Apenas mais Uma Partida escrita por tonbotticelli


Capítulo 1
Jogando Xadrez




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/5801/chapter/1

-         Cavalo do Rei G7 – anunciei, pensativo.

Estávamos há muito tempo nesse jogo. Quanto? Talvez dias, talvez eras. Não importa mais. Meu oponente nem mesmo repara em mim. Acho que é intencional. Se ele perceber minha aparência saberá o que tem de fazer. Ele não quer perder minha companhia, a única em milênios. É incomodo viver, se é que isso pode ser chamado de vida, sozinho.

-         Jogada inútil, devo dizer – ele anuncia, como sempre, antes de fazer o seu movimento – Torre da Rainha G1.

Eu observo o tabuleiro enquanto as peças se movem. Por algum motivo mórbido as dele são todas caveiras. O rei sua perfeita imagem. Já as minhas... A rainha deve ser Joana D’Arc e o rei Arthur Pendragon. Lembro de já ter lhe perguntado sobre eles, mas isso foi há muito, quando ainda tinha uma vasta cabeleira rubra. Agora só me resta uma clareira pálida envolta por cabelos brancos.

-         Na realidade, não. Eu previ isso. Peão destrua a Torre da Rainha.

Um aldeão que posso jurar ser parecido com algum amigo que já tive elimina a Torre com um único golpe de sua enxada, reduzindo aquela macabra construção a pedras soltas pelo tabuleiro.

-         Hunf, seu tolo de proporções abissais. – ele caçoa, mas sinto o tom de incômodo em sua voz e ele pára para pensar.

Engraçado. No início eu temia esses seus modos, a sua voz cavernosa que não parecia vir dele, mas de lugar algum e entrar diretamente em minha mente. Hoje soa como algo amigável. Não que sejamos amigos, apenas rivais que se entendem. Bons rivais por assim dizer. Ninguém te conhece melhor do que seu inimigo um mestre meu disse quando eu ainda era jovem.

-         Está bem, está bem. – ele reclama, impaciente, como se eu estivesse o apressando – Bispo do Rei, A5.

A bizarra figura vestindo negro cruza a passos lentos a extensão de onde estava até o seu destino. Quando chega em A5 ele olha para o seu senhor, procurando confirmação. Ao retornar o olhar para frente sinto os seus pequenos olhos vermelhos me encarando com afinco. Afinal de contas, o real rei do lado branco sou eu, soberano de suas vidas.

-         Você quem sabe. Joana, é com você. – eu digo e rio baixo.

Sei que provoca-lo é estupidez. Mas meu final já está escrito, que mal há de brincar um pouco antes de chegar lá? O irônico é que me meti nessa enrascada exatamente por tentar fugir desse final. Que trouxa eu fui não é? Como se fosse possível realmente fugir dele. A minha rainha ergue sua espada e cruza o pescoço do padre negro. É possível ouvir um lamento agudo vindo da peça enquanto sua cabeça rola por metade do tabuleiro e seu frágil corpo cai, sobrando apenas o esqueleto daquele ser vazio.

-         Xeque, meu caro – eu digo, triunfante.

-         Nem pensar – ele blefa, como se eu não soubesse de suas intenções.

Curioso pensar que eu ainda estou aqui porque nem ele nem eu sabemos perder. A primeira vitória foi minha e a segunda também. Depois veio ele e mais uma vez eu e então ele. E aí eu perdi a conta. É o que acontece após tantos jogos. Continuo me divertindo mesmo assim. Ele tenta algumas jogadas novas, movimentos arriscados e nada. Apenas o certo mais usando aqueles mesmos cavalo e rainha. Com um feliz Xeque-Mate declaro fim da partida. Ele percorre o tabuleiro, ainda incrédulo. Por fim o Morte ergue a cabeça e finalmente me olha nos olhos com aqueles buracos-negros que ficam no lugar das órbitas.

-         Mais uma vez?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Apenas mais Uma Partida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.