Dor, que se espalhava do ferimento à flecha em minha perna para o restante de meu corpo, como pequenas agulhas incandescentes. Fogo, que me fazia sentir em brasa, ansiando por algo que aplacasse o calor que fazia com que cada centímetro de mim fervesse. E frio, que surgia num rompante logo após uma abrasadora onda de calor, fazendo-me bater os dentes enquanto sentia meu corpo encharcar-se de suor...

Mas havia algo mais além do sofrimento. Havia um perfume, uma voz... E também uma luz pura e gloriosa, que parecia me envolver num abraço, acalentando meu eu já quase sem forças para resistir.

Havia uma melodia suave, ao mesmo tempo bela e triste, que fazia com que o peso diminuísse, com que a dor abrandasse, e com que o fogo que ardia em meu ser parecesse apenas um sopro morno numa manhã de verão.

Mas além de tudo isso, havia a sensação de ter próximo a mim o anjo que cruzara meu caminho de forma tão pouco tradicional. Havia ela, que não me olhara de um jeito diferente por ser quem eu sou, ou melhor, por ser o que sou. Havia a fada de cabelos cor de fogo e sorriso contido, que amava as estrelas e sonhava em ver mais do mundo do que apenas os arredores do lugar onde vivia.

Tauriel... Até mesmo seu nome era doce e delicado, e parecia fazer meu coração vibrar. Tê-la próxima a mim seria mais do que eu poderia desejar, ou merecer, nesse momento ou em qualquer outro que eu pudesse ter. Mas ainda assim, tive a impressão de ouvir sua voz chegando a mim, num simples "Você precisa descansar".

Com algum esforço voltei a abrir os olhos, que eu nem mesmo percebera que havia fechado. Em meio à névoa, ainda havia aquela luz, e o rosto perfeito de uma dama, que me olhava com preocupação estampada em sua face delicada.

"Tauriel... - minha voz saiu mais rouca do que eu desejara. - Não, você não pode ser ela. Ela caminha na luz das estrelas, em um outro mundo. Isso é apenas um sonho... É só um sonho... Você acha que ela poderia ter me amado?"

"Kili..."

E ali estava ela outra vez, minha doce ilusão, tocando levemente em minha mão estendida e fazendo com que a sombra de um sorriso surgisse em meus lábios. Sinceramente, não me importaria se o tempo parasse agora, ou se o mundo explodisse numa chuva de fogos de artifício, desde que eu pudesse sentir a mão dela na minha pelo resto de tempo de que eu pudesse dispor.

Um longo tempo pareceu se passar até que aquela voz quebrasse o silêncio novamente.

“Ela poderia – foi a resposta que chegou num sussurro, fazendo com que meu coração já abalado falhasse uma batida. – É claro que poderia – e nesse momento, o restante do mundo pareceu desaparecer, deixando-me sozinho com minha ilusão perfeita. - Ela lhe mostraria as estrelas, e você, jovem arqueiro, a levaria para ver uma grande lua dourada subindo no céu. Ou então, sentariam lado a lado junto a uma fogueira, ouvindo o vento cantando nas folhas das árvores, relembrando momentos de tempos há muito passados, ou então fazendo planos para dias futuros,onde a sombra não seria mais uma ameaça.”

“E nesse dia, não haveria em reino algum da Terra Média, um anão mais feliz do que eu”, murmurei em resposta, enquanto um toque leve e quente percorria meu rosto. “Não haveria um único amanhecer em que eu não lembraria minha doce fada do amor que tenho por ela.”

“E não haveria um único anoitecer em que ela não fizesse o mesmo, Kili”

Após essas palavras, o doce aroma da flor-da-noite me envolveu, e lábios macios pressionaram os meus com gentileza por breves instantes, fazendo-me questionar minha própria sanidade.

“Tauriel...”

“Descanse, está bem? Estarei de volta assim que puder, eu prometo!”

E então o ar pareceu ficar mais frio, e o mundo ao meu redor, um pouco mais escuro. O cansaço me envolveu mais uma vez, mas a dor por fim abrandara. Havia alguma esperança, e uma promessa à qual me agarrar, mesmo que houvesse sido proferida num sonho...