A Rainha Bastarda escrita por CGillard


Capítulo 15
Capítulo 15




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 Henry concentrou-se na corça correndo por entre as árvores, mirando seu arco com precisão. Calculando mentalmente a velocidade do vento e a direção que o animal seguia, ele conseguiu acertá-la próximo ao coração. Rapidamente foi ao seu encontro e terminou de matá-la, evitando o desnecessário sofrimento da bela corça.  Seus guardas carregaram sua caça até o castelo, construído recentemente ao norte da Inglaterra. O ambiente bucólico do campo sempre trouxera uma inexplicável paz ao seu espírito, diferente do clima hostil da corte. Preferia a companhia dos animais e dos poucos guardas que o acompanhavam constantemente.

O sol já se abaixava no horizonte quando finalmente deitou confortavelmente em sua cama, olhando pela janela o céu avermelhado. Estava quase adormecendo quando ouviu um suave barulho atrás de sua porta. “Alteza?” uma voz sussurrou timidamente do outro lado, e ele prontamente ordenou que entrasse. “Senhor, uma carta acabou de chegar.” Henry reconheceu de imediato o selo real, e dispensou o jovem servo com um aceno de mão. Temendo o conteúdo da carta, ele abriu-a lentamente e percorreu o olhar pelas palavras, absorvendo seu sentido.

“Oriane voltara.” Henry sussurrou para si mesmo, a apreensão aparente em sua voz. Então fora por isso que Thomas o persuadira com tamanha veemência a passar uns dias no campo, longe da corte. Ele desejava afastá-lo de sua irmã. Perguntou-se quais os objetivos por trás da ação do irmão, mas não conseguiu encontrar uma conclusão satisfatória. Nada lhe parecia fazer sentido. “O que pretende, Thomas?” questionava-se, tentando compreender o que se passava na mente de seu irmão mais velho.

Sempre tivera uma relação conturbada com seu irmão. O ódio que Thomas sentia era tão brutal, tão ímpio, que Henry temia-o. Não sabia o real motivo por trás de tal sentimento, nem se realmente o merecia. Quando criança nutria a esperança de que o tempo abrandasse o coração de seu irmão, mas suas preces mostraram-se ineficazes. Thomas tornava-se mais frio a cada dia, um brilho perverso sempre presente em seu olhar. Um dia, contaram-no que ele nem sempre fora assim. Houve um tempo em que sua risada ressoava pelas paredes do castelo, um sorriso em seus lábios e uma áurea que perdera assim que Oriane partiu para o convento. Sem sua irmã por perto, Thomas transformou-se em um bastardo tão atroz quanto dissimulado.

Chamou seus homens, avisando que partiriam para Londres no dia seguinte, o quanto antes. Estava na hora de rever Oriane. Mal se recordava de seu rosto, afinal era apenas um bebê a última vez que a vira. Todavia, sabia o quão significativa sua presença seria na vida da corte. Henry já desejara mandar cartas a sua irmã, quando ainda contava com dez anos de idade. Soturnamente, o jovem príncipe testemunhava a intimidade partilhada por Thomas e Oriane, e ambicionava, em silêncio, um dia receber tal afeto.

A despeito do empeço causado pela distância, Thomas sempre a endereçava longas cartas. Henry defrontava-se com ele constantemente nos jardins, compenetrado de tal maneira a nunca perceber a presença de um terceiro observando-o. Seu olhar revelava a profunda e inescrutável devoção que sentia, enquanto transpassava ao pequeno pedaço de papel o mais âmago de seu ser, segredos que Henry não ousava contemplar. Era o único momento em que Thomas genuinamente demonstrava alguma emoção, que não fosse aquém à cólera e brutalidade que imperavam em seu coração. Imaginava Oriane segurando as cartas afetuosamente, lendo-as com paciência e respondendo-as em sua mente.

Evidentemente ela não poderia escrever-lhe uma resposta. Afinal, encontrava-se confinada no convento, sem nenhum contato com o mundo exterior. Henry nunca soube ao certo como seu irmão conseguia enviar as correspondências, mas não podia perguntá-lo. Thomas não tinha consciência de ser observado, e Henry tomara todas as providências para que este fato permanecesse em segredo. Assim sendo, por mais que o desejo de conversar com sua misteriosa irmã lhe queimasse o peito, Henry conservou-se calado por todos esses anos. De qualquer forma, Thomas nunca permitiria.

**

Oriane encontrou-o na capela, ajoelhado perante o altar, sua expressão inteligível. Aproximou-se com cautela, tentando não agravar o estado já perturbado de seu irmão. “Thomas...” sussurrou, o som de sua voz ressoando pelo local sagrado. O corpo do príncipe permanecera rígido, as mãos contra o chão frio da capela, sobre o túmulo de seus ancestrais. Todos reis, todos mortos. Nem mesmo os homens mais poderosos viviam para sempre. Thomas suspirou profundamente, elevando seus olhos à grande cruz que se encontrava a sua frente.

Oriane compreendeu o significado por trás de cada gesto. “Estão mortos, Thomas. Todos eles. Até mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo. Rogar por seu auxílio será em vão. Atente-se nos vivos, meu irmão, e esqueça os que já se foram.” Oriane disse com suavidade, tentando mitigar a frieza de suas palavras. “Eles não vão ajuda-lo com seu pai, ou com seu reinado. Mas os vivos, Thomas, estes sim serão de grande valor. E quando chegar a hora, serão eles a consolidá-lo no trono. Ou, caso insatisfeitos, serão eles a demovê-lo.” Oriane prostrou-se frente à Thomas, segurando-lhe o rosto para que pudesse olhá-lo profundamente.

“Apreenda bem o significado do que digo, Thomas, pois o faço pensando em seu bem. Caso os nobres assim desejarem, não serão reis mortos ou a crença em um Deus misericordioso que lhe salvarão da ruína.” Oriane pronunciou cada palavra lentamente, permitindo Thomas absorvê-las e compreender sua veracidade. “Lembre-se, meu irmão. Mais cedo ou mais tarde, o destino de todos será o mesmo.” Ela olhou a lápide sobre seu pé, antes de voltar-se à Thomas. “O que acontecerá depois, ninguém sabe. Então, enquanto ainda respiramos e nossos corações ainda batem, não nos resignemos por ossos já decadentes de corpos que um dia foram. Lembremo-nos de suas memórias, mas não esperemos seu amparo.”

Thomas retirou as mãos da lápide e segurou as de sua irmã, ainda em seu rosto. “Tens razão, meu amor. Não é nesses ossos que devo buscar orientação. Nem em Nosso Senhor.” Ele a olhava com inveterada admiração, venerando-a silenciosamente. “Mas sim em ti.” Ele segurou-lhe delicadamente o pescoço, trazendo-a aos seus braços. Pela última vez, seus olhos voltaram-se para a cruz imponente, que parecia censurá-los. Sentiu os dedos gélidos de Oriane em sua face, desviando sua atenção do símbolo de Cristo. E assim, suplicando a Deus que lhes salvassem do fogo do inferno, ele aproximou-se dos lábios de sua irmã.


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