que pergunto! Você estava me seguindo.

– Porque você esta roubando uma amiga minha de mim – Vick grunhiu. – O que esta armando agora?

Dessa vez, Taffara não negou.

– Não é da sua conta.

– Com certeza é – Vick soltou seu pulso e passou por ela.

– Espera! – Taffara a pegou pelo braço de novo. – Não quer pensar duas vezes antes de dar uma de Indiana Jones por ai?

– Como é?

– Pensa bem. Eu sei de coisas que acabariam com você.

Vick se arrepiou.

– Está falando do Henrique?

Taffara sorriu.

– Também.

– O que poderia haver de mais?

– Não sabe ainda? – Taffara riu alto dessa vez. – Não ficou sabendo de outro desaparecido? É estranho você não saber, foi você mesmo que espalhou os cartazes ainda.

Vick congelou.

– Lucas não está morto – ela disse de pronto.

– Claro que não – Taffara riu. – Está tão vivo quanto o Henrique, não acha?

Dessa vez foi demais e Vick tentou outro tapa. Para a surpresa dela, Taffara deixou. Mas só para dar outro de volta no rosto dela com mais força ainda. As duas se olharam, tocando seus rostos quentes.

– Não fale do Lucas!

– Não fale do Henrique!

– Vick! – Camila Alves voltou, pegando a amiga pelo braço.

– O que foi?

– Vamos embora!

– Por quê? – Vick parou a amiga.

– Só confia em mim – Camila Alves avisou com um olhar. – É melhor irmos.

Era o tipo de olhar que ela dava quando queria conversar com ela a sós. Vick deu uma ultima olhada para Taffara.

– Eu vou descobrir o que você esta tramando dessa vez – ela ameaçou a Queen Bee.

– Boa sorte – Taffara cruzou os braços. – E é bom que descubra antes que eu acabe com você.

– Vamos – Camila a arrastou.

E Vick seguiu a amiga, sentindo seus olhos ardendo. Não pelo tapa. Nem pela raiva. Mas pelo que Taffara tinha ousado dizer sobre Lucas.

Andressa sacou sua agulha gigante, apontando o objeto prateado na direção de Sabrina, que batia as asas e sibilava para eles. Parecia uma Harpia, mas também parecia um demônio com aquele rosto retorcido.

Rafa avaliou Andressa. Parecia a mesma. O cabelo preto comprido liso. O corpo equivalente a de uma garota que fazia academia. E o jeito como andava, parecendo uma felina.

Ele também olhou para Eduardo, que agora tinha menos barba e um pouco mais de músculos. O cabelo escuro também parecia cortado rente e vestia a mesma jaqueta preta de sempre – mas é claro.

– Como me acharam? – Rafa se ouviu perguntar.

– Como você nos achou, caubói? Essa é a pergunta que se deve fazer – disse Fernando ao seu lado. Rafa se virou para ele e o mediu com os olhos. O cabelo loiro claro ainda era perfeito e liso. Tinha um pouco mais de barba, mas nem tanto para Rafa notar. Ainda era meio esguio meio musculoso como lembrava. E os olhos – ah, aqueles olhos – ainda eram mistos.

– Eu só estava tentando ajuda-lo – Rafa apontou para Mário caído no chão ao lado deles. – Ele estava gritando, mas ninguém o ouvia.

– Gritando? – Fernando questionou.

– Foi Sabrina – Eduardo disse, olhando para a demônia. – Ela deve ter usado alguma coisa para esconder a presença dele... E da dela.

– O que ela quer com ele? – Rafa questionou.

– Não é obvio? – Andressa grunhiu. – Ele é um anjo, ela é um demônio. Um mais um é dois, não sabe contar?

Rafa revirou os olhos, acostumado com a ironia dela, mas então registrou as palavras dela.

Anjo? – ele olhou Mário. – Você é um anjo?

Mário deu de ombros, com o rosto retorcido de dor.

– O que mais existe nesse mundo?

– Várias coisas – Fernando comentou, olhando para frente. – Mas no momento, tem ela! E ela via te matar se não mata-la primeira!

Como se invocada, Sabrina bateu as asas, soltando uma rajada de vento poderosa. Eduardo riu loucamente e olhou ela com curiosidade.

– Interessante – ele deu um passo para frente. – Mas eu sei fazer isso também.

Sabrina foi para trás com a rajada dele.

– E eu sei fazer mais – Eduardo sorriu.

Logo uma bola de fogo acertou a asa esquerda dela e Sabrina guinchou de dor.

– Não deviam se meter no meu caminho, Caçadores – ela arfou. – Eu vou matar todos vocês! – os olhos dela assumiram um preto inteiro, em toda a pupila.

Ela voou na direção deles e Andressa saltou na mesma hora, perfurando a asa direita dela com a agulha gigante. Sabrina tentou pegar ela com uma de suas garras, mas Andressa foi mais rápida ao se jogar nas costas dela e começar a socar sua nuca. Sabrina começou a bater as asas em total confusão.

– Desiste! – Fernando gritou. – Você esta sozinha!

Porém, justo quando ele disse isso, Sabrina ergueu a cabeça, tirou os dois pés do chão e começou a girar no ar. Não demorou muito para Rafa ver o borrão que era Andressa cair com tudo no chão.

Eduardo tentou ir ao socorro dela, mas Sabrina o pegou pela nuca, as garras perfurando seu pescoço. Fernando sacou o que parecia ser um nunchaku, mas esse quando ele o girou queimou nas pontas.

– Uau – Rafa se ouviu dizer e escutou uma leve risada abafada de Fernando.

Ele se jogou contra a criatura e Sabrina tentou deter o avanço de Fernando com sua asa. Fernando bateu contra a forma metálica da asa, mas nada demais aconteceu. Rafa se jogou para frente, mas sentiu uma mão deter sua perna.

– Não – Mário avisou. – Não se meta, ela vai te matar também.

Rafa franziu a testa.

– Do que esta falando? – ele perguntou olhando Sabrina totalmente distraída.

Mas então Mário apontou com a cabeça para algo atrás de uma Andressa desacordada. Ali. Logo atrás dela. Dois metros de distancia. Um capuz preto se aproximava com uma arma apontada na direção dela.

Sem pensar duas vezes Rafa ergueu a mão e um tiro soou no ar. Ele observou a bala cair no chão e o capuz preto encarar Rafa. Ele mirou nele também, mas as balas mão chegaram nele ou em Andressa.

Atraídos pela cena, Eduardo e Fernando ficaram distraídos e Sabrina se livrou dos dois com um giro. Em menos de segundos ela voou para ficar do lado do capuz preto. Rafa ficou olhando enquanto a pessoa no capuz se debatia com raiva, a arma perigosa nas mãos.

E então ela tirou o capuz.

– Carolina! –Fernando guinchou.

A mulher de cabelo escuro sorriu maldosamente para eles, mirando em suas direções.

– Caçadores – ela sorriu. – Parece que me acharam.

Eduardo deu um passo para frente, mas foi tarde demais quando um segundo capuz preto apareceu ao lado das duas e jogou no chão o que pareciam ser duas bolas roxas.

E então, no meio da fumaça, os três desapareceram.

– Quão próxima você era do Sr. Lucas Henrique? – Gabriella questionou se debruçando na cadeira que Rita havia pegado para ela.

Rita tocou uma das mechas cacheadas de seu cabelo escuro, um pouco nervosa.

– Nós trocávamos mensagens todos os dias – ela respondeu. – Éramos amigos de internet. Conheci ele em um fórum online e curti o comentário dele. Logo depois ele me mandou uma solicitação de amizade e me perguntou por que eu tinha curtido o comentário dele. Eu expliquei que defendia a tese dele e logo estávamos tendo um debate acalorado.

– Hum, interessante – Gabriella cruzou as pernas.

Marco a encarou.

– Interessante? – ele repetiu. – Eles se conheceram um fórum online – ele recitou com nojo. – Se tem algo que não é interessante, é isso dai!

Gabriella revirou os olhos.

– Então vocês dois nunca se viram, na verdade? – ela questionou.

Rita fez o que pode para colocar um olhar de paisagem em seu rosto enquanto balançava a cabeça negativamente.

– Não – ela respondeu. – Marcamos de nos ver milhares de vezes, mas nenhuma funcionou.

– Exatamente por quê? – Gabriella questionou.

Rita deu de ombros.

– Ele nunca me explicou direito, mas eu desconfiava que tinha alguma outra garota.

– Sempre tem uma! – Marco riu.

Gabriella perdeu a paciência.

– Isso é uma investigação, séria, Sr. Castelliano – ela sibilou. – Percebe o quão grave é te ver fazer piadas sobre um amigo que pode estar até mesmo morto?

O rosto de Marco murchou e Gabriella pareceu um pouco satisfeita. Rita olhou ele de lado e soube que não era o que parecia. Marco tinha visto Lucas morrer, todos tinham.

– O que te faz ter tanta certeza que ele não esta vivo? – o tom de Rita era carregado de dor e ela gostou disso. Talvez com um pouco mais de dor ela pudesse convencer a policial da mentira.

– Bom, quatro meses é um bom tempo – Gabriella começou. – E pelo que me informei com os pais e amigos dele, não era do feito de Lucas sumir assim, sem dar explicações.

Marco fungou.

– Algumas pessoas não são o que aparentam ser – ele comentou.

Gabriella o encarou com evidente curiosidade.

– O que isso deveria significar?

– Não ligue para ele – Rita fez um gesto com a mão. – Fala sem pensar, às vezes.

Gabriella ergueu as sobrancelhas, mas então deu de ombros e se inclinou para frente novamente.

– E quanto a este garoto – ela sacou uma foto e a escorregou pela mesa de centro. Era a foto de um garoto de cabelo escuro bem familiar para Rita. – Reconhece ele?

Rita franziu a testa e balançou a cabeça. Marco seguiu seu exemplo pela primeira vez. Talvez fosse porque ambos sabiam muito bem quem aquele moreno era.

– Seu nome é Rafael Capoci – Gabriella anunciou. – O nome diz algo a vocês?

Rita pensou em hesitar, mas arriscou um pouco.

– Acho que Lucas o mencionou em alguma conversa – ela disse. – Ele é um amigo dele, certo?

– Melhor amigo – Gabriella corrigiu. – Quando comecei a trabalhar no caso do suposto desaparecimento de Rafael Capoci, eu mesma vi os dois andando juntos muitas vezes.

– Suposto desaparecimento? – Marco questionou.

– Oh, Rafael sumiu em uma sexta-feira de Setembro – ela respondeu bem rápido. – Mas foi só por alguns dias. Não era nada que eu devesse me preocupar, ele estava bem.

Rita não queria dizer o que ia dizer, mas disse mesmo assim.

– Então porque continuou vigiando ele depois que ele voltou?

Surpresa brilhou nos olhos de Gabriella e um sorriso se ergueu no canto do lábio.

– Porque inconvenientemente, Srta. Castelliano, um turista foi morto logo no dia em que Rafa Capoci voltou muito bem – ela sorriu mais ainda. – Deveria saber disso uma vez que parece tão informada.

– O que quer dizer com isso?

– Eu nunca disse que estava vigiando o Sr. Capoci, apenas disse que os vi juntos.

– Pra mim soa espionagem do mesmo jeito – Marco comentou e Gabriella revirou os olhos para ele.

– Mesmo, Sr. Castelliano? – ela questionou.

– Mesmo, Srta. Dias – ele provocou imitando o tom de voz dela.

Um começo de um sorriso surgiu no rosto de Gabriella e Rita franziu a testa ao olhar para Marco. Ele estava dando aquele sorriso para ela.

– De qualquer forma – Rita chamou a atenção dela. – Já conseguiu tudo o que queria, Srta. Dias?

Gabriella se levantou e assentiu.

– Bom, pelo menos de vocês, sim – ela fungou. – Mas Srta. Castelliano me responda uma ultima pergunta, você nunca se encontrou com esse Rafael Capoci pessoalmente?

Rita balançou a cabeça na hora, fazendo cara de desdém.

– Nunca vi ele na minha vida.

Gabriella a olhou com cuidado e não parecia acreditar em uma palavra sequer.

– Tudo bem, isso é só – ela sorriu de leve. – Mas se caso tiverem noticias de algo que possa ajudar na investigação, liguem, por favor?

– Claro – Rita sorriu, se levantando para apertar a mão dela.

Gabriella se virou para o hall, já procurando a saída sozinha.

Na hora em que ela fez isso, Rita se virou com tudo para Marco.

– Vai atrás dela! – sibilou.

– O que? – ele apontou para o próprio peito. – Por quê?

– Ela esta desconfiada – Rita grunhiu.

– E o quer que eu faça?

– E não sei – ela deu de ombros. – Ela só não pode saber que já vimos Rafa, apenas isso!

Marco jogou os braços no alto de um jeito revoltado.

– Tá legal! – ele começou a andar. – Mas você vai arrumar meu quarto por um mês!

Rita revirou os olhos, mas logo assim que ele saiu, ela pegou o celular e discou um numero.

– Rafa, sou eu – ela começou. – Tem algo que você precisa saber...

– Me diz que você não bateu nela de novo – Camila Alves disse enquanto elas se sentavam em frente à varanda da casa de Vick.

Vick suspirou.

– Bati sim, mas ela também.

Camila levou à mão a boca.

– Ah, vai me dizer que você não bateu na outra Camila também?

Camila Alves assentiu.

– Bati mesmo – ela fungou. – Dois anos de amizades e a vaca me dispensa... Nos dispensa pela Taffara Kauane, é mole?

– Ela deve ter algo contra ela – Vick murmurou. – Algo bem grande.

– Não duvido – Camila assentiu. – Acha que ela é do jeito que é por que o Rafa expulsou o Henrique da cidade?

Vick hesitou.

– Claro que não – ela bufou. – Se não fosse por isso ela teria arrumado outro motivo para ser do jeito que é, acredite em mim.

Camila assentiu, concordando mentalmente com Vick provavelmente. Era uma droga que Vick tivesse que mentir para ela, mas também era preciso. Agora que Taffara sabia da grande verdade – que Henrique estava morto e não desaparecido como todo mundo pensava, ela provavelmente estava armando algo grande. Não só para Rafa, mas para ela também. Ela podia sentir.

Pensando nisso, Vick não deixou de pensar no que ela disse sobre Lucas. Comparando o “desaparecimento” dos dois. Mas não tinha nada a ver com nada, tinha? Lucas estava vivo. Estava por aí, tinha que estar não é? Não era do feito dele sumir, mas ele deve ter seus motivos, não deve? Ele não podia estar...

Vick passou a mão no rosto, sentindo sua testa totalmente franzida. Camila não deixou de perceber isso.

– O que te preocupa?

Vick balançou a cabeça.

– Teve um motivo para eu bater em Taffara – ela disse. – Ela falou do Lucas.

– O que? O que ela disse?

– Algo sobre a possibilidade de ele não estar desaparecido – Vick engoliu em seco. – E estar talvez de outro jeito.

– Espera? Ela quis dizer morto? – Camila respirou fundo. – Não acredito que aquela vaca teve coragem de falar uma coisa dessas!

– É – Vick desabafou. – Nem eu.

– Não se preocupa, amiga – Camila afagou seu ombro. – Lucas está bem, nós vamos encontra-lo.

– Sim – Vick afagou a mão da amiga. – Nós vamos sim.

E dizendo essas palavras, ela não sabia a quem estava tentando convencer. Camila ou a ela mesma.

– Ela namorou a Carolina? – Érika guinchou.

– Silêncio! – Carla tomou as mãos da loira e as colocou na frente da boca. – Por favor, amor, ninguém pode ouvir isso.

– Desculpa – Érika mordeu o lábio inferior. – Mas é que eu não consegui evitar... Carla, isso é uma bomba.

– Uma nuclear – Carla concordou. – Mas ninguém pode saber que eu te contei. Anna só faltou usar as mãos para me ameaçar lá dentro. Mas é isso mesmo, ela e a Carolina já foram namoradas.

– Quanto tempo faz isso?

– Não sei exatamente, mas faz bastante. Desde que elas fugiram de um lugar onde elas treinavam para serem caçadoras.

– Gente – Érika riu histericamente. – Quem diria que a Vadia da Carolina também... Gente – ela riu de novo. – Eu queria poder gritar isso para o mundo inteiro.

– Cuidado com o que diz – Carla olhou por sobre o ombro. – Já deu bastante trabalho achar esse lugar para que ninguém lá nos ouvisse.

– Mas você vai contar para o Erick, não vai?

Carla hesitou.

– Carla, ele precisa saber! – ela guinchou. – Ele sofreu mais que nós.

– Eu sei – Carla suspirou. – Eu vou contar.

– Ok, eu conto para o Edu.

Carla virou a cabeça com tudo.

– Ficou maluca?

Érika franziu a testa.

– Não me vai dizer que quer esconder isso dele e dos outros?

– Eu não quero, mas preciso – ela sibilou. – Se o Eduardo ou Andressa descobrem, eles vão querer confrontar a Anna e o que eu menos preciso agora é da Anna me odiando. Sem contar que ela já deixou bem claro que vai me expulsar daqui!

Érika balançou a cabeça.

– Mesmo assim – ela suspirou. – Ele precisa saber.

Carla franziu a testa.

– Ele?

– Todo mundo precisa saber – Érika se corrigiu.

Carla suspirou.

– Eu sei, amor, mas você tem que me prometer que não vai dizer nada a ninguém.

Érika umedeceu os lábios por alguns segundos, mas então assentiu.

– Eu prometo.

Carla sorriu e lançou um olhar para a colina distante.

– Sabe, eu falei com a Anna sobre o Edu e os outros – ela começou. – Eles foram para uma missão mesmo.

– Sério? – o tom de Érika parecia distante. – Qual?

– Perseguir um demônio – ela começou. – Em Vallywood.

Érika riu.

– Parece que tudo volta para aquele lugar – ela disse.

– É verdade – Carla disse e ficou um pouco em silêncio. – Mas temos que agradecer um pouco aquele lugar. Foi lá onde eu te conheci, Érika. Foi lá onde eu mudei sua vida.

Érika ficou em silencio.

– E eu não sei se você me culpa ainda por isso – Carla respirou fundo. – Mas eu não tinha controle de mim, Érika, você tem que entender isso.

Érika não disse nada dessa vez e Carla se virou para o lado. Érika não estava mais lá. Ela procurou com os olhos, mas não teve um sinal da loira.

– Érika? – ela gritou, mas não teve um sequer sinal de resposta.

– Viu só, nem foi tão ruim, foi? – o garoto disse no ouvido de Rael depois que ele entornou o gim.

Rael fez um barulho de nojo.

– Nem me fale – ele franziu o nariz. – Foi só uma dose e eu estou praticamente chorando.

– Isso é por que você é um fraquinho! – ele pegou Rael pelo ombro. – Se andasse com alguns amigos meus, você veria o que realmente é forte! Aqueles caras bebem demais!

– Por favor – Rael remexeu no copo. – Eu não acho mesmo que quero tentar algo forte, tipo, nunca mais.

– Ah, vamos lá, você nunca quis ficar um pouco chapado? – o garoto provocou. – Nem um pouquinho?

Rael pensou no ano passado, com a situação de estar perdendo Rafa para Roberto. Ele não contara a ninguém, mas tinha bebido mais que o comum e consumido algumas coisas bem ilegais. Tudo na leve intenção de tirar Rafa da mente. Olha só, não deu certo, olha ele aqui, no bar com outro garoto e ainda pensando em Rafael Capoci.

– Você parece pensativo – o garoto deduziu. – Você tá legal?

– Hum, sim – ele começou a se levantar. – Só acho que é melhor eu ir ver a minha irmã, ela deve estar louca procurando por mim.

– Ela é mais velha – o garoto insistiu. – Ela sabe se virar sem você.

– Talvez, talvez – Rael brincou. – Mas ela precisa dou meu carro, então...

O garoto deu um sorriso murcho.

– Então acho que isso é um tchau?

Rael assentiu tristemente.

– Mas foi bom hoje – ele sorriu. – Adorei o gim e tudo o mais.

– Mas você só tomou um e meio – o garoto grunhiu.

– E pra mim tá de bom tamanho.

– De qualquer forma – o garoto ergueu a mão. – Eu me chamo Gabriel.

Rael sorriu para ele.

– Rael.

Os dois se cumprimentaram, formalmente. Mas então Rael sentiu algo na palma da mão e olhou para o aperto. Gabriel estava passando o dedo indicador na palma dele.

– Até mais, Rael – ele piscou e sorriu. – A gente se fala.

– Até – Rael deu as costas a ele, totalmente tonto.

E não foi culpa do gim.

***

Marco acelerou o passo pela trilhazinha para acompanhar Gabriella. Quando ela ouviu os passos dele a seguindo, se virou e o olhou com desdém.

– O que você esta fazendo aqui? – ela questionou.

– Ah – ele coçou a parte detrás da nuca. – Só vim acompanhar... Er... – ele franziu o cenho. – A senhorita até o seu automóvel.

Gabriella fez um som ruim com a garganta.

– Boa tentativa, criança – ela sorriu. – Mas o playground fica no centro da cidade.

Marco cruzou os braços.

– Eu não sou tão novo assim, sabia!

– Ah, não? – ela riu e apontou para o rosto dele. – Tem um pouco de geleia no canto da sua boca, se você não notou.

Marco seguiu seu olhar e tocou no resto de geleia, passou o dedo e o colocou na boca.

– Delicia.

Gabriella revirou os olhos.

– É disso que eu estou falando – ela se virou para ir embora, mas Marco correu para ficar entre ela e a viatura. – O que foi agora?

– Eu estou sendo hospitaleiro – ele retrucou. – Viu só, eu conheço essa palavra, o que significa que eu sou muito mais velho do que pareço.

Gabriella balançou a cabeça veemente.

– Só pra constar, a hospitalidade tem que ser feita dentro de uma casa.

Marco sorriu maliciosamente.

– O que acha de entrar no meu quarto mais tarde, hein gata? Vou te mostrar a hospitalidade.

Gabriella bufou, mas seu rosto corou um pouco do lado quando ela empurrou Marco delicadamente para o lado.

– Até mais, Sr. Castelliano.

– Pare de me chamar de Sr. Castelliano! Eu tenho quinze anos!

Gabriella riu delicadamente enquanto se ajeitava no banco do motorista.

– Ah, eu sei muito bem disso!

Marco a fuzilou com os olhos.

– Você ainda vai se ferrar com essa coisa de julgar os outros pela idade – ele avisou.

– Ah, vou é? – Gabriella sorriu.

– Vai – Marco falou sério. – Acha que só sabendo nossa idade vai te ajudar a resolver algum caso? Esta enganada.

Gabriella lançou um olhar cauteloso para ele.

– Está sabendo de algo, Sr. Castelliano?

Marco! – ele grunhiu. – Meu nome é Marco.

Ela suspirou.

– Está sabendo de algo, Marco?

Ele a olhou dentro dos olhos.

– Talvez – ele piscou. – Mas você já é grandinha o suficiente para sair perguntando pra mim, certo?

E com essa ele se afastou, deixando Gabriella com uma expressão irritada dentro do carro.

***

– Ela era um anjo como eu – Mário disse enquanto suas feridas se curavam pouco a pouco. – Mas foi fraca demais pra conseguir resistir ao outro caminho.

Andressa pigarreou.

– Está falando daquela demônia da sua amiga?

– Dessa – Eduardo beliscou a cintura dela.

– Desculpa – ela revirou os olhos. – Só estou falando a verdade. Não estou?

– Está sim – Mário fungou. – Ela não quer mais ser salva e agora trabalha para o outro lado.

Fernando se remexeu.

– Tem como ser mais especifico nessa coisa de outro lado? – ele questionou. – Por que o que vimos hoje foi ela saindo com a Chefa dos Atiradores, a Carolina.

– Atiradores mortos – Rafa acrescentou monotonamente e Fernando o encarou com pena.

– Olha, não sei bem – ele respondeu. – Até onde eu sei, pra Sabrina voltar, ela teve que ser invocada por alguém.

– Carolina invocou Sabrina? – Andressa questionou.

– O que ela iria querer invocando um demônio? – Eduardo questionou. – Ela sozinha já é um problema.

– Fale por você – Andressa olhou para frente inexpressiva. – Eu cortaria a garganta daquela Vadia em tempo recorde.

– Se essa Carolina é a Chefa dos Atiradores que vocês dizem que é – Mário se intrometeu. – Então não creio que tenha sido ela que invocou Sabrina.

– Por quê? – Rafa questionou.

– Porque pra invocar um demônio – ele respondeu lentamente. – Precisa ser outro também.

A espinha toda de Rafa estremeceu e, ao olhar os outros três, ele sentiu que não foi o único.

– Está dizendo que tem um demônio com eles? – Andressa questionou.

– Bom, havia um terceiro capuz que ajudou Sabrina e Carolina a fugirem – Eduardo murmurou. – Eu não vi o rosto.

– Nem eu – Fernando engoliu em seco.

– Aquilo era um demônio? – Rafa arfou, se lembrando de um capuz se agachando no estacionamento antes disso.

– Demônios podem possuir várias formas – Mário disse lentamente. – E até mesmo pessoas.

Rafa passou a mão pela cabeça e notou o olhar de Fernando em cima dele.

– O que foi? – o loiro questionou. – Rafa, o que tem de errado?

– Antes de Carolina ir embora – ele começou. – Eu não pensei que fosse necessário contar.

– O que é agora? – Andressa sibilou.

– Ela tinha ficado frente a frente comigo... Disse coisas pra mim. Disse que tem um traidor entre nós.

O rosto de Eduardo ficou pálido. Andressa foi um pouco para trás. Fernando franziu a testa.

– Você acredita nela?

Rafa balançou a cabeça.

– Eu não sei no que acreditar no momento.

Mário então começou a se virar.

– Ei, aonde vai? – Rafa questionou.

Mário o olhou de volta com os olhos escuros apagados.

– Agora que Sabrina sabe onde estou, ela não vai me deixar em paz tão cedo – ele suspirou. – O jeito é voltar de onde vim, avisar meus superiores.

Andressa se remexeu.

– Você quer dizer Deus?

Mário a olhou de lado.

– Mas fiquem atentos – ele lançou um último olhar débil para os quatros. – Eu vou voltar.

– Voltar por quê? – Eduardo questionou.

– Porque parece que tem um da minha raça entre vocês – ele olhou de um para o outro ao dizer. – Eu senti isso quando o amigo de vocês me salvou hoje. Um de vocês está destinado a ser como eu.

Eduardo se remexeu nervoso. Fernando piscou. Andressa suspirou. Rafa mordeu o interior da bochecha ao mesmo tempo em que um brilho começou a rodear Mário aos poucos.

– E eu vou voltar para buscar seja quem for – ele deu o último aviso e então sumiu em um brilho de fim de tarde.

Os quatro se olharam confusos, não sabendo bem o que dizer.

– Bom, é melhor irmos – Eduardo ajeitou os ombros. – Vai ser ótimo já contarmos a Anna o que descobrimos hoje.

Andressa sorriu divertida.

– Quero só ver a cara dela quando souber que vimos a Carolina.

Fernando riu.

– É melhor irmos logo – ele olhou para o fim de tarde. – Está ficando tarde pra mim, de qualquer forma.

– Esperem – Rafa chamou e os três se viraram.

– O que foi?

– Me levem – ele deu de ombros.

Fernando franziu a testa.

– Tem certeza disso?

Rafa fez que sim com a cabeça.

– Mas eu achei que você não quisesse... – Fernando se interrompeu confuso.

– Olha, depois de hoje eu não sei se foi uma boa ideia ter uma vida normal – Rafa confessou. – E só de ver aquela vadia Carolina de novo acendeu algo em mim. Sem falar que a vadia esta trabalhando com alguém que eu conheço – ele se virou para o parque vazio. – Eu quero matar aquela Vadia de uma vez por todas.

– Mas Rafa, se for com a gente – Fernando falou lentamente. – Sabe o que isso significa, não sabe?

Ele sorriu de volta para o loiro, de um jeito mais confiante. Como ele sentiu falta daqueles três.

– Sei sim. Eu quero fazer parte do Pack.


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