Blank Space escrita por Allison Reynolds


Capítulo 3
Black Sheep


Notas iniciais do capítulo

Oi, tem alguém aí?
Estou formada e com tempo livre para voltar aos hobbies.

Espero que gostem.



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BLACK SHEEP

"Our common goal was waiting for the world to end"

(Metric - Black Sheep)

 

—*_*_*_*_*_

Diversas vezes, durante a minha infância, eu e Daphne ouvíamos discussões fortes ecoando pelos corredores do casarão em que morávamos, costumávamos andar na ponta dos pés e colar nossas orelhas na porta do quarto de nossos pais. As vozes duelavam, tentando uma mostrar-se mais forte que a outra. Muitas vezes não compreendíamos a metade das coisas ditas, mas a curiosidade infantil era mais forte do que a vontade de compreender algo que, aposto, nem meus pais saberiam o significado.

Algumas dessas vezes os sons paravam abruptamente, mamãe sempre teve essa intuição de raposa, era esperta, sabia reconhecer movimentos previsíveis como eu e Daphne coladas à sua porta. De um segundo para o outro, o silêncio reinava e ela abria a porta, encarando nossos olhinhos que suplicavam para não ficar de castigo.

Ela não parecia brava. Na verdade, foram poucas as vezes que a vi ter qualquer tipo de reação exagerada com qualquer coisa que lhe ocorresse. “Isso não vale as marcas de expressão”, dizia.

Mas o real objetivo de eu contar-lhe este fato, aparentemente, aleatório, é apenas para encaixar as palavras que me marcaram em um contexto. “Isso não é assunto de crianças”, repetia sempre que nos pegava naquela situação.

Naquela época, aos meus oito ou nove anos, eu me sentia revoltada ao escutar essas palavras. Sempre me considerei muito inteligente para a idade que tinha, tanto que, poucos anos depois, fui acolhida na Corvinal, casa dos sagazes e inteligentes. Logo, poderia perfeitamente acompanhar o “assunto de adultos”.

A Astória daquela época era, certamente, não sabia sobre oque estava falando.

No momento presente, eu daria todos os, nem tantos, galeões da minha conta para evitar o assunto de adultos que erguia-se tão imponente quanto o castelo de Hogwarts visto dos barquinhos no primeiro ano. A Astória de hoje só queria voltar a reclamar o quanto Daphne ocupava tanto espaço na porta, o quanto não conseguia ouvir da conversa dos pais e, certamente, estar acompanhando todos os problemas como mera espectadora.

Assim que adentrei o quarto que, antes, pertencia a meus pais, percebi que meu pai já teve dias melhores. Seu rosto estava coberto por uma barba mal feita, os cabelos compridos e revoltos e seu sorriso, antes branco e cativante, encontrava-se amarelado e sem vida. Escutei um fraco “Tori” saindo de sua garganta com a voz rouca, provavelmente pelos inúmeros cigarros consumidos nos últimos dias. Seus olhos, tão verdes quanto os meus, exibiam a vergonha de sua situação decadente.

O declínio dos Greengrass estava estampado naquela cena.

Apressei-me a apoiar seu corpo quando tentou se levantar, sentando-me ao seu lado na cama. O cheiro de bebida que exalava de seu corpo era forte.

—Vamos, pai. - Disse suave. - Vamos tomar um banho, você não parece bem.

—Não preciso disso, Tori. - Fez um abano de mãos, como uma criança teimosa.

Eu suspirei. Nunca soube lidar muito bem com situação fora de minha zona de conforto e aquilo, certamente, estava muito além dela. Busquei sua mão e a segurei com afeto, observando ele abaixar a cabeça, passando os dedos livres nos cabelos chocolate. Sua posição parecia beirar o desespero e sua voz estava embargada quando falou:

—Eu sei oque está pensando, Astória. - Parecia a ponto de chorar, mas continuou: - Toda essa situação é patética, eu sou patético. A vida toda usufruindo de um dinheiro que não conquistei, possuindo um sobrenome com um peso do qual não me perguntaram se queria. Tive tudo oque muitos almejam e não alcançam em uma vida. Mesmo assim me sinto medíocre.

—Pai...

—Não, Astória. Deixe-me terminar, sim? - Pediu. - Não pense que não sou agradecido por suas visitas e todo o apoio dessas últimas semas. Eu sou. Agradeço tudo, mas me sinto cansado disso e...

Não o deixei terminar. Envolvi seu corpo em um abraço. Eu não queria sentir pena daquela situação, pois sempre considerei este um sentimento de derrota. Mas não precisei me preocupar com isso, pois, certamente, era a última coisa que tomava conta de mim naquele momento.

Pensei em todas as situações que minha mãe criou, ignorando toda a história da nossa família, negando todo o sentimento que existia naquele relacionamento... tudo por oque? Alguns galeões a mais em sua bolsa de grife.

Tudo oque eu conseguia sentir era raiva.

Naquele abraço, senti seu corpo tremer levemente, provavelmente pelo choro que não podia mais ser contido. Sua posição era humilhante, podia sentir toda a força daquele abraço indo embora gradativamente. Não apenas no sentido figurado, mas também no físico.

—Me desculpe. - Ele sussurrou.

Senti seus braços, pouco a pouco, deixando de me envolver para caírem debilmente em seu colo. Seu rosto, antes apoiado na curvatura de meu pescoço, agora pendia para a esquerda, com apenas os olhos vidrados me encarando.

Naquele momento meu coração bateu forte, minha respiração se acelerou e meu corpo tremeu. Todo o resquício de vida que ainda existia naqueles olhos se foi com um sopro, logo tudo o que restava era a umidade do que já fora suas lágrimas e os fastasmas de uma vida sem razão.

Eu sabia muito bem o que tinha acabado de acontecer e, com toda certeza, eu entendia. Não me senti assustada ao constatar que meu pai acabara de falecer em meus braços, essa seria apenas mais uma lembrança entre tantas outras que voltariam a me assombrar nos anos seguintes. Então, de forma suave, toquei seu rosto e sussurrei um “pai” rouco, sem realmente querer obter alguma resposta.

Apenas queria confirmar aquilo que eu já sabia.

Lembra do fundo do poço? Eu ainda não estava nele.

 

—*_*_*_*_*_

 

Na semana seguinte, tudo oque estampava a primeira página dos jornais era a recente morte de Hector Greengrass. As notícias chegavam de todas as formas, alguns diziam que morrera de overdose ao experimentar substâncias ilícitas do mundo trouxa, outros diziam que suicidou-se ao saber do casamento da ex-esposa e, o meu favorito, dizia que meu pai havia sido assassinado pela filha mais nova.

Infelizmente, não pude aproveitar de minha nova fama de assassina por muito tempo pois este logo saiu de circulação – coisa que acredito ter a influência há muitos anos adquirida de minha mãe.

Seja como for, as especulações sobre o ocorrido eram tantas, que Agatha Christie poderia escrever uma nova coleção de livros para Poirot e Miss Marple. Todas os bruxos da Grã Bretanha pareciam não se contentar com a situação real, então estavam ocupados em buscar novas teorias para os acontecimentos daquela tarde.

Durante um momento, entre um julgamento e outro, fiquei feliz por, pelo menos, proporcionar alguns minutos de conversa na mesa de jantar dessas famílias, já que a minha própria não tinha um diálogo real há anos.

Não quero me alongar nesta situação porque o foco aqui não são os acontecimentos e as histórias em torno da morte de meu pai, mas sim oque o levou até ali, algo que descobri algum tempo depois.

As investigações não demoraram muito, não que não houvesse oque analisar, mas sim porque ninguém se importava o suficiente para tal. Após algumas sessões com legimentes e algumas doses de poção da verdade depois, para a infelicidades daqueles que torciam por esta versão da história, concluíram que eu apenas estive no lugar errado e na hora errada. Como sempre.

Poucas semanas depois, confirmaram a teoria do suicídio através de traços de uma mistura de poções letais correspondentes aos recipientes encontrados no quarto pelos aurores.

Aquela informação me atingiu como um soco no estômago.

No momento em que recebi a notícia, eu estava em uma sala qualquer do Horpital St. Mungus com minha mãe e irmã ao meu lado. Minha irmã possuía uma expressão indecifrável, colocou uma mecha dos cabelos lisos e loiros atrás da orelha e, apesar de ignorar a lágrima solitária e imperceptível que escorria por seu rosto, ela assentiu e logo se voluntariou a cuidar de papéis e qualquer outra coisa das quais não prestei atenção.

Minha mãe, por outro lado, apenas se retirou da sala, sem proferir qualquer palavra. Acompanhei seu andar ritmado até o corredor, notando o barulho dos saltos de encontro ao chão limpo do hospital cessarem no mesmo momento que falei seu nome.

—A senhora não tem vergonha? - Falei em uma voz controlada, porém que claramente demonstrava toda a raiva que eu sentia naquele momento.

—Astória, eu...

—Não! Você deveria estar lá, você que destruiu a nossa família. Destruiu o papai. Isso tudo é culpa sua.

—Tori. - Senti os dedos de Daphne em meu ombro. - Aqui não é o lugar, nem a hora.

O toque de Daphne me despertou. Toda aquela raiva acumulada em meu peito se transformou em lágrimas.Logo eu já não enxergava um palmo à minha frente, apenas conseguia ouvir a voz irritantemente calma e suave de minha mãe:

—Eu realmente espero que um dia você consiga entender, Astória.

E, novamente, seus saltos ecoavam pelo corredor, cada vez mais distantes.

Me desvencilhei do toque da minha irmã com certa violência, eu não entendia como ela podia estar do lado da mamãe, mesmo depois de tudo oque estava acontecendo. Em todos os momentos ela tentava me fazer parece a ovelha negra, aquela que não entende, que não quer ver a verdade, tirando toda a culpa de si.

Minha cabeça girava de forma agressiva, eu me sentia cada vez mais tonta e aquela sensação de soco no estômago voltara. Meu cérebro automaticamente me impulsionou a encontrar um banheiro, mas meus pés não obedeciam o comando de forma eficiente. Quando me dei conta, estava perdida entre os corredores brancos do Hospital, agarrada a uma lixeira de cheiro terroso, colocando todo o meu almoço para fora.

Aquilo foi como vomitar após uma noite de bebedeira só que, no lugar do álcool, eu expulsava todas as decepções, já me sentindo renovada e pronta para a próxima rodada.

Minha cabeça parecia a ponto de explodir. Eu tinha ambos meus dedos indicadores nas têmporas, massageando-as com certa agressividade.

—Você parece um lixo. - Disse uma voz rouca atrás de mim.

Antes de eu se quer cogitar a ideia de me ofender com as palavras do homem, virei-me e não contive a surpresa ao ver Draco Malfoy em toda a sua magnitude de jaleco branco.

—Oque você faz aqui? - Franzi o cenho.

—Eu trabalho aqui, oras.

Seu sorriso era leve e, naquele momento, me dei conta que nunca o vi sorrir realmente. As mãos estavam apoiadas nos bolsos da calça branca e ele tinha uma postura relaxada, completamente ignorando meu show dentro da lixeira.

—Ah, certo.

—Eu ainda não esqueci minha promessa. Mas talvez fosse melhor falar sobre isso depois. - ele apontou para a lixeira. - Vamos, vou te examinar.

Eu não discuti e o segui, eu não havia um lugar certo para ir de qualquer forma. Em sua sala, ele pediu para que eu sentasse na maca, direcionando uma luz em meus olhos e medindo minha pressão com um movimento de varinha. Draco era gentil ao fazer toques e verificar qualquer problema que eu pudesse ter, algo que, ao meu ver, não combinava com a sua postura.

Nunca imaginei Draco Malfoy como medibruxo mas, conforme notei pelos acontecimentos das últimas semanas, as pessoas podiam surpreender. Ele tinha jeito para a coisa, parecia confortável e tranquilo enquanto falava:

—Você parece desidratada, talvez o estresse dos acontecimentos possam ter ajudado. - Ele sabia, é óbvio. Assim como toda a população bruxa. - Sinto muito pelo oque aconteceu.

—Eu não sabia que Draco Malfoy podia “sentir muito”. - Disse com um olhar avaliativo e tom irônico. - Mas obrigada.

Ele me encarava com o cenho franzido, como se me estudasse. Ele parecia saber que a minha acidez era meu mecanismo de defesa, porque apenas virou-se, escrevendo algumas coisas no papel.

—Aqui está sua receita. - Entregou-me um papel. - Tente não misturar os dois, o efeito pode não ser dos melhores.

Dizendo isso, um bruxo colocou a cabeça para dentro da sala, requisitando os serviços de Draco. Não prestei atenção no que conversavam pois estava lendo sua receita: 20ml de poção calmante quando sentir necessidade e 1 taça de vinho durante o jantar. Eu sorri. Draco realmente sabia do que seus pacientes precisavam.

—Infelizmente vou ter que te atender uma emergência, Astória.- Disse, minutos depois. - Mas falei sério quando disse que não esqueci de minha promessa. e-

Ele parecia desconfortável, então logo completei:

—Sexta? - Fiz uma pausa.. - Talvez possamos fazer um concurso anti-popularidade, reclamar dos bruxos hipócritas e essas coisas.

Ele conteve um sorriso.

—Parece ótimo.

E da mesma forma que ele apareceu, com um aceno de cabeça, ele se retirou.

 

—*_*_*_*_*_

 

Naquele mesmo dia, mais tarde, recebi a visita de um dos advogados do meu pai. Eu havia acabado de chegar em casa, depois de uma volta pelo beco diagonal em busca de qualquer coisa que pudesse acabar com o vazio da minha geladeira. A vida de independência não era tão simples quanto eu pensava, ainda mais quando se tem que andar por lojas cheias de pessoas após seu pai ter se suicidado.

Abraham Jones era um homem magro, com um cabelo fino e oleoso que me dava vontade de lhe pagar um tratamento capilar. Ele possuía um bigode desde sempre, que mexia junto com seu nariz quando ele tinha algo sério a tratar. Lembro de sempre vê-lo em casa, conversando baixo com meu pai e eu sempre que sabia que, uma vez que ele pisava os pés em nossa casa, não veria uma figura paterna por algumas boas horas.

Sr. Jones me cumprimentou de forma breve, era um homem de poucas palavras, mas que sempre trazia notícias significativas.

—Olá, Astória. Acredito que já estivesse esperando minha presença mais cedo ou mais tarde. - Ele não esperou ser convidado e adentrou em meu minúsculo apartamento, sentando-se no sofá puído – Venho com situações pendentes. De seu pai, obviamente.

Eu o observei abrir a maleta depositar diversos papéis na mesinha de centro. Sua presença me pegou se surpresa, então não consegui emitir qualquer som. Apenas fechei a porta e, lentamente, sentei-me na cadeira a sua frente.

—Tenho aqui os papéis do testamento, naturalmente todos os bens foram divididos entre você e a sua irmã. - Continuou. - Tenho aqui também uma carta e-

Eu ri alto. Não pretendia ser rude ou algo do tipo, mas toda aquela situação estava me deixando um tanto nervosa. De uma hora para outra me senti ansiosa, sufocada. Ele falava de testamento e de bens, como se realmente restasse algo. Nem mesmo a estima da família ou a dignidade permaneceram intactas, quanto mais algum bem material que pudesse pagar pelos últimos anos de humilhação. Sr. Jones me encarava quieto, com uma sobrancelha erguida. Senti um pouco de pena em seu olhar, como se a minha situação fosse lamentável.

E eu não podia negar que realmente era.

Ele me ofereceu o maço de papéis lentamente, com a carta logo por cima. Eu reconhecia, um tanto saudosa, a caligrafia um tanto desleixada de meu pai. Aquilo me afetou um pouco, mas logo ouvi Abaham falar:

—Eu sei que esta situação é dificil, querida. - Eu não o encarava. - Mas você vai ver que seu pai teve motivos para fazer oque fez, um hora você vai entender. - Por que todos insistiam em me dizer isso? Eu não era a droga de uma criança que não podia entender a morte de meu pai. - Eu estarei em meu escritório, se surgir qualquer dúvida, pode me procurar.

Eu assenti, ainda sem encará-lo, engolindo em seco. Aquela situação era absurda. Eu não ligava para aqueles papéis que eu segurava de forma débil, eu apenas queria desaparecer e fingir que nada daquilo estava realmente acontecendo. Queria voltar a escutar os problemas através de uma porta, como mera espectadora, e não fazer parte deles.

Por um instante, eu quis, realmente, seguir meu pai.


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