Fase Experimental escrita por Camila Fernandez


Capítulo 31
Capítulo 31 - Yuri




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Posso dizer que foi uma das conversas mais tensas que já tive na vida, e olha que já tive umas bem esquisitas. Nós saímos da sala e caminhamos por um corredor, depois disso fui levado para uma sala e Camila para outra. A sala era bem simples, uma mesa de reunião, duas poltronas brancas e um telão. Mal nos sentamos e Julius começou a falar. Primeiro ele me explicou sobre a recém-chegada, me disse que devia gravar muito bem seu rosto e que de forma alguma devia contar sobre ela para o outro time. Não entendi o porquê, mas concordei, não havia muito mais o que pudesse fazer. No final ela não passava de mais uma peça no jogo.

Eu já estava bem impaciente quando ele resolveu falar do tal prêmio. Não queria nada que valesse isso tudo, nenhum videogame podia me fazer querer ficar aqui. Foi aí que algo muito estranho aconteceu. Ele começou a falar da minha família de uma forma muito ruim, num tom de quem vai anunciar uma morte. E ele sabia cada detalhe de tudo sobre meus pais, datas, nomes, lugares. Eu queria que ele parasse, ele falava de casos ruins que aconteceram, falou de todas as brigas que tinham se sucedido em casa e a saída do meu irmão para morar sozinho. Para mim esse foi um dos piores dias da minha vida, meu irmão mais velho era em quem me inspirava e um dia do nada ele me largou e foi viver sozinho. Julius me perguntou se eu sabia o motivo de sua saída, eu não sabia. Para mim ele tinha me abandonado e pronto, devia ter se cansado de tantas brigas. Eu não queria saber o motivo, mas mesmo assim ele me foi contado.

Antes do meu pai e minha mãe se casarem ele havia tido uma filha, mas não contou a ninguém, então por volta de dois anos atrás minha mãe descobriu tudo. Eu tinha reparado na sua mudança abrupta de humor, ela mal falava com meu pai e vivia estressada, dava a desculpa que era por causa do trabalho. Nicolai, meu irmão mais velho, descobriu sem querer ao ouvir uma conversa entre nossos pais na cozinha. Não pensou duas vezes antes de abandonar tudo e resolver pedir transferência para uma faculdade perto de nossos avós maternos. Claro que fui o único que não ficou sabendo de nada, para mim era só uma fase ruim, não podia imaginar o que estava acontecendo de verdade. Depois de uns cinco meses as coisas se acalmaram minha mãe voltou a ser legal com todo mundo e meu irmão sempre vinha nos visitar. Nesse último mês que passei em casa as coisas pareciam complicadas de novo, mas eu estava pouco preocupado, a escola tomava a maior parte do meu tempo e ainda tinha o time de hockey.

Claro que essa agitação em casa não era sem motivo. Essa minha irmã acabou se envolvendo com um cara barra pesada e engravidou. A mãe dela havia afirmado que a menina não mais poderia ficar em casa, ela já tinha 23 anos e se quissesse ser mãe ela que se virasse, mas meu pai queria aceitar isso. A única solução pensada foi que fosse morar conosco, mas não tínhamos dinheiro suficiente para isso. Basicamente esse meu prêmio era a grana que precisávamos.

Queria digerir toda a informação. Eu tinha ganho uma irmã e um sobrinho, a essa altura o bebê já tinha nascido. Pensei em pedir para fazer uma ligação para casa ou qualquer coisa do gênero, mas não tive essa oportunidade. Julius já estava na porta me esperando.

Voltei pelo mesmo caminho pelo qual vim, mas o que antes não tinha reparado que do lado contrário ao que eu escorreguei tem uma escadinha bacana para voltar. Demorou um pouquinho, mas sai exatamente no meio da cozinha. Para minha sorte não havia ninguém lá quando subi, achei que poderia respirar e digerir tudo, mas não deu nem cinco minutos Lou apareceu.

—Onde você tava? - será que ela estava preocupada comigo? não ela tava com raiva mesmo, seu olhar era de quem ia me matar. -Estou te procurando há muito tempo sabia? -ela estava rosnando? -A pirralha não quer sair do banheiro. Faça com que ela saia agora.

Eu podia ignorar e sair da casa, fingir que ela não tinha me dito nada, mas isso só ia adiar a bronca e talvez aumentá-la. Em vez disso respirei fundo e fui até o banheiro. Bati uma, duas, três vezes na porta até ela me responder. Pediu que falasse quem eu era, parecia decidida a não abrir a porta. Esperei alguns instantes no silêncio e ouvi o clique da porta se abrindo. Parecia ainda mais uma boneca agora, seus cabelos limpos e presos num meio rabo. Além disso tinha um sorriso contagiante que não pude resistir a retribuir, por mais que ela tenha feito eu perder meus poucos minutos de paz.

 

—Agora que a pirralha saiu você pode me dizer onde estava? -Lou tinha dado o lugar da raiva para curiosidade.

Fomos até o rio onde contei quase tudo que tinha acontecido. Falei como seria o jogo, que tínhamos várias provas e que a menininha tinha um papel importante, só não fazia ideia de qual. Por algum motivo não tive coragem de contar sobre a parte da conversa que envolvia meu prêmio. Eu gostava de Louise, de estar com ela e beijá-la, mas o quanto eu gostava? Quer dizer quando tive a oportunidade de ir embora em nenhum momento pensei nela, se ela ficaria aqui sozinha ou se sentiria muito sua falta. Só pensei em como eu queria ir, então será que eu realmente a amava a ponto de contar algo tão pessoal quanto o que fiquei sabendo hoje? Talvez um dia, mas hoje não.

Voltamos e fiz o anúncio geral. Convoquei todos na sala e li o papel que Julius havia me entregue antes de voltar. Nele pedia para que todos os meninos fizessem a barba e deixassem o cabelo bem raspado e todas as meninas amanhã prendessem o delas com um rabo de cavalo alto. Além disso receberíamos roupas novas ao lado dos nossos novos colchões. Depois disso teríamos tempo de tomar café e alguém viria nos buscar dando mais algumas informações do dia.

Eu estava exausto e todos puderam reparar isso enquanto eu falava, não queria nem me olhar no espelho, devia estar a cara da derrota. Quatro pessoas do meu time vieram perguntar se algo tinha acontecido comigo, disse que estava tudo bem e que só tinha sido um dia longo mesmo. Quando vi o sol dando lugar à escuridão não pude conter minha felicidade, pelo menos dormindo ninguém podia me perturbar. Me arrastei pro colchão e apaguei como não fazia há muito tempo.


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