Um ano realmente novo... escrita por Mariana Lótus


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Feliz Ano novo pessoal!!! ♥



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Mais um ano novo que chega, como todos os outros... Não sei por que as pessoas encaram essa data como se no dia primeiro de janeiro suas vidas fossem mudar drasticamente da água da torneira para um champanhe francês, como num passe de mágicas. Santa inocência que me irrita, no máximo a fatura dos cartões de crédito é que virão exorbitantes e o mundo continuará exatamente como sempre foi.

Agora, convenhamos que eu, Félix Khoury, um ser tão esclarecido e ciente quanto a essas baboseiras, ter que aturar um monte de gente hipócrita que só tem inveja ou não me suporta querendo dar felicitações como se fossemos amiguinhos de infância é o apocalipse. Definitivamente, esse é um outro ponto que me faz não gostar dessas festas, a falsidade de ano novo nunca foi algo que eu conseguisse tolerar bem, mesmo com as minhas piadas sarcásticas que faziam a mamy querer me fuzilar apenas com um olhar.

Para piorar as coisas, já são quase nove horas da noite do dia 31 de dezembro e eu ainda estou aqui, tendo que dirigir até a capital para tentar chegar a tempo para o circo todo. Bela hora que achei de passar uns dias em Angra para espairecer um pouco antes das confraternizações de ano novo. – É Félix... Parece que seu réveillon não vai ser mesmo dos melhores.

A estrada estava muito escura, apenas a luz da lua e o farol alto o ajudavam a enxergar um pouco melhor o percurso e a vegetação ao seu redor. E Félix já começava a desconfiar que pegar um atalho um pouco distante da estrada principal não tinha sido a melhor de suas ideias. No pequeno trecho mais afastado e deserto em que ele se encontrava agora, a iluminação era realmente péssima e as irregularidades da pista mal asfaltada exigiam uma atenção redobrada por parte dos motoristas. Neste momento, o atraso para as festividades da família não era mais sua principal preocupação.

Para ajudar a melhorar tudo, seu celular já começava a tocar novamente. E essa maldita música já tinha se tornado a trilha sonora de toda a sua viagem, porque já era a sétima vez em menos de cinco minutos que se ouvia aquele som de violinos, que em um outro momento ele adorava a ponto de o escolher como o toque de seu celular, mas agora estava o deixando louco. Félix desviou sua atenção rapidamente para olhar o visor do aparelho e verificar que era sua irmã Paloma, com certeza sua mãe tinha mandado ela ligar. Mas ele não iria cair nessa, sabia que se atendesse Pilar arrancaria o telefone das mãos de Paloma para o xingar até a sua quinquagésima geração. De qualquer forma, sua mãe com certeza iria lhe culpar eternamente por esse atraso, mas poderia esperar mais um pouco, para fazer isso pessoalmente.

E por um golpe do destino foi assim que tudo mudou, pois como se diz, a vida é um fio que a qualquer momento ou mudança de vento pode ser sacudido ou rompido de vez. Foram uns poucos cinco segundos apenas, que não fariam qualquer diferença normalmente. Mas quando Félix retornou a atenção para a estrada a sua frente algum animal atravessou correndo a dianteira do seu carro, e de repente o caminho ficou estreito demais para desviar. Tudo foi muito rápido, com o susto ele involuntariamente agarrou com toda a força o volante do carro, e ainda tentou sem sucesso não perder o controle. Mas apenas pôde escutar o barulho ensurdecedor da freada e um zumbido desconfortável tomando os seus ouvidos. Seu corpo não conseguia mais ter qualquer reação, sua cabeça estava tão atordoada que não conseguia formular pensamentos coerentes e o cheiro de combustível já se impregnava fazendo seu nariz arder. De alguma forma compreendera que ali era o fim da sua estrada, e de repente tudo foi apenas escuridão.

Mas dizem que quando alguém morre não sente mais dor, então isso foi um fio de esperança que surgiu quando antes mesmo de abrir as pálpebras com dificuldade Félix sentiu dores em todo o seu corpo. E assim que conseguiu vencer a visão turva e enxergar alguma coisa, viu que estava na beira da estrada, à mesma estrada escura de antes. Ao longe vislumbrou muita fumaça e seu carro totalmente carbonizado em meio ao fogo que ainda o consumia. Voltando sua atenção para onde estava no momento, à luz baixa de um farol iluminava minimamente aquela parte em que ele se encontrava deitado sobre algumas folhas. No entanto, em segundos seus pensamentos que se organizavam de modo coerente foram varridos de sua mente e interrompidos bruscamente quando sentiu uma mão mexer em seu tornozelo apertando-o e causando uma dor excruciante. – Filho de uma mãe... Desgraçado!

Demorou alguns minutos para aquela dor ser amenizada e Félix perceber que seu tornozelo tinha sido imobilizado. A mão que antes lhe causara uma dor descomunal agora estava com uma garrafa de água molhando delicadamente o seu rosto e em seguida a colocou em sua boca fazendo-o tomar alguns goles.

– Como você está se sentindo? Aquela voz atingiu os seus ouvidos e algo em seu peito reagiu estranhamente.

– D-digamos que já estive bem melhor... Sua voz saiu um pouco mais baixa que o normal.

O outro rapaz pareceu rir timidamente e Félix se irritou mais ainda, ele estava ali machucado e exaurido no meio da estrada e uma pessoa ali ainda ria dele, sinceramente, devia ter afundado a arca de Noé para ter que passar por isso. O homem apenas colocou a cabeça do moreno em seu colo deixando Félix ainda mais irritado e assustado.

– Assim você respira melhor. Explicou o rapaz.

Félix então se revoltou. – Você vai ficar aí parado enquanto eu estou aqui morrendo, é isso?

O indivíduo permanecera inabalável e Félix não sabia se era isto ou a tensão que o deixavam ainda mais zangado no momento. Contudo, quando mãos acariciaram levemente seus cabelos negros foi o primeiro momento em que ele se permitiu relaxar um pouco desde que abriu os olhos. – Você não vai morrer... Pode ficar tranquilo. E eu já chamei o socorro antes da bateria do meu celular acabar, mas creio que vá demorar para chegarem até aqui.

– Mas você tem um carro, poderíamos ir logo para um hospital...

Ele suspirou. – Até poderíamos... Se eu não tivesse ficado sem gasolina.

Agora foi a vez de Félix deixar um sorriso de escárnio escapar. – Claro, comigo as coisas sempre podem piorar... Reclamei tanto da festa de réveillon da minha família que agora estou aqui, machucado e possivelmente vou romper o ano na beira de uma estrada escura com um estranho.

– Não seja por isso... Nicholas prazer. Félix estava em seu colo, e devido a escuridão tornava-se muito difícil identificar a fisionomia do dono daquela mão estendida em sua direção.

– Muito reconfortante isso... Levando em consideração que mal consigo ver o seu rosto.

– Pelo menos agora não sou um completo estranho não é... Mas e você, qual o seu nome?

– Félix! Félix Khoury.

– Hum, Félix. Gostei do seu nome, me lembra felicidade. Mas então, me diga, para onde você estava indo passar o ano novo?

Félix não estava mesmo nem um pouco a fim de conversar com alguém que mal conhecia, ainda mais sobre detalhes da sua vida. Mesmo não tendo muito o que fazer ali, apenas os dois no meio do nada, e pelo o que percebera aquele rapaz seria sua única companhia nesta noite. No entanto, isso não quer dizer que teriam que ficar conversando e fazendo confidências como se fossem velhos conhecidos. Então se resignou a não responder e fingir que não tinha escutado.

Mas o silêncio não abalou Nicholas. – Sabe, eu estava indo para a casa de um amigo, e ele possivelmente vai ficar louco da vida quando descobrir que eu não verifiquei a gasolina do carro antes de sair como ele me pediu pra fazer. Mas sabe o que realmente está me preocupando? Eu tinha que ligar para os meus pais na virada do anos... Eles vão ficar muito preocupados. E eu não quero isso, espero que minhas irmãs consigam distraí-los.

Félix já estava incomodado com aquele falatório todo. Será que ele não se cansava? Parecia uma metralhadora desgovernada de palavras. Foi quando ele iria começar a detalhar sua infância com as irmãs que Félix interviu.

– Eu estava indo para a casa da minha família na capital.

– Que legal! Eu adoraria poder comemorar com a minha família também, mas eles moram longe, aí dificulta...

Félix suspirou. - Pois é... Mas eu não tenho o que comemorar, então acho isso tudo uma grande besteira.

Nicholas pareceu pensar por uns instantes. – Essa sua afirmação não é verdadeira...

– Ah! Agora eu sou mentiroso, é isso?

– Você tem certeza que não há nada pra comemorar em um ano inteiro de vida? Eu não acredito nisso.

– Pois pode acreditar.

– Deixa eu te fazer uma pergunta Félix, você consegue enxergar as coisas a sua volta?

Félix revirou os olhos e expirou o ar impaciente. – Olha aqui, eu posso ter muitos problemas, mas minha saúde vai muito bem obrigado. E é óbvio que eu vejo tudo a minha volta perfeitamente.

– Sei... Mas eu não perguntei se você vê, eu perguntei se você enxerga as coisas. Qualquer animal pode ver mesmo a maioria não compreendendo nada. Mas enxergar exige bem mais que usar a sua visão... Pra isso você tem que fazer uso também do seu coração.

– Agora você vai querer falar de coração, é isso mesmo? Félix sorriu debochado.

– E por que não? Eu aposto que você é daqueles que nunca abaixou o vidro do carro para enxergar a vida lá fora. Você deveria experimentar... Iria se sentir maravilhado.

– Maravilhado... Ah tá! Com o que? Aqueles mendigos no meio da rua, a poluição, as filas dos transportes públicos ou os velhos reunidos jogando dominó? A ironia nas suas palavras eram gritantes.

– Com tudo isso e principalmente com a dádiva de estar vivo e poder enxergar a vida com todos os seus problemas, tristezas e alegrias.

Félix mais uma vez não soube como enfrentar aquelas palavras e isso o deixara desconcertado. Mas aquele ser ia justamente falar dessas baboseiras sentimentais, se fossem assuntos importantes como a economia, taxas e coisas assim ele mostraria que era um expert. O mais estranho é que em condições normais se algum indivíduo ousasse ir tirando conclusões sobre ele daquela forma, possivelmente seria vítima de vários xingamentos, mas com aquele homem era diferente.

– É... Eu acho melhor mudarmos de assunto.

Nicholas concordou. – Está bem... Então, falaremos sobre o que?

Félix revirou os olhos mais uma vez e coçou a testa, um claro sinal que a qualquer momento explodiria. – Olha não sei se você percebeu mas eu não gosto muito de conversas... Não foi à toa que fui para Angra sozinho tentar espairecer um pouco e me sentir melhor.

Após um tempo Félix já achava que até que enfim teria um pouco de paz, mero engano. – Hum... Estranho... Ponderou o rapaz.

– O que é estranho criatura?

– Você precisa ficar sozinho para se sentir melhor?

– Sim! Saiba que eu sou muito autossuficiente e não preciso da companhia de ninguém para me sentir bem.

– Não precisa ou não tem?

Félix se ressentiu com aquela pergunta, não com o rapaz que a fizera, mas porque no fundo algo dentro dele sabia que aquela pergunta o atormentava. Mas ele nunca admitiria isso.

– Eu posso ter a companhia que eu quiser! A voz dele saiu bem mais alta que antes.

– Imagino... Mas você fala isso pelo seu dinheiro?

Aquele ser definitivamente era mais audacioso do que Félix pensara. – Escuta! Como você sabe que eu tenho muito dinheiro hein? Me explica porque você deduziu isso.

– Primeiramente pelo seu carro que agora está em cinzas, mas quando eu o avistei assim que ocorreu o acidente, antes de te tirar de dentro, me pareceu ser um automóvel importado. E depois a sua roupa... A camisa que eu rasguei para imobilizar seu tornozelo e seu braço mesmo deve ter custado uma fortuna...

Agora Félix reparava bem nele, não conseguia ver com clareza, mas pela penumbra percebeu que estava usando um casaco que não era dele. Seu braço esquerdo estava imobilizado com algo que parecia madeira e uns pedaços de tecido da sua camisa e seu tornozelo do mesmo lado também. – Você... Que cuidou de mim?

– Sim. Eu estava ficando sem combustível quando escutei o barulho e fui ver o que tinha acontecido. Chegando lá vi que você estava desacordado e pelo cheiro de álcool o carro devia estar com algum vazamento e iria explodir. Então eu te tirei de lá às pressas. E olhando mais de perto vi que você machucou o braço e o tornozelo então os imobilizei.

Félix ficara realmente comovido com aquilo, afinal ele arriscou -se para salvá-lo. – M-muito obrigado...

– Não me agradeça! Fui eu também quem destruiu sua camisa.

– Mas e esse casaco?

– É meu. Meu xodó viu...

– Xiii, pois eu acho que depois de hoje você terá que arrumar outro xodó! Ambos riram, mas o rapaz após pensar retrucou seriamente.

– Não diga isso... Este é o meu casaco da sorte. Eu nunca deixo ninguém vesti-lo! E não o abandonaria por nada...

– Casaco da sorte é? Pois bem, acho que essa noite ele não está funcionando.

– Quem disse? Você está vivo não é? Foi uma grande sorte eu ter te achado. E não fale mal do meu casaco!

Félix franziu a sobrancelha, o cara falava do casaco como se fosse uma pessoa, isso não devia ser normal. – Aposto que minha camisa era bem mais cara que esse casaco.

– Eu concordo! Ele pareceu sorrir discretamente. – Mas no final, o que está aqui te aquecendo?

Félix ficou em silêncio, afinal, ele estava certo dessa vez, novamente... E isso já estava o irritando.

– É incrível, está vendo?

– O que? Félix falou curioso.

– Como no fundo nada disso importa... Tanto faz se seu carro fosse um fusca caindo aos pedaços ou aquele importado, não evitou seu acidente. Suas roupas de marca não te protegeram contra os machucados. E se eu não tivesse chegado a tempo e te tirado de lá nem quero pensar no que poderia ter acontecido.

Félix sentiu um frio na espinha, a recente experiência de quase morrer não saíra totalmente da sua mente ainda, e aquele homem, apesar de despertá-lo uma irritação constante era o responsável por salvar sua vida. – Eu sei... E quero te recompensar!

– Me recompensar? O loiro estava intrigado, mas parecia compreender e não gostar muito do rumo daquela conversa.

– Claro! Eu sou muito rico criatura, faço questão de te recompensar por ter me ajudado. Só é dizer quanto você quer... Olha, esse é o seu presente de ano novo, que tal?

O silêncio foi à resposta imediata que perdurou mais do que o esperado por Félix. Será que tinha sido grosseiro ao oferecer uma recompensa pela ajuda? Mas afinal, que tipo de maluco recusaria dinheiro, ou pior, se chatearia por alguém oferecê-lo?

– Descanse! Eu vou ficar aqui cuidando de você. A voz dele saiu áspera e fria.

– Eu não entendo por que você se chateou.

– Pelo visto, você não entende muita coisa da vida mesmo. Parece que não escutou nada do que eu falei. Aquele tom acusatório fez o sangue de Félix ferver.

– Você quer parar de bancar o maioral! Félix já estava irritado o suficiente com aquela situação toda. E era capaz até de mandá-lo pastar se ele não fosse à única pessoa que o fizera companhia, e a ideia de ficar ali sozinho não lhe agradasse nenhum pouco.

– Me desculpe Senhor Khoury. Ótimo, agora ele estava sendo irônico! As coisas só pioravam.

– E você pode me explicar uma coisa? Por que nós estamos aqui fora e não dentro do seu carro?

– É que... Bom... Eu...

– Você...

O outro pareceu ficar constrangido. – Eu esqueci a chave dentro do carro quando sai pra te socorrer. Por sorte a garrafa de água que estava no meu colo caiu no chão e meu celular mesmo descarregando estava no bolso.

Félix suspirou exausto. – Mas será que eu coloquei pó de mico na manjedoura pra merecer isso?

– Me desculpe...

– Olha, esquece tá! Você não teve culpa, e se não tivesse corrido pra me tirar do carro eu nem estaria aqui mais.

O silêncio se fez presente novamente e o moreno estava quase cochilando quando foi despertado de repente

– 15 mil reais!

– O que?

– 15 mil é o valor que eu queria que você disponibilizasse.

Hum então sua teoria estava certa mais uma vez Félix. Todos têm um preço. Mas era justo... – Certo!

– Eu quero que você doe esse valor para o abrigo de crianças abandonadas que fica próximo ao shopping, na Rua Benfica nº 47.

– Como é que é?

– Ué, você está querendo dar dinheiro e as crianças estão precisando de doações.

Félix permaneceu imóvel e calado, aquele homem, sabe-se lá por que, tinha o dom de deixá-lo assim, sem ação.

O rapaz o aconchegou melhor em seu colo e pela primeira vez Félix conseguira realmente ver um pouco a sombra de Nicholas, e só aquela imagem fez seu corpo estremecer inexplicavelmente. Félix se aconchegou mais nele e sentiu o mesmo perfume que sentira no casaco dele que estava usando. – Você não está com frio?

– Não se preocupe comigo... Você que precisa de cuidados não eu.

– É estranho ser cuidado assim sabia.

– Oras, por quê? Nicholas perguntou intrigado.

– Por que eu nunca tive muito isso...

As mãos dele foram de encontro às do moreno entrelaçando-se. – Eu lamento muito por você... Por que no fim, isso é apenas o que vale na vida.

Félix não conseguia ver, mas sentiu o calor da mão dele apertando a sua. – Você é tão diferente de todo mundo que... Que me assusta... Me faz sentir coisas que eu não estou acostumado.

O rosto do rapaz se aproximou do de Félix que sentiu suas respirações se misturarem, e seu coração pareceu compreender melhor as coisas antes até do que ele próprio. – E isso é ruim ou bom? O rapaz sussurrou perto dele fazendo-o sentir uma ligeira vertigem.

Seria impossível dizer quem tomou a iniciativa, porque provavelmente isso não poderia ser identificado, e nem precisava. Quando as duas bocas se encontraram sentindo a maciez de uma na outra, naquele escuro pareciam querer se descobrir. Nenhum dos dois se importava mais onde estava quando as línguas se esbarraram e isso causou um arrepio que fez eles irem à procura de mais contato, aprofundando mais o beijo. Félix estava com a cabeça próximo ao peitoral do outro e apenas quando tentou levantar o braço um urro de dor o fez atinar para a realidade e partiram o beijo também já sem fôlego.

– Você está bem?

– Estou sim... Só esqueci que não estava numa situação muito boa.

O rapaz abaixou a cabeça e um longo suspiro lhe escapou. Ele ainda tinha Félix em seu colo, mas parecia procurar se afastar um pouco. – Ei! O que houve? Félix estava confuso.

– Eu não devia ter feito isso. Você está machucado, e eu...

– Eu quis tanto quanto você... Ou melhor, eu quero tanto quanto você.

Dessa vez o beijo já havia se tornado cúmplice, porque parecia que já conheciam a boca um do outro com toda autonomia. E estavam tão entregues ao roçar das línguas e encontro dos lábios que nem os fogos de artifício anunciando o novo ano que acabava de chegar o fizeram partir o beijo imediatamente.

– Feliz ano novo Félix!

– Feliz ano novo Nicholas!

E logo já se beijavam novamente totalmente entregues àquele momento, aquilo já estava parecendo se transformar em um vício, porque as sensações que aqueles beijos causavam inebriavam mais que qualquer bebida, e este era o brinde deles... Só deles . Após um tempo mais de troca de beijos e conversa Félix parecia realmente cansado, os machucados e fatos da noite realmente o desgastaram. – Durma um pouco! Eu vou ficar aqui velando o seu sono.

Foi a última coisa que Félix ouviu antes de suas pálpebras se fecharam e ele relaxar nos braços de Nicholas.

...

Ao ouvir aquele barulho todo e sentir uma movimentação Félix despertou, mas a dificuldade para abrir os olhos ainda era grande, parecia estar mais descansado e as dores diminuíram um pouco. No entanto, sentia-se estranho como se estivesse sendo carregado. E seu susto foi imenso ao acordar totalmente e perceber que já havia amanhecido, além de se deparar com vários bombeiros o levando para a ambulância em uma maca. Nervosamente tentou se levantar e falar algo, mas eles o detiveram e logo aplicaram alguma medicação em seu braço que o fez amolecer e dormir novamente.

A voz de uma mãe sempre é inconfundível para o filho e Félix reconheceria a da sua em qualquer ocasião, dessa forma, assim que a ouviu sentiu uma sensação reconfortante, que aumentou assim que ele abriu os olhos e se deparou com ela ao lado de sua cama. Isso o fez até se acalmar mais, mesmo após alguns segundo verificar que estava em um hospital. O que não o agradou muito, pois mesmo sendo um ambiente comum para ele, já que sua família era proprietária de um no qual ele trabalhava diariamente. Quando se tratava dele ser o paciente, aí as coisas mudavam de figura.

– M-mamy...

– Oh meu filho... Pilar fez um carinho no rosto do filho depositando um beijo em sua testa. – Que bom que você acordou! Tudo está bem agora...

– E-eu acho que estraguei seu ano novo não foi?

– Mas é claro que não Félix! Você é que deve ter passado um fim de ano terrível, não é mesmo meu querido?

Félix a olhou docilmente e sorriu. – Nem tanto mamy... Nem tanto.

– Então... Feliz ano novo meu filho!

– Mamy... Feliz ano novo pra você também.

Eles ainda estavam abraçados quando um médico adentrou o quarto para examiná-lo e Félix torceu o nariz causando um olhar de repreensão na mãe.

– E então doutor? Como ele está?

– Ele ficará bem... Apenas algumas escoriações, uma luxação no tornozelo e uma fratura no braço, por isso vai precisar ficar com o gesso por um tempo. Mas após a realização dos exames, podemos afirmar que não ouve nenhuma lesão interna ou que seja motivo de grandes preocupações. Ele está bem... Podem ficar tranquilos.

– É como dizem... Vaso ruim não quebra. Félix já demonstrava está se recuperando bem e ter voltado a seu humor habitual.

O médico apenas sorriu e elevou as sobrancelhas o olhando. – Foi um verdadeiro milagre você ter escapado com vida, seu carro explodiu logo após o acidente. Ainda bem que você conseguiu sair a tempo! Só não compreendi como você pôde imobilizar o próprio tornozelo e principalmente o seu braço... Fez um excelente trabalho rapaz. Acho que o sangue médico de seu pai realmente corre em suas veias.

– O quê? Mas eu não... Cadê ele?

– Ele quem meu filho? Pilar parecia preocupada com a expressão do filho.

– O rapaz que me ajudou... O Nicholas! Onde ele está? Vocês não falaram com ele?

O médico o olhou analisando-o. – Bom, os bombeiros não relataram nada para nós sobre outra vítima.

– Ele não era uma vítima... Ele me ajudou! Passou a noite toda lá comigo... Cuidou de mim.

–E como era esse rapaz meu filho?

–Ele... Eu... Eu não sei bem... Félix parecia confuso.

O médico e Pilar se entreolharam e o encararam.

– Não é possível que não o tenham visto!

– Você estava sozinho na estrada Félix... Pilar falou carinhosa.

– Não mãe! Eu não estava! Acredita em mim...

– Isso é comum... Ele passou por uma situação traumatizante que às vezes desencadeia certas alucinações... O médico tentou explicar.

– O que? Mas...

Descanse Senhor Khoury! Depois eu volto para examiná-lo e trataremos melhor desse assunto.

Pilar assentiu concordando com o médico e Félix estava cada vez mais desnorteado com aquilo tudo, mas após alguns afagos da mãe se acalmou um pouco.

No outro dia pela manhã Félix já recebera alta. Sua mãe e o motorista tinham ido buscá-lo e ele mesmo com algumas dificuldades para andar devido ao tornozelo machucado estava se sentindo bem melhor. Quanto ao acidente e o tal Nicholas, o doutor explicou que tinha sido alguma alucinação pelo choque de passar a noite ali naquela estrada escura, machucado e sozinho. O que realmente fazia sentido. E mesmo relutando bastante no inicio Félix acabou sendo obrigado a concordar que era bem provável que realmente tudo tivesse sido apenas coisa da sua cabeça... Instinto de sobrevivência quem sabe. Pelo menos tinha sido uma bela de uma alucinação, que fez do seu réveillon o mais inusitado e inesquecível de todos.

Ele foi até o carro sendo empurrado em uma cadeira de rodas por Pilar. Marciel, o motorista da família, logo o ajudou a sentar-se no banco de trás que era bastante espaçoso e mais confortável. Assim que adentrou o automóvel ele recostou-se no banco e avistou algo no canto oposto ao que ele estava. Era uma sacola que Pilar tinha colocado ali.

– Meu filho, essa bolsa tem algumas coisas suas que conseguiram recuperar depois do acidente. Mas foi quase nada.

– Hum. Félix vasculhou a sacola, encontrando sua carteira, ou os restos que sobraram dela, a calça e os sapatos que ele utilizava no dia do acidente já bastante desgastados devido aos acontecimentos , bom pelo menos seu relógio apesar dos arranhões parecia ainda funcionar. E em meio a essas coisas todas uma peça de roupa o fez estremecer. Ele sorriu encantado antes de recolher aquele casaco em suas mãos examinando-o.

– Ah! E quando você comprou esse casaco? Eu não lembrava dele. Pilar perguntou enquanto olhava o filho pelo retrovisor do carro.

Félix sentiu aquele cheiro assim que segurou o casaco em suas mãos e o apertando mais contra o peito sentiu algo em um dos bolsos, percebeu que havia um pequeno papel dobrado que ele retirou cuidadosamente e leu.

“Que você lembre que os sonhos são a melhor parte da realidade. E a vida é o que você faz dela, então dê importância não ao que as coisas valem, mas o quanto elas são valiosas para você.”

Feliz ano novo Félix!

Ele suspirou levemente e olhou para o lado, abaixando em seguida o vidro do carro e observando mais claramente o dia lá fora. Ainda era cedo e o ar gélido da manhã o causara certa nostalgia, mas foi algo momentâneo, afinal, era apenas o segundo dia do ano e pela primeira vez Félix sentiu que realmente enxergava coisas nunca vistas antes, ou pelo menos, não com a visão que estava tendo agora. E pela primeira vez na vida, a estranha sensação de um ano realmente novo se instaurou em seu íntimo.

– Feliz ano novo Nicholas...


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Notas finais do capítulo

Gente essa fic estava pronta antes, mas meu computador morreu de vez e levou a fic junto... E eu tive que refazer mais da metade! Bjosss!!!



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