Nothing Else Matters escrita por Miss Vanderwaal


Capítulo 11
There's no place like homecoming


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas ^-^
Então, esta é, por enquanto, a única fanfic que escrevo me baseando mais nos livros de PLL do que na série. E nos livros, o nome do colégio é Rosewood Day, não Rosewood High e, diferentemente deste da série, Rosewood Day é também uma escola de ensino fundamental. Enfim, pode ser que eu me confunda, troque o nome de um pelo nome do outro em algum momento, só queria esclarecer caso isso aconteça :D



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Eram oito e dez da noite de sábado e Emily encontrava-se no sofá de sua sala, olhando impacientemente para a janela que dava para o jardim da casa. A televisão estava ligada em um noticiário qualquer, e as vozes dos repórteres faziam o estômago da garota embrulhar ainda mais.

– Não roa as unhas – instruiu Pam, que estava ao lado de Emily, com um olhar levemente reprovador – Ele virá.

Com um suspiro frustrado, Emily afastou a mão direita da boca e alisou pela enésima vez o vestido que já havia sido devidamente passado e ainda estava morno devido a isso.

– É, mas ele já devia estar aqui, não acham? – intrometeu-se Carolyn, que estava esticada no segundo sofá e tinha a cabeça no colo do pai.

Emily reconheceu o tom ironicamente provocativo na voz da irmã e conteve um “cale a boca”. Estava de fato nervosa demais para formar palavras. Ela sabia que Toby não a deixaria na mão, e talvez estivesse se sentindo assim por outro motivo. Tirou as sapatilhas e se encolheu no sofá, pensando em como não confirmara com Maya que “estava tudo certo para hoje a noite” apenas porque soaria impessoal demais um simples “sim, tudo certo!”. Pensar que Maya poderia estar apreensiva achando que Emily não estava a fim de cumprir com o combinado deixava-a ainda mais nervosa.

Ao ver Toby se aproximar da casa, os músculos de Emily relaxaram e ela sorriu ao ver que ele fazia o mesmo para ela. Se levantou para calçar as sapatilhas novamente.

– Acho que já vou, então – disse ela, se sentindo subitamente mais calma.

– De jeito nenhum – Wayne levantou um indicador, em um primeiro momento sem desgrudar os olhos da televisão – Traga-o aqui por um minuto. Eu gostaria de dizer a ele algumas palavrinhas.

Emily concordou, revirando os olhos, mas feliz por seu pai ter exigido tal coisa, afinal, se não o fizesse, não seria seu pai.

Toby vestia um blazer escuro por cima de uma camiseta branca. Ele não usava gravata, e Emily não esperava mesmo vê-lo usando uma. Os jeans também escuros contrastavam com os sapatos formais aparentemente novos em folha e davam-no um visual elegante e ao mesmo tempo confortável e casual. Ele estava bonito.

– Uau – disse Emily enquanto se aproximava dele – Para quem dizia que coisas assim eram besteiras você realmente investiu.

– Ora, meus pensamentos não mudaram – respondeu ele, calmamente – São besteiras. Mas você não é.

A frase final pegou Emily de surpresa e ela se perguntou se o rubor em seu rosto não estaria visível demais. Ela sorriu bobamente, incapaz de agradecer.

– Você está graciosa – elogiou Toby mais uma vez.

Por meio segundo, Emily pensou que ele fosse dizer “linda” e deduziu que estava minimamente desapontada, mas depois disse a si mesma que “graciosa” era ainda mais doce e por fim tomou coragem para olhar nos olhos dele.

– E você está... adulto.

Toby deu de ombros.

– Bem, tudo que estou usando no momento, com exceção das cuecas, veio do guarda-roupa do meu pai.

Emily gargalhou e não resistiu ao ímpeto de pegar a mão direita dele e puxá-lo levemente para dentro da casa. Carolyn ficou de joelhos no sofá e foi a primeira a estender a mão para o garoto, sorridente.

– Olá, sr. Cavanaugh – cumprimentou ela, deixando transparecer uma formalidade divertida.

Toby e Emily trocaram rápidos olhares e ele entrou na onda.

– Srta. Fields – ele apertou a mão da garota – Como vai?

Como uma última recomendação, depois das devidas apresentações, Wayne tocou o peito do rapaz com um indicador.

– Se ela não estiver de volta até a meia-noite, esqueça a polícia local. Eu coloco o FBI atrás de você. Eu tenho meus contatos. Você está avisado.

Toby pareceu empalidecer por um segundo, mas assim que notou Emily rir, relaxou.

– Não se preocupe, senhor – disse ele, em uma voz convincente – Ela estará em boas mãos.

Dito isso, ele uniu sua palma à de Emily novamente e ela mais uma vez não recuou.

Antes de colocar os pés novamente no jardim, Emily ouviu a mãe dirigir a eles um doce “divirtam-se” e olhou por cima do ombro para a irmã, que moldava um mudo “boa sorte” com os lábios.

A noite estava quente e cachorros latiam ao longe enquanto os dois caminhavam calmamente pelas ruas vazias em direção a Rosewood Day. O engraçado era que metade de Emily sentia-se um tanto culpada por ainda estar de mãos entrelaçadas com Toby. As pessoas que passavam poderiam assumir coisas sobre eles que não eram verdade. No entanto, a outra metade se sentia... querida. A palma do garoto estava levemente suada e os dedos, levemente gelados, como se ele estivesse nervoso; como se aquela fosse a primeira vez que ele levava uma garota para sair.

Balões azuis, brancos e prateados decoravam a frente da escola e a mesma faixa que Emily quase havia pendurado no ginásio estava ali também. Podia-se ouvir uma música eletrônica pulsando nos auto-falantes de dentro do prédio e alguns garotos estavam espalhados pelo jardim frontal, todos com seus copos de plástico vermelho em mãos, fingindo que o que bebiam era realmente álcool – se bem que nada os impedia de terem trazido aquelas mini garrafinhas de uísque escondidas no bolso de dentro dos respectivos paletós.

Emily não se lembrava de que aquele ginásio era tão espaçoso. Pequenas mesas cobertas por toalhas cor-de-rosa circundavam o local e luzes baixas, de uma miscelânea de cores, iluminavam gentilmente a quadra de futebol de salão/basquete/vôlei, que agora funcionava como pista de dança.

Ela e Toby passearam vagarosamente ao redor da quadra observando garotas loiras e populares dançarem com seus pares Hot ‘n’ Cold, de Katy Perry, que era uma das poucas músicas com as quais Emily simpatizava. Mas por mais que o som fosse divertido, ela se contentava apenas em olhar. E era isso que a preocupava em relação a Toby. Ela poderia entendiá-lo ainda mais.

Deram a volta no ginásio, ainda de mãos dadas, e chegaram a uma mesa grande e retangular, também coberta por tecido cor-de-rosa. Canapés e diversos outros tipos de aperitivos estavam dispostos por ela, e algumas jarras de vidro continham aparentemente o mesmo líquido púrpura que Toby a oferecera no dia anterior, a única diferença era que cubinhos de maçã verde boiavam dentro da bebida.

– Com sede? – o garoto perguntou.

– É claro – respondeu Emily – por que não?

Toby pegou um dos copos vermelhos empilhados na mesa e a serviu, fazendo o mesmo para si em seguida. A bebida estava morna, tinha o mesmo gosto de groselha e era definitivamente adoçada em exagero. Emily fez uma careta ao sentir algo amargo queimar levemente sua garganta enquanto ela engolia.

– Alguém com certeza já batizou esse negócio – ela apontou para uma das jarras.

– E você ainda duvidava que iam? – Toby deu risada – Mas eu posso ficar com o seu, se não quiser.

– Não – rebateu ela docemente – Está tudo bem. Acho que eu consigo lidar com isso.

De um jeito ou de outro, já estava na hora de quebrar alguns limites, Emily pensou consigo ao entornar a bebida em dois grandes goles, o que aumentou algumas dezenas de vezes a sensação de queimação em sua garganta. Ela cerrou firmemente os olhos por dois segundos e riu, como se já estivesse sentindo o que era provavelmente vodka fazer efeito em seu corpo.

– Bem, depois disso, se sente corajosa o suficiente para dançar? – propôs Toby.

Emily sacudiu a cabeça.

– Dançar? – repetiu – Não, obrigada. Eu não danço.

O garoto cruzou os braços, suspirou, fingindo estar pensativo, e olhou para trás, para três barraquinhas estilo quermesse que estavam alinhadas uma ao lado da outra perto das portas duplas de entrada.

– Que tal uma pequena aposta? – propôs ele novamente – Se eu derrubar as três pirâmides de latas de primeira – apontou para uma para das barraquinhas, onde via-se latas de salsicha sem o rótulo empilhadas – , você dança comigo.

Ele parecia já saber que ia ganhar e Emily gostou da voz divertidamente desafiadora que apareceu de repente. Ela nunca havia sido convidada para dançar antes, por ninguém, então era de se esperar que tal convite fizesse seu corpo formigar de animação. E ela apenas assentiu, sorrindo.

No final das contas, Toby ganhou um coelhinho de pelúcia azul como prêmio, que deu de bom grado a Emily. Ela acariciou o bichinho distraidamente, sentindo parte da timidez anterior voltar a si. I Can’t Remember to Forget You tocava nos auto-falantes agora.

– Não sei dançar esse tipo de música – alegou de cabeça baixa.

Toby emitiu um “hum”, pensativo.

– Quer dizer então que se uma música lenta estivesse tocando e nós apenas precisássemos fazer isso – ele tomou as mãos de Emily e moveu o peso do corpo de um pé para o outro – , você dançaria comigo?

– Provavelmente – respondeu ela, ainda retraída.

– Fique aí – instruiu ele e Emily o viu atravessar o ginásio e subir os três pequenos degraus do palco para cochichar algo no ouvido do DJ. Havia uma plaquinha perto da bancada dele que dizia “aceitamos pedidos”.

Emily não o obedeceu precisamente e andou mais uma vez até a mesa de comes e bebes. Era divertido sentir as cócegas que o álcool provocava em sua garganta. Parada ali, ela notou duas garotas usando vestidos curtos e dançando juntas. Elas deslizavam as mãos uma pelas coxas da outra – exatamente como Rihanna e Shakira faziam no clipe –, provavelmente para excitar alguns garotos que olhavam para elas como lobos famintos em uma das mesinhas. Emily sabia que seu dever era se sentir ofendida com isso, mas achou graça da situação apenas.

Ela estava atenta aos movimentos de Toby. Ele encontrou o olhar de Emily por meio segundo, mesmo a dezenas de metros de distância, e ela sentiu seu coração bater fora de ritmo. Ela só era capaz de pensar no que diabos ele estaria aprontando.

Toby já descia novamente os degraus do palco quando Emily notou Spencer Hastings se aproximar dela.

– Você e o novato têm estado bem íntimos ultimamente, não é? – observou a garota que estava envolvida em um vestido púrpura, quase da mesma cor que a bebida batizada. Ela tinha uma prancheta e um molho de chaves em mãos. Aparentava estar cansada e não estar usando maquiagem.

Emily franziu as duas sobrancelhas, estranhando bastante aquilo. Desde quando Spencer se importava tanto com Emily a ponto de perguntar algo assim?

– Ah, nós não estamos juntos desse jeito – ela começou nervosamente a protestar, cruzando os braços e não olhando diretamente para Spencer, porém se surpreendeu com um toque amigável em seu ombro, talvez o gesto mais pessoal que a garota já lhe dirigira.

– Está tudo bem, Emily – disse Spencer docemente – Os certinhos também precisam de uma folga. Digo isso por experiência própria.

Dito isso, a garota de afastou, indo de encontro a Andrew Campbell em uma das mesinhas. Andrew era o par de Spencer? Uau, isso sim era novidade. Desde o oitavo ano, que fora quando a garota entrara para Rosewood Day, ela e Andrew viviam competindo para ver quem era o melhor da turma, e sempre oscilavam entre o primeiro e o segundo lugar. Se Spencer ganhasse a eleição para presidente da classe no primeiro semestre, por exemplo, Andrew seria eleito e começaria seu mandato no segundo, ou vice-versa. Havia sempre sido assim. Mas, afinal de contas, padrões poderiam ser quebrados, não é? E Emily se pegou sorrindo, sentindo-se feliz por Spencer.

Assim que Shakira cantou o último “I can’t remember to forget you”, o ginásio ficou estranhamente quieto. Burburinhos e passadas era tudo o que se escutava, até que um ritmo suave de cordas de violão preencheu o ar novamente. Metade dos jovens emigraram da pista de dança.

– Você não fez isso – disse Emily, incrédula, enquanto Toby se aproximava.

O garoto apenas deu de ombros, sorrindo vitoriosamente, e estendeu a mão direita para ela, cujos olhos iam da mão dele para a expressão divertida que ele tinha no rosto. Emily não se lembrava de ter dito a ele, formalmente ou não, que Nothing Else Matters tinha significado tanto para ela. Como ele poderia saber? Porém, antes que tivesse a chance de começar a chorar, Emily deixou-se ser guiada para o centro da pista de dança, onde apenas os alunos mais recatados permaneciam.

Ela não sabia direito como fazer aquilo. Acabou por recostar o queixo no ombro de Toby, que agora parecia estar perfeito para isso, por causa do blazer macio. E o garoto abraçou-a delicadamente pela cintura, quase como se tivesse receio de “tocá-la demais”.

Emily fechou os olhos, respirando o ar frio que vinha do ar-condicionado do local, e deixou-se relaxar, movendo os pés no ritmo leve da música. Tentou ao máximo não prestar atenção à letra. Porém o verso “mente aberta para um ponto de vista diferente” ficava martelando em sua mente, que encheu-se de perguntas que começavam com “e se...”.

E se eu deixasse que isso acontecesse?

E se eu deixasse me apaixonar por ele?

E se pudesse dar certo?

Ao refrão, Toby tomou as mãos de Emily e a rodopiou, o que fez um sorriso divertido brotar do rosto da garota. Ficaram de tal jeito durante os seis minutos de música e um último giro permitiu que ela finalmente encontrasse os olhos dele, que no momento voltavam a parecer cristais de tão transparentes. Emily fez um carinho em um lado do rosto dele e tocou na covinha que ficava exatamente no centro de seu queixo. O garoto riu como se sentisse cócegas e beijou-a ternamente na testa, o que fez Emily perceber que não havia paixão ali, mas sim um carinho muito grande. E não seriam capazes de exigir mais nada um do outro.

Assim que Toby avisou-a que iria ao banheiro, Emily perguntou se poderia esperá-lo do lado de fora da escola. O rapaz ficou cabisbaixo por um segundo e pareceu querer perguntar porque, mas ainda assim apenas concordou.

Emily agarrou novamente o coelhinho de pelúcia que havia deixado na mesa de comes e bebes e dirigiu-se às escadas frontais de Rosewood Day, sentando-se nos degraus, colada ao corrimão. Lembrou-se finalmente da bolsinha que levava à tiracolo e tirou o celular de lá de dentro, constatando que já era passado das nove da noite e nada de Maya. Seus dedos coçaram para perguntá-la por mensagem se estava tudo bem, mas por algum motivo se conteve. Apenas abraçou os joelhos, o coelhinho ao seu lado. Já não estava tão quente quanto há uma hora atrás.

– Ei – Toby deu um tapinha no ombro de Emily, sentando ao seu lado em seguida.

– Oi – disse ela um tanto distante, mas feliz por ele ter voltado. A frente da escola estava estranhamente vazia, o que dava maior sensação de frio.

– O que foi?

– Nada, eu estou bem – alegou, forçando um sorriso sem olhar diretamente para ele.

– Não parece. Mas acho que já sei o que foi – ele conseguiu atrair a atenção de Emily – Precisamos nos conhecer melhor antes de eu sair por aí dedicando músicas a você, não é? Me desculpe se te constrangi.

Ela riu com a inocência do chute do rapaz e tomou a mão direita dele.

– Por favor não se desculpe. Eu ainda não tive a chance de te agradecer por aquilo. Eu adorei!

Ele sorriu fracamente em agradecimento.

– Mas “conhecer você melhor” seria algo que eu adoraria fazer – disse Emily.

– Sou um livro aberto – Toby apoiou os antebraços nos joelhos.

Um longo tempo pareceu passar e vários grilos assobiaram antes que Emily soltasse a pergunta que ainda provocava uma grande curiosidade nela. Ela sabia que provavelmente aquilo soaria rude, mas sentia que precisava fazê-lo.

– Por que foi mandado para um reformatório? – sua voz era séria, o oposto de quando fizera a pergunta pela primeira vez, no dia anterior, e Toby pareceu notar a diferença – E não me diga que foi porque você costumava ser um garoto rebelde.

– Mas eu costumava ser um garoto rebelde – ele sorriu de forma conformada.

– Eu não acredito nisso – rebateu Emily, fria e decididamente.

O garoto suspirou e também pareceu levar um longo tempo pensando na resposta.

– Minha mãe morreu quando eu tinha treze anos – começou ele – A vida que eu levava com meu pai não era um mar de rosas, mas era suportável – suspirou mais uma vez, como se as palavras não saíssem de maneira fácil – Porém, assim que fiz catorze, ele se casou de novo e nós... eu fui obrigado a ir morar na casa dela. E tudo em mim pareceu se transformar em raiva. Ela tinha uma filha, Jenna, que tinha doze anos na época. Jenna nascera cega. Mas não pense que ela se fazia de coitadinha por causa disso. A garota tinha a língua afiada e nós brigávamos dia e noite. Principalmente por meio de palavras, mas houveram alguns tapas por parte dela e alguns empurrões com destino ao sofá por minha parte.

Emily estava atenta a cada letra de cada palavra que ele dizia. Estaria mentindo se dissesse que não estava também surpresa, mas aquela história parecia... não surreal. Qualquer um se alteraria se passasse pelo que Toby passara. Ela conseguia entender o lado dele e acariciou seus cabelos ao senti-lo estremecer, como se contivesse o choro.

– Eu entendo se não quiser falar mais – disse ela – Acho que dá para imaginar o que aconteceu depois.

– Não, não dá – ele sorriu tristemente, e seus olhos prateados estavam já marejados.

Um calafrio percorreu a espinha de Emily quando se lembrou que ele usara os verbos “tinha” e “fazia” ao falar de Jenna, e presumiu que ele fosse contá-la que a garota havia morrido.

– Estávamos nós dois sozinhos em casa – prosseguiu ele – Como sempre, eu estava trancado no meu quarto, com headphones nas orelhas, lendo revistas em quadrinhos. Pelo que Jenna disse no hospital, ela tentava usar o fogão sozinha. Ela sabia que não devia fazer isso. Eu me lembro de ter visto uma garrafa de álcool na beirada da pia da cozinha. E ela deve ter se desequilibrado com um fósforo na mão, eu não sei direito – lágrimas escorriam pelo rosto do garoto – Tudo que eu sei foi que ouvi gritos vindo do andar de baixo. Tão altos que me fizeram tirar os fones dos ouvidos. E chamas cercavam o lado esquerdo dela.

Uma lagrima também já descia pelo rosto de Emily.

– Ela está... – ela não se atreveu a completar a frase.

– Não – respondeu Toby – Ela está bem, na Filadélfia ainda, se recuperando. As queimaduras não foram graves.

Os músculos da garota relaxaram. Graças a Deus, ela pensou.

– Por que mandaram você para o Maine? Não há internatos na Filadélfia?

– Bem, eu acho que sim. Mas, por mais que Jenna tivesse dito depois que eu havia ajudado-a a escapar do fogo, meu pai me queria longe dela. E eu não protestei. Então, assim que fiz quinze anos, comecei o ensino médio lá. Mas eu não conseguia me empenhar, e obviamente reprovei. Depois de um ano, minha madrasta achou que o castigo já havia sido suficiente. Mas eu sabia que não seria capaz de encarar Jenna todos os dias. Seria maçante demais. Então eu pedi para vir para Rosewood.

– Espere – Emily franziu uma sobrancelha, confusa – Você mora sozinho naquela casa?

– Bem, sim. Meu pai vem fazer um check-up em mim duas vezes por semana, mais ou menos, para trazer dinheiro. Aliás, hoje foi um desses dias – ele segurou as laterais do blazer – Minha madrasta também me visita, basicamente para ver se estou me alimentando direito, só que é mais de vez em quando.

– E Jenna? – perguntou Emily, cautelosamente.

– Não. Mas eu sei que nós estamos relativamente bem. Eu pergunto por ela, eles dizem que ela pergunta por mim. E assim vamos vivendo.

Emily refletiu um pouco sobre aquilo, se sentindo feliz e triste por Toby ao mesmo tempo. Feliz porque parecia que sua vida estava voltando ao normal, e triste porque morar sozinho aos dezesseis anos era algo que Emily não era capaz de conceber. Ela não imaginava como seria acordar para uma casa vazia, sem ter ninguém para dizer “bom dia!” a você ao fazê-lo.

– Acha que ainda vai voltar a morar com eles? – perguntou Emily, sentindo uma ponta de desânimo ao pensar numa provável resposta – Digo, na Filadélfia.

– Não sei. Mas se está pensando nos jantares de natal, tenho certeza de que daremos um jeito.

Emily sorriu. Pelo menos os jantares de natal!, pensou.

– Mas às vezes – o garoto prosseguiu – , quando meu pai me vê aqui, sozinho, tenho a impressão de que ele acha que minha “covardia” quanto a voltar para casa tem algo a ver com o acidente de Jenna. Odeio pensar nisso, mas tenho quase certeza de que ele acha que eu provoquei aquilo, num acesso de raiva ou algo assim, e que me arrependi depois.

Emily expirou o ar em um “ah, meu Deus!” e Toby fitou-a com um olhar quase desesperado.

– Mas eu não fiz isso – alegou ele.

– Eu sei – ela apressou-se em dizer – Tenho certeza que não fez.

Eles tinham as testas coladas uma na outra, e antes que pudesse perceber o que estava fazendo, Emily selou os lábios de Toby, no intuito de deixá-lo sabendo que ela pensava apenas o melhor dele.

Os lábios do garoto tremiam e estavam um tanto frios, assim como suas mãos há uma hora atrás, e ele correspondeu minimamente antes de se afastar, tocando os pulsos de Emily delicadamente.

– Não faça isso – disse ele, baixinho.

– Por quê?

– Porque sei que não é o que você quer realmente. Só está com pena de mim. E quero que saiba que não há razão para isso.

Emily se sentiu um tanto envergonhada e depois sorriu.

– Não sinto pena de você – garantiu ela, tocando os cabelos dele mais uma vez – Você é apenas tão diferente de todos os outros garotos! Tenho orgulho de ter conhecido você.

E se as circunstâncias fossem diferentes, Emily queria dizer, eu poderia me apaixonar por você.

– Assim já está melhor – ele beijou Emily na testa mais uma vez e ajeitou-a em seu ombro direito – Ainda me sinto meio mal por meu primeiro beijo ter sido movido a condolências, mas de qualquer jeito, obrigado.

Emily se confundiu pelo tom divertido na voz que ele voltava a ter e jurou que ele estava brincando.

– Foi seu primeiro beijo? – ela se afastou do ombro dele para olhá-lo nos olhos.

Toby deu um tapinha no próprio joelho.

– Patético, não?

– É claro que não! – ela rebateu prontamente – Acho que só estou... honrada.

– Bem, agora você sabe tudo o que há para saber sobre mim. Eu exijo que você me conte algo sobre você. E não algo idiota como “eu falo dormindo” ou “eu rôo as unhas dos pés”. Algo grande.

Emily se ajeitou novamente no ombro dele e suspirou, ponderando por um considerável tempo. Que se dane!, pensou, É hora de pôr as cartas na mesa.

– Eu amei alguém há um tempo atrás – começou ela, olhando para a rua calma. Se passava um carro por minuto ali, era uma estatística alta – Muito, eu arrisco dizer. Uma garota.

A figura jovial de Ali começou a tomar conta de sua mente. Os cabelos que caíam sobre seus ombros como uma cascata dourada, o sorriso aberto que exibia dentes pequeninos e perfeitamente alinhados, a voz mais doce que ela já ouvira na vida.

– Ela era a coisinha mais adorável da face da Terra! – continuou Emily, constatando o quanto doía nunca ter falado com alguém sobre Ali – Mas não durou – ela engoliu a saliva e o choro também, percebendo que não tinha condições de repassar os detalhes para ele agora. – O fato é que, agora, quase dois anos depois, sinto que estou passando por isso de novo. E ela é igualmente adorável – sorriu finalmente.

Toby permaneceu em um silêncio que perturbou Emily profundamente. E se ele fosse homofóbico?, ela perguntou-se, levemente apavorada, mas em seguida sentiu-o fazer um carinho delicado em suas costas.

– Alguém da escola? – perguntou ele docemente.

Emily negou com a cabeça.

– Ela é uma universitária que acha que eu sou velha o bastante para dirigir – disse, como se o fato fosse motivo de risadas.

– Queria que ela estivesse com você nos braços hoje, não é?

Emily pareceu sentir uma ponta de mágoa em tal pergunta e se afastou para olhar nos olhos dele outra vez.

– Não – disse – Quer dizer, sim, eu quero estar com ela, mas não trocaria isto aqui por nada no mundo – ela fez uma pausa e teve certeza que as bochechas do rapaz estavam corando – Na verdade, Hollis está prestes a começar o próprio Homecoming. Ela me convidou para irmos juntas a ele, mas não nos falamos desde quinta-feira, então não sei se o convite ainda está de pé.

– Ora, ligue para ela – sugeriu Toby, como se deixar Maya na espera fosse a coisa mais imbecil que Emily poderia ser capaz de fazer.

O interior da garota ferveu com tal possibilidade. Ela tinha feito a promessa de não deixar Maya escorregar por entre seus dedos, afinal, não tinha? De não deixá-la virar apenas uma memória de algo que não foi. Mesmo assim, Emily mordeu o lábio inferior, incerta.

– Tem certeza?

Toby pegou o coelho de pelúcia azul que estava ao lado de Emily e fez com que a ponta do nariz do bichinho tocasse a do nariz dela.

– Tenho. E quando você acordar amanhã de manhã, isto aqui estará na sua caixa de correio. Apenas me prometa que fará com que ela te deixe em casa antes da meia-noite. Não deve ser fácil escapar do FBI.


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