Somente à noite escrita por Ys Wanderer


Capítulo 35
Nada como a vida real


Notas iniciais do capítulo

♥ Agora só falta o final. Já agradeço desde já quem me acompanhou ♥



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Davi

Lembro que não consegui dormir na noite em que beijei Anna pela primeira vez, pois eu repetia os detalhes de segundo em segundo, em looping, por medo de esquecer as sensações. Eu queria gravar cada expressão dela, cada palavra, cada olhar, pois, com a minha sorte para ter azar, talvez aquilo poderia ser tudo que eu teria dela.

Mas aconteceu de novo. E de novo. E de novo. E quando vi estávamos namorando. E só Deus sabe o esforço titânico que eu fazia para me controlar toda vez que aquela garota encostava em mim.

 E ela bem sabia disso, pois gostava de me provocar, beijando, mordendo, pegando. Desde então, Anna vinha sendo responsável pela minha insônia constante e pelos meus pensamentos mais impróprios. Algumas vezes, quando estávamos sozinhos, eu achei que atravessaríamos a linha de chegada, mas logo os meus desejos se desvaneciam e ela somente ria do meu embaraço. Era tão insuportável que eu tinha que correr para casa e me trancar no quarto para poder me... “acalmar”.

E agora que acontecera, que realmente acontecera, eu agradecia aos céus por estar vivo e por tê-la conhecido. E nada do clichê que alguns dizem após algo muito bom acontecer, sobre enfim poderem morrer em paz. Eu queria mais era viver para sempre só para podermos repetir tudo novamente.

— Isso foi a coisa mais extraordinária que eu já fiz e senti em toda a minha vida! — Eu sussurrei no ouvido dela, enquanto ainda estávamos entrelaçados em sua cama. — E a imaginação é tão diferente da realidade...

— Você disso a mesma coisa da primeira vez. — Anna deu um sorrisinho envergonhado, o rosto dela parecendo resplandecer apesar da pouca luz no quarto. Já era madrugada alta e estávamos somente nós dois na casa dela, e o único barulho que ouvíamos era o cricrilar dos grilos lá fora. — E você tem razão. — Ela se ergueu, ficando com o rosto acima do meu. — A imaginação pode ser poderosa, mas nada como a vida real.

Sem sombra de dúvida não havia a menor comparação!

— Eu não quero que isso acabe nunca. — Falei enquanto acarinhava sua bochecha. — E não me refiro somente a esse momento, mas a todos os que passamos juntos.

— Eu também não quero que acabe nunca. — Anna respondeu, deitando-se sobre o meu peito. — Nem esse momento e nem os outros.

Estávamos sem roupa, nos cobrindo apenas com um fino lençol, e aquele era, junto com a nossa primeira vez, o dia mais feliz de toda a minha vida. Se bem que acho que toda a vez que dormíssemos juntos seria o dia mais feliz da minha vida.

— Eu estou com tanto sono. E com fome também. Deve ser porque já estamos aqui há horas... — Eu me espreguicei, meu corpo flutuando em um estado de bem-estar jamais sentido, e Anna pareceu despertar. Ela então se levantou bem rápido, cobrindo-se inutilmente, até alcançar o celular na mesa de cabeceira.

— São quase três e meia da manhã! Hora de ir. — Ela catou minhas roupas no chão e foi atirando peça por peça em mim. — Anda logo! Rápido!

— Então é assim? Você me usa e depois joga fora? E o que aconteceu com o “eu também não quero que esse momento acabe”? — Brinquei, fazendo beicinho, o que arrancou uma gargalhada genuína dela.

— Minha família está prestes a chegar. Tem certeza que está preparado para enfrentar todos eles e seus comentários sórdidos?

Anna amava a família e eu aprendera a amá-los também. Mas, céus, eles bem sabiam como me deixar constrangido...

— Tá bom, se é isso que você quer. — Falei enquanto me vestia. — Mas me sinto tão sujo saindo daqui essa forma. Eu sou um brinquedo para você?

— Para de drama! — Anna, que acabara de pôr – para a minha tristeza— a última peça de roupa, me deu um tapa no ombro, rindo por causa das minhas bobagens. — Sério, melhor você ir.

Peguei todos os meus pertences e me ajeitei o melhor que pude. Descemos às escadas de mãos dadas, e quando já estávamos no portão Anna me ajudou a arrumar o meu cabelo. Ela passava os dedos suavemente, tentando me pentear, e eu só conseguia ver o quanto ela era bonita.

— Eu te amo. — Disse, como dissera milhares de vezes nos últimos dias, pois agora eu já não tinha nenhum medo. Então a beijei, do jeito que eu sempre sonhara, do jeito que me fazia sentir todas as coisas de uma única vez.

— Eu também. — Ela respondeu, carinhosa. — Eu também. Agora... vaza. Está tarde, e é perigoso. E, por favor, me avise quando chegar.

E assim, após outro beijo que fez valer a minha existência na terra, eu fui embora, mas deixando um pedaço de mim com ela. A rua estava escura, vazia, e o silêncio chegava a ser ensurdecedor.

Mas aquela madrugada fria, que formava chuva, já não me assustava mais como antes.

****

— Como eu estou? — Papai perguntou e eu não sabia o que dizer. Não por conta da pergunta – ele estava bem elegante e bonito, aliás – mas conta de sua empolgação com a situação, digamos, inusitada.

Era véspera de natal e nos aprontávamos para o jantar em família. Não que isso já não tivesse acontecido outras vezes, mas sempre havia sido mais um espetáculo teatral do que outra coisa. Mamãe convidava um monte de gente aleatória, papai ficava conversando com alguém o tempo todo, e eu fugia para o meu quarto assim que possível. Teve um ano, juro, que Sandra até encomendou um cisne de gelo, mas o pobre animal derreteu devido ao calor do verão antes mesmo do relógio bater meia-noite.

Porém, esse ano seria diferente.

Seríamos somente nós quatro: mamãe, papai, Maria e eu.

— Você está fantástico. — Respondi para ele. — Fantástico até demais. Acho que não precisamos mais de ternos, não é? Que tal uma camisa simples, branca, e uma calça jeans?

Papai riu, se dando conta do exagero, e eu o ajudei a vestir uma roupa mais casual. Adorei ver a transformação, pois ele ficou até parecendo mais jovem.

Parecendo comigo.

Outra situação inusitada é que tínhamos ido para à cozinha. E eu nem mesmo sabia que papai cozinhava! Ele disse que gostava de fazer isso, antes de se ocupar com outras coisas e o trabalho. Então foi com surpresa que vi um peru sem graça virar um assado espetacular, e outros ingredientes se misturarem e virarem maravilhas em suas mãos. Maria fizera os doces (eu ajudando os dois em tudo) e, apesar do trabalho e do cansaço, fora memorável.

Eu jamais imaginaria que era possível ser tão feliz.

Bom, Luis e Sandra finalmente estavam divorciados, mas eu tinha a sensação de que ele faria de tudo para reconquistar aquela mulher. E quando ela chegou, linda como sempre, mas ao mesmo tempo diferente, eu me peguei imaginando se não haveria uma possibilidade de chance para nós.

Talvez milagres de natal ainda pudessem acontecer.

Combinamos que naquele ano não haveria presentes – que quase sempre eram coisas caras encomendadas pelo secretário do meu pai. Porém, eu não consegui me conter, a criança em mim toda bobona por ver os pais tentando ao menos serem amigos, então comprei para eles livros que imaginei que poderiam gostar. Já Maria disse que queria apenas um perfuminho, mas acabei lhe dando logo a cesta toda de produtos e ela ficou muito feliz.

Foi uma noite feliz e amena. Nós conversamos bastante e mamãe até perguntou sobre Anna. Eu sabia que ela ainda não a tinha aceitado na sua totalidade, mas, segundo as palavras dela, era impossível não ver nos meus olhos o quanto aquela “criatura peculiar” me fazia bem. Papai riu do esforço de Sandra em ser mais ou menos educada e Maria piscou para mim, pois ela também estava vendo o que eu via.

E depois que o jantar acabou mamãe se foi, me surpreendendo ao desejar Feliz Natal através de um abraço apertado. Ela depois me beijou no rosto e, sorrindo, apertou minhas bochechas, e eu momentaneamente voltei a ter apenas cinco anos. Era tudo tão bom que eu mal podia esperar para ligar para Anna.

— Feliz Natal, Davi! — Um coro de vozes infantis gritou no meu ouvido assim que liguei para ela. — Quando cê vai vi pa gente te conhecer? — Outra vozinha perguntou, mas eu não consegui distinguir se era um menino ou uma menina por conta da pouca idade e da fofura. — Ei, gente, um pouco de privacidade, por favor? — Agora quem falava agora era minha namorada rabugenta e sorridente. — Oi, Davi. Tudo bem por aí?

— Feliz Natal para vocês também. Parece que já sou conhecido por essas bandas. O que você anda falando de mim, Anna?

— Que eu conheci um bocó. — Ela respondeu, gargalhando. — Não, é sério. Tá tudo bem? Estou preocupada.

— O jantar foi ótimo. — Me peguei dizendo com muita satisfação. — Na verdade foi tão surreal que estou até agora me perguntando se tudo não passou de uma alucinação. Nós conversamos, brindamos... mamãe até mandou um Feliz Natal para você e toda a sua família!

— Jura? Quanta mudança. Parece que agora finalmente ela vai para o céu. — Anna riu. — Mas, enfim, você está feliz?

— Muito. Só não tanto porque não estou perto de você. — Tentei soar galante.

— Eu também queria estar perto de você. Mas não se preocupe que logo eu já estou de volta. Agora tenho que desligar, já é tarde e eu tenho que colocar essas pestes para dormir.

— Eu te amo, Anna. — Disse. — Isso não teria sido possível sem você.

— Eu já disse que você é doido?

— Já. Um milhão de vezes. — Eu ri. — Anna, obrigada por tudo mesmo. Feliz Natal.

— Feliz Natal para você também, bocó. Eu te amo. — Anna respondeu e desligou, e eu fiquei lá, olhando o nada, com um suspiro de contentamento me deixando realmente um bocó.

Ah, como a vida era boa!

***


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