Aftermath escrita por IgorPaulino


Capítulo 5
Cada escolha é uma perda


Notas iniciais do capítulo

Olá, meu nome é Igor, e sou o criador do Aftermath.

Este é meu projeto que venho desenvolvendo há meses, e pretendo engrandecê-lo e um dia expandí-lo pra outras plataformas (jogos, livros, produções audiovisuais).

Agradeço aos que leram, e caso se interessarem pela trama poderão acompanhar também pelo blog, cujo link estará nas notas finais.

Obrigado a todos, e boa leitura =)



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Morávamos todos na velha mansão Vuurvast, construída na cidade de Bruxelas por nossos ancestrais holandeses. Fomos um dia uma família importante na economia da Bélgica, mas perdemos poder político conforme a monarquia enfraquecera. Há duas gerações que não tínhamos envolvimento algum com o governo belga, e sobrara apenas o patrimônio dos Haas para contar história. Mamãe e papai trabalhavam muito pra manter o legado da família: a casa, as empresas e os laços com outras famílias.

Meu irmãozinho nasceu quando eu tinha seis anos, e tudo a partir desse dia ficou mais feliz. Insistia que não era necessário uma babá, mas eles achavam que eu sozinha não seria capaz de cuidar de Luke. Ele tinha olhos enormes nessa época, e era tão esperto que aprendera a andar sozinho. E ele andava pela casa toda, por maior que fosse. Nenhuma parede estava a salvo de ser riscada de giz de cera, e os valiosos vasos e estatuetas foram sumindo das estantes, um a um, conforme eram derrubados em pedacinhos no chão. O pequeno Luke era maior que qualquer obstáculo que pudesse existir.

Eu havia herdado de minha mãe tanto os cabelos ruivos como o nome: ela era Lucille, e chamou-me Lucy. Mamãe é de uma família francesa riquíssima, os Bell, e teve seu casamento arranjado por meus avós com Gregor, herdeiro dos Haas de Amsterdã. Os Haas eram poderosíssimos na política holandesa, e influenciavam diretamente o país quando se tratava de assuntos internacionais. Esta influência foi o que levou os Haas a construírem Vuurvast, a mansão-fortaleza, na época praticamente um consulado holandês na Bélgica.

Na língua holandesa, Vuurvast significa “à prova de fogo”, e representava a invulnerabilidade do edifício. As paredes sólidas eram rocha pura, e a madeira do piso era tão maciça quanto aço, e quase impossíveis de queimarem. Várias décadas se passaram sem nunca ter presenciado casos de infiltração ou rachaduras. Os cupins sequer conseguiam causar dano. Eram três andares e uma enorme garagem, feita pra poder abrigar os luxuosos carros das duas famílias aliadas.

Adorava correr pela casa brincando com Luke. Virávamos a poderosa mansão de cabeça pra baixo com tanta bagunça.

–Lucy, controle-se! – mamãe gritava do alto da escada. Virava cinco esquinas entre os vários quartos e salas de estar, e escapava dos olhos dela com Luke sempre logo atrás.

–Você tem que ser mais rápido, irmãozinho. – dizia a ele. – Se correr o suficiente, vai poder fazer o que quiser sem que ninguém te pegue. Agora venha, pegue-me se puder! – voltei a saltitar ligeira pelos corredores.

Corri através de cada decoração nos corredores, desci as escadas em espiral para o segundo andar, e segui direto até as grandes escadas que levavam ao hall no andar térreo. Trotei pelo tapete macio da entrada e saí para o jardim, onde descansavam as estátuas dos mais importantes antepassados da família de meu pai. Eram esculpidas em bronze em tamanho real, super-realistas e expressivas. Haviam cinco estátuas, sendo a central a figura do Grande Attila, o primeiro Haas. Ele dera a ordem de construir Vuurvast pouco antes de falecer, deixando a seus quatro filhos, também imortalizados em estátuas, a responsabilidade de manter o negócio da família. Attila repousava em seu trono de bronze sob a luz pálida da Europa à tarde. Seus filhos o guardavam imponentes, com o metal de seus corpos quase opacos com a ausência do sol. O baixo gramado verde-escuro completava o ambiente do jardim e escondia os carros na garagem interna.

De repente, o grande senhor de bronze sumiu; e com ele seus filhos; e com eles o gramado e todo o jardim. Procurei por Vuurvast, mas havia sumido também. Quando virei-me de volta para frente, pensei por um momento que Attila tinha ganhado vida: um grande guerreiro em armadura metálica estava na minha frente, com rostos entalhados ao longo de seu dorso e uma longa e espessa capa negra.

–Lucy Haas... Tu fostes escolhida... – pareciam ter duas vozes falando ao mesmo tempo, ou talvez três ou até mais. – Chamo-me Thanatos, o deus da morte e da destruição. Tu serás a ceifadora das Colinas do Vento.

–O quê? – cheguei a achar que havia escorregado e batido a cabeça em algum ponto da corrida com Luke. Devia estar sonhando. – O que está acontecendo?

–Dou-lhe este arco; ele dará a ti a força que precisa. Suas setas nunca acabarão, e rocha alguma ficará em teu caminho. Teu toque as derreterá, e não haverá obstáculos para ti.

Peguei o arco, e me convenci de que aquilo tudo era real demais pra um sonho. A arma era fosca e negra, e tinha entalhes nas pontas que lembravam crucifixos. Não havia corda para puxar, mas arrisquei um teste. Ao tocar o centro do arco, estiquei pra fora uma flecha feita do mesmo material negro. Mirei para algum lado, e visualizei um grande céu esbranquiçado à minha frente, banhando a montanha onde eu estava ao lado do guerreiro de armadura. Enxergava no horizonte outra montanha, e outras ao redor. Eram todas parecidas, cinzentas e sem vida, cobertas por um manto de grama escura. Lá embaixo existiam pequenos vales entre as colinas, providos de pouquíssima vegetação e nenhuma árvore.

–Encontrarás as almas dos mortos nesta região. Deves tocá-las com teu arco, e ao final do dia as leve para o norte, onde encontrarás a Caixa de Pandora. Com o mesmo toque do arco, as almas devem entrar no baú.

–Porquê eu tenho de fazer isto? – perguntei.

–Não tem – a voz respondeu. – Mas se não o fizer, mato-te aqui e agora. É tua escolha.

Tive de aceitar. Não haviam alternativas, e eu sequer estava entendendo o que se passava. Os dias passavam e eu fazia aquilo que me fora ordenado. Levava almas até a tal caixa, e me mantinha viva. Me deparei com criaturas estranhas naquelas montanhas. Cheguei a ser atacada uma vez, quando dormia. Uma espécie de canídeo cinzento me mordeu, mas consegui me desvencilhar e afugentá-lo com meu arco. Seus dentes, tão grandes que o impediam de fechar a boca, dilaceraram meu braço, mas a ferida fechou instantaneamente. Eu não dormia, comia ou ia ao banheiro. Não sentia mais necessidades.

Certo dia, do alto de uma colina, enxerguei um pântano extenso, que parecia não ter fim seja qual fosse a direção que olhasse. Desci até lá, e andei por algumas horas. A umidade pesava os pés na lama, e a névoa deixava ver não mais que três arvores de distância de mim. O pântano tinha diversas formas de vida, peixes e anfíbios estranhos, insetos do tamanho de maçãs e árvores enrugadas que lutavam contra seu próprio peso. Alguns vultos sinistros me pegavam de surpresa, e desapareciam na neblina. Um desses vultos revelou-se.

–Oi, você está perdida? – um homem perguntou. Magro e alto, olhar firme e cabelos meio enrolados.

–Não... – não tinha pensado em direções. Entrei demais na mata e não sabia voltar. – Quero dizer, sim. Pode me ajudar a voltar pra Colina dos Ventos?

–Claro. É por aqui. – ele indicou uma direção, e convidou-me a ir com ele. – Sou Erick. E este é o Lago da Vida, é onde eu coleto minhas almas.

–Eu sou Lucy. Não sabia que tinham outras pessoas aqui.

–Ah sim, existem mais. Somos seis no total, cada um em uma região. Além de nós tem o Arthur na Grande Tundra, Azalee no Mar de Cinzas, Mei nos Campos Perpétuos e Harry na Taiga Negra. Thanatos nos escolheu a dedo para o serviço.

–Uau, muita informação. Você fala com Thanatos?

–Às vezes. Sou o ceifador mais antigo, acho que isso me deu alguma notoriedade. Posso dizer que Thanatos confia em mim.

–Sobre o que conversam? Ele é mesmo... um deus?

–Ele é sim. Um deus grego, na verdade. A personificação da morte. Normalmente ele me dá serviços especiais, como ir à Terra buscar alguma coisa, às vezes, outros lugares...

–Então você pode voltar pra Terra? – era uma ótima notícia. Talvez eu poderia ver Luke de novo! Já perdi a noção do tempo, não sei quantos anos ele deve ter agora... Ele deve ter crescido tanto!

–Eu vou quando me é pedido – Erick continuou. Só agora reparei que ele também tinha uma arma negra. Era uma dupla de foices pequenas, ligadas por uma corrente. Lembro-me de ter visto uma dessas na televisão: se chamava “kusarigama”. – Não tenho nada na Terra. Nem pais, nem irmãos ou lar.

–Sinto muito... Será que você não pode me ajudar a ganhar a confiança dele também? Quem sabe ele me manda buscar alguma coisa na Terra?

–Posso tentar, mas já vou avisando. É inútil, ele já tem a mim.

Seguimos para o sul, rumo ao castelo onde morava o deus da morte. A longa travessia pelo Lago da Vida durou algumas horas, nas quais Erick me contara algumas coisas sobre Thanatos. Acontece que sim, existiam os deuses gregos e também os nórdicos. De alguma forma, todos morreram e restara apenas Thanatos. Mas enfim havíamos chegado. O castelo era rodeado de um enorme fosso, e em seu fundo haviam grossas estacas de madeira escura. Atravessamos a ponte reta, construída com pedregulhos brancos, em direção ao portão: duas portas de quatro metros de altura cada, e quase o mesmo de largura. Era madeira revestida de ferro, e Erick custou para abri-la tamanho seu peso. Dentro das muralhas, percorremos um pequeno pátio de terra até a fortaleza, recepcionada pela sala do trono onde sentava Thanatos.

–Saudações, meu senhor – disse Erick, se ajoelhando; imitei-o como um espelho. – Perdoe-me incomodá-lo, mas acabei encontrando Lucy no Lago da Vida, e ela diz desejar servir ao senhor assim como eu.

Percebi o modo como Erick demonstrava respeito a Thanatos. Certamente, um deus deveria apreciar ser adorado.

–E por quê tens este desejo, menina? – as vozes ecoaram pelas paredes do castelo, multiplicando-se ainda mais.

–Admiro sua força, senhor Thanatos. Quero mostrar-lhe minha lealdade.

–Interessante... Os outros ceifadores não veem da mesma forma. São uns ingratos, não reconhecem o presente valioso que eu os dei tirando-os de suas insignificantes rotinas. Sacrifícios são necessários, mas eles não abrem mão de suas famílias patéticas. Pois bem. Permitirei que me ajude, menina. Deverá mostrar tua lealdade ao todo-poderoso deus da morte, matando teu próprio sangue.

–O que isso quer dizer? – perguntei.

–Deve matar sua família. – Erick disse. – É o modo de mostrar que Thanatos está acima de qualquer prioridade sua.

–Não – levantei-me de uma vez, quase perdendo o equilíbrio para trás. – não é isso o que eu queria!

–Tu desejaste servir a mim. Este é o preço. Pague-o, ou tomarei as almas de sua família eu mesmo. Isto já estava pra acontecer antes de tu chegares, Lucy. Erick foi quem sugeriu a ideia, isso evitará tentativas de fuga dos ceifadores.

–Foi você? – virei-me indignada para Erick. Aquele cretino! Era fácil pra ele, pois não tinha família para perder. – Seu miserável!

–É para um bem maior, Lucy. – ele respondeu, frio como gelo. – Todos que você conhece morrerão um dia. Exceto Thanatos e os ceifadores. Temos que nos apegar ao que realmente vale a pena.

–Decida, Lucy. Onde está tua lealdade?

Thanatos mataria minha família de qualquer jeito e neste ponto, recusar significaria a minha morte também. Mas se eu assumisse a responsabilidade, talvez houvesse um jeito de mantê-los vivos.

–Tudo bem – eu disse. – Farei o que pediu.

...

Havia se passado vários meses, e eu já dominava completamente meus poderes: meu toque esquentava rochas ao ponto de torná-las lava. Enfim, lá estava eu, à frente do grande Vuurvast. As estátuas de bronze estavam lá como sempre estiveram. O jardim, os portões, a garagem... Tudo igual, exceto pelo silêncio. A casa parecia estar em luto se comparada com a época em que eu e meu irmão brincávamos felizes. Era noite, e as luzes estavam todas apagadas. Thanatos enviara Erick comigo, para ter certeza de que eu não tentaria nenhuma besteira.

–Sabe que eles morrerão de qualquer jeito né? – Erick disse. – Se não for você, será Thanatos. E mesmo que não fosse, um dia morreriam de velhos.

–Eu sei. Mas tem que ter outra alternativa.

–Não tem. Seus pais devem morrer hoje, e eu devo levar suas almas.

Erick fez um gesto com a mão perto da fechadura do portão, que brilhou numa aura branco-gelo, e o portão de repente se abriu. Eu entrei no jardim, pensando em um jeito de evitar o inevitável: nada surgia à cabeça. Ao menos, nada que mantivesse todos vivos. Quando me dei conta que não havia alternativa, já estávamos subindo para o terceiro andar. Entrei pela grande porta dupla de carvalho do quarto de meus pais e lá estavam eles. Lucille Bell e Gregor Haas. Apesar de muito ocupados com o trabalho, eram meus heróis.

–Faça – disse Erick.

Meu corpo recusava-se a se mexer. Apenas soluçava em prantos, enquanto procurava coragem em algum lugar dentro de mim. Eu estava bem ao pé da cama, e Erick me observava da porta. Caminhei até um dos lados da cama, com medo de pensar no que aconteceria. Sussurrei um pedido de desculpas, e saquei meu arco das costas. Puxei dele uma flecha negra e ajoelhei-me na frente de meu pai. “Pelo menos eles não vão sentir dor”, pensei. “Não saberão o que aconteceu. Não vão ficar tristes.”

–Perfure a cabeça – Erick aconselhou. – Não vai dar tempo de acordar.

Foi o que eu fiz. Apunhalei a cabeça de meu pai com a flecha, rápida e chorosa. Saiu apenas um fio tímido de sangue de trás de sua orelha, mas ele não havia se mexido. Sequei as lágrimas, e dei a volta na cama até minha mãe. Já estava de joelhos quando notei no criado-mudo a foto de nossa família à frente da mansão, ao lado de um jornal que datava do ano passado. “Seis pessoas somem misteriosamente ao redor do mundo”, dizia a manchete, acompanhada de uma foto minha e dos outros ceifadores. Nós fomos tirados do mundo sem nenhuma explicação para aqueles que nos amavam. Voltei a secar as lágrimas uma última vez, e com a mesma flecha perfurei minha mãe. O sangue misturou-se ao ruivo de seus cabelos, e caiu no travesseiro. “Me perdoa, mamãe”, pensei. Levantei-me e fui até Erick, ainda com meus olhos inchados e vermelhos.

–Parabéns, Lucy. – ele disse. Caminhou até o pé da cama e sacou sua kusarigama da cintura. Girou uma das pequenas foices e laçou no ar acima de meus pais suas almas, que foram sugadas pra fora de seus corpos. – Agora vamos, Thanatos nos espera.

Erick não tinha conhecimento de Luke. Isso me encheu as esperanças de salvar ao menos meu irmãozinho. Eu tinha de despistá-lo de alguma forma.

–Posso ficar aqui mais algum tempo? – perguntei. – Quero me despedir dos meus pais.

–Pode, mas não demore muito. Thanatos foi cuidar das famílias dos outros ceifadores, e estará de volta logo. Temos de continuar o trabalho com as almas no Limbo.

–Tudo bem, não vou demorar.

Erick seguiu seu caminho, e eu voltei ao Vuurvast atrás de Luke. Ele estava em seu quarto, e ainda era um pequeno garotinho. Tinha crescido só um pouco, mas já devia ser tão rápido quanto eu era.

–Você tem que ser rápido, irmãozinho – sussurrei pra ele. Peguei-o em meus braços, e ele dormia como uma pedra. – Se for rápido o bastante, eles não te pegarão.

Enrolei-o em um manto e o levei comigo para o portal da Europa por onde vim com Erick. O portal ficava no sul da Alemanha, mas fui rápida o suficiente para chegar antes do amanhecer, devido aos atributos físicos de um ceifador. Uma vez na sala de portais de Thanatos, entrei no que ia para a América. O sol que antes estava prestes a sair, agora tinha recuado: eu estava no Brasil, mais precisamente na floresta Amazônica, onde o fuso horário era cinco horas a menos. Corri a toda velocidade em direção ao norte, e quando o sol já estava quase nascendo, eu estava no meio do estado do Texas, nos Estados Unidos. A estrada me levou a Dallas, e não havia mais tempo: deixei Luke, ainda dormindo, na porta de um orfanato. Toquei a campainha e corri de volta para o portal no Brasil.

...

Passaram-se pouco mais de dois anos desde que passei no teste de Thanatos. Erick mostrara-lhe as almas de meu pais, mas desde então Thanatos havia apenas me encarregado de serviços no Limbo. Um dia, me mandou atrás de um grupo de troca-peles que estava rondando as ruínas do norte. Não que fosse incomum encontrar essas criaturas no Limbo, mas eles poderiam danificar a Caixa de Pandora. Enquanto ainda não encontrarem uma forma perfeita, são bem fracos e medrosos, mas Erick disse que quando acertavam a transformação, eles viraram feras devastadoras as quais chamamos de colossos, e seria muito difícil de pará-los sozinho. Felizmente para nós, era bem raro de acontecer.

Erick e eu caminhávamos entre as Colinas do Vento rumo ao encontro de um colosso enquanto ele me contava suas aventuras. A cada dia que passava, eu odiava-o mais e já não caía no papo dele. Eu via como ele era um oportunista e um manipulador. Fora assim que se tornou faz-tudo de Thanatos, e plantou nele a ideia de destruir as famílias dos ceifadores. Era ele o culpado pela morte de papai e mamãe. Mas Luke ainda estava vivo: eu vigiava-o todos os dias, vendo se crescia bem. Estava atenta caso Thanatos descobrisse de alguma forma, e estava disposta a enfrentar quem quer que fosse para protegê-lo.

–O que é isto? – perguntei a Erick, apontando sua bolsa de couro que carregava ao lado da cintura. Ela segurava um grande livro, embora fino em sua espessura.

–Foi um presente de um amigo. – ele respondeu. – Ganhei-o em minha última viagem a Valíseos.

Valíseos era um mundo paralelo ao dos homens com raças menos civilizadas, onde era comum o uso de certas magias. Pouco Erick havia me contado sobre o lugar, mas parecia um lugar interessante. Os povos de Valíseos tinham contato direto com seus deuses, e eram todos muito misteriosos.

–Me pergunto que tipo de assunto Thanatos tem em Valíseos.

–Ele não tem. Vou por conta própria.

–Parece então que estou muito abaixo do seu nível. Espero um dia ter esta liberdade de ir e vir.

–Tenho certeza que seu dia chegará. Só faça seu trabalho.

Avistamos no topo de uma das colinas o grande colosso que nos aguardava. Aquele tinha tomado uma forma totalmente desconhecida por mim: um corpo encouraçado coberto de pelos, com quatro asas, dois braços e nenhuma perna; sua cabeça assemelhava-se a um pássaro e tinha olhos amarelos como o sol.

–Lá está ele – Erick anunciou. – Eu o imobilizo e você finaliza.

Dias atrás eu havia descoberto que Erick possuía o dom da telecinese, e agora ele a usava para voar até pouco mais alto que a criatura. Ela bateu suas asas, todas de uma vez, e os ventos da colina se agitaram. Primeiro, Erick tentou controlar o colosso com seu poder, mas a fera era muito forte e deu uma investida nele. Conseguiu esquivar, mas o monstro deu meia-volta e tornou a atacar, errando mais uma vez e tentando de novo. Quando eu atirei-lhe uma flecha que atingiu seu rosto, o colosso ficou desorientado, e teve de pousar desajeitadamente na colina para recuperar o equilíbrio. Foi quando Erick laçou-lhe o pescoço com a kusarigama, cravando as foices em sua clavícula. O colosso caiu para trás antes de poder reagir, de modo a impedí-lo de bater as asas. Pulei sobre seu peito, e tomei ciência do seu tamanho real: o tamanho de seu olho ultrapassava o de minha cabeça, mas de longe parecia menor por não ter pernas. Erick posicionou uma rocha acima da cabeça do gigante com sua telecinese, e eu a olhei lá em cima, uma enorme pedra com uma aura branca. Já sabia o que queria fazer. Erick deixou-a cair na cabeça do colosso, esmagando-lhe o bico. Toquei a rocha com a mão esquerda, e logo ela se desfez em lava, queimando o colosso tanto por fora quanto por dentro.

...

Na semana seguinte, vi um grupo dos troca-peles, canídeos iguais ao que me mordera em meus primeiros dias, em um dos vales das Colinas. Atacavam uns aos outros, disputando algo que arrastavam pelas presas. Haviam quatro deles, que fugiram assim que me viram descer a montanha, deixando pra trás o motivo da briga: a bolsa de couro de Erick, agora toda dilacerada, segurando o livro em seus fiapos. Provavelmente havia caído de seu cinto no momento que aquele colosso o perseguira pelo céu.

Apanhei o livro da bolsa, e sua capa era de um roxo pálido e possuía certos entalhes em relevo formando estranhas figuras circulares. Estava um pouco arranhado, mas ainda em perfeitas condições. Abri a primeira página, onde encontrei o título “O Legado de Runak”. As páginas seguintes continham uma biografia de Runak: era descrito como revolucionário, criador da nova era da magia de Valíseos. Ele fora exilado de sua cidade por executar magias proibidas por seu povo, os Greylocks. Nas folhas seguintes, estavam registrados vários feitiços de sua autoria, e um deles chamou minha atenção: a ressonância de alma. Esta magia permitia compartilhar metade de sua alma com algum parente de mesmo sangue, e sua principal aplicação era passar poderes de pais para filhos como herança. Era comum em Valíseos existirem pessoas poderosas, graças à presença da magia.

Marquei a página e guardei o livro, pois poderia usar o feitiço para dar algum poder para Luke, e assim ele poderia defender-se sozinho caso fosse descoberto. E assim o fiz: o ritual exigia apenas poucas gotas do meu sangue, usadas para desenhar uma figura mágica de um círculo contornando dois triângulos, e mais um círculo menor os cruzando. O fiz na testa de Luke enquanto dormia, ainda bebê no orfanato. Ele pareceu absorver o sangue em sua pele, indicando que o feitiço havia sido um sucesso.


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Notas finais do capítulo

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Novos capítulos deverão sair semanalmente, não percam o próximo =)



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