Fase Experimental escrita por Camila Fernandez


Capítulo 21
Capítulo 21 - Yuri




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Posso dizer que as coisas mudaram depois da festa. A noite passada tinha sido uma loucura, claro que me diverti em alguns momentos, mas não podia esquecer que eu era a liderança aqui e algumas atitudes que tive me arrependo. Quando todos acordaram no dia seguinte eu tinha duas opções. Deixar ele verem que conseguiram ser mais fortes que eu, que eu não conseguiria lidar com o jeito deles de forma alguma. Ou ser forte e agir conforme o esperado para mim. Admito que tive vontade de gritar com todo mundo me trancar no quarto e passar o dia lá, me sentia bem mal, mas me controlei e em vez disso fui com um sorriso no rosto mandar todo mundo arrumar a bagunça que fizemos.

Meu maior alívio foi ver que os móveis continuavam intactos, a televisão ainda ligava e a cozinha estava quase perfeita.

Depois de por tudo quase em ordem eu tinha umas conversinhas para ter. A primeira foi claro com com Heidi. Ela me devia algumas, ou melhor, muitas explicações.

—Precisamos falar sobre ontem. -interceptei-a quando saia da cozinha.

—Sou toda ouvidos. -respondeu ela com seu tom metido, mas com a cara destruída.

—É sobre ontem claro. Bem, primeiro eu quero dizer que pode esquecer tudo que aconteceu entre a gente. -Eu tinha algumas dúvidas sobre a segunda afirmação que ia fazer, mas só de olhar em seus olhos pude ter certeza. -Segundo, se você drogar a todos nós mais alguma vez você vai estar em sérios problemas, é sério isso. -estava com tanta raiva que mal reparei que a segurava pelos braços com muita força. -Amanhã, as coisas voltam ao normal e você vai seguir a linha direitinho, tá me ouvindo? -disse afrouxando o aperto.

—Me solte! -ela fazia parecer que eu era um monstro, mas eu mal a segurava no momento. -Tá bem! Eu fico na linha, mas me solta logo garoto! Até parece que não gostou...

Meu primeiro instinto foi agarrá-la pelos braços de novo pelo que havia dito, mas não fazia sentido, eu tinha gostado. Deixei-a ir com uma pequena marca de das minhas mãos em seus braços, pelo menos o aviso estava dado. Se ela achava que ia me fazer perder o controle em qualquer um dos sentidos estava muito enganada. No momento só esperava que minha adversária estivesse com tantos problemas no time dela quanto eu.

Minha segunda conversa tinha que ser com Louise. Não sabia bem o que dizer da relação que vinhamos tendo. Éramos próximos e eu a considerava minha melhor amiga aqui. Mesmo que eu não confiasse nela com todas minha força e ela me roubasse ás vezes, (o que não era nem um pouco legal, mas eu jé estava me acostumando) eu meio que me sentia atraído pelo jeito irreverente dela. Louise levava a vida de um jeito leve, não se importando muito com o que os outros iriam pensar, mas ao mesmo tempo sabia quando devia para e ouvir.

—Lou... Será que eu posso falar com você? -eu estava morrendo de vergonha de falar com ela.

—Olha Yuri, se é sobre o que aconteceu ontem não tem o que falar. -não era a resposta que eu esperava, até ela gritando comigo seria melhor.

—Você não entende... -pensando bem nem eu mesmo entendia, o que eu queria dizer?. -Aqui nesse lugar você sempre foi minha melhor amiga e... Eu não sei, acho que...

—Olha Yuri eu vou ser sincera, quando eu cheguei eu realmente me senti atraída por você, mas então você se tornou um babaca quando descobriu meu problema. Estava decidida a deixar você pra lá, então depois voltou a ser um cara legal comigo e parece que seu humor muda a cada dia e eu não consigo te entender por mais que eu tente. Isso é bem cansativo.

—E você acha que eu te entendo? -esta conversa não estava tomando o rumo que eu esperava. -Qual a graça de sair por aí roubando os outros? -falei talvez ríspido demais.

—Você já se perguntou o por que de cada um de nós sermos desse jeito? -os nervos começavam a levar a melhor de ambos. -Talvez você devesse fazer essa pergunta em vez de só julgar todos que não são como você! O garotinho perfeitinho da escola que sai com todas as meninas e tem uma família super legal e não tem problemas, porque leva uma vida perfeita. -ela praticamente cuspia as palavras. -Mas quer saber? Você está aqui com a gente, então acho que não é tão melhor assim.

—Então me conta, me fala por que você é assim, eu não te entendo. -tinha conseguido me acalmar e agora me sentia até um pouco culpado. Nunca quis saber o motivo de nenhum deles serem assim. Pra mim eram terroristazinhos porque eram e não tinha explicação. E quanto a minha vida, bom, eu nunca vi como perfeita, mas o que tinha de tão errada nela?

—Tenta imaginar. Você, um negro, no meio de muitos riquinhos brancos. -o rancor em sua voz era claro. -Meus pais sempre tiveram dinheiro, logo me mandaram para uma das melhores escolas do país. Eu podia ter roupas legais, o mais novo celular e todo o suficiente para me enquadrar, mas minha cor, isso eu não podia mudar. No início me senti totalmente perdida e sem amigos. Tinha um pessoal da minha cor, mas eu não queria ser igual a eles, renegados a andar entre si. -seu olhar era penetrante enquanto falava. -Teve então um dia quando voltava para casa que entrei numa joalheria. Havia lá um pulseira que era muito linda. Tinha um pequeno pingente e eu fiquei encantada, precisava dela. -era a pulseira que ela usava, a que ela havia contado como seu maior furto ontem. - Eu perguntei à vendedora quanto custava e pedi para passar meu cartão. O saldo deu insuficiente. Pedi para segurar enquanto ligava pra minha mãe. Ela não me atendia. Com raiva sai da loja com a pulseira sem pagar. Eu nem tinha reparado até chegar na metade do caminho. -seu rosto se iluminava enquanto falava sobre isso. Mas quando eu vi tive uma sensação de satisfação. Eu tinha a pulseira. Quando voltei a escola, uma das meninas reconheceu. Era nova e muito cara mesmo. Quando ela me perguntou como consegui eu disse que roubei. Não achei que as pessoas teriam a reação que tiveram. Todas pareciam muito interessadas em como fiz isso. Digamos que com o roubo dessa pulseira eu me tornei popular na escola. -seu sorriso sumiu antes de continuar. -Claro que podia ter dado errado. Podia ter sido chamada de ladra e sei lá mais o que devido a minha cor. Mas esse pessoal é bem idiota mesmo.

—Desculpa eu não... -o que eu podia falar sobre isso? Eu não entendia esse sentimento e ponto.

—Claro que não sabia, claro que não entende, nunca pensou em me perguntar como me sentia e principalmente, nunca vai passar pelo que passei. -ela parecia estar ficando de novo com raiva, seus poucos momentos calma enquanto contava sua história tinham passado. -Aliás você se importa pelo menos um pouco com a gente? Quem é você? Tudo que sabe é dar ordens e não dá um simples motivo para isso! Diz pra acreditar em você que tudo tem um motivo, mas que motivo? Esse motivo sequer importa pra gente?

Eu podia ter explodido nesse momentos, mas estava cansado demais, estressado demais e perdido demais.

—Vamos pegar água. -disse puxando-a pelo braço.

Caminhei com ela em direção a pequena cachoeira, era bem escondida na mata. Fui lá uma vez por engano, reparei na hora o forte barulho que fazia, as chances que qualquer coisa nos ouvisse era baixíssima, a única forma seria por meio do chip, mas eu esperava que fosse seguro. Precisava contar pelo menos um pouco de tudo que sabia, estava cansado de carregar toda a responsabilidade sozinho e quieto.

O sol batia forte nobre meus ombros, antes branquelos, agora de um tom dourado. Sentia um pouco de falta do sol russo, que podia bater com a maior força dele e você continuava da mesma cor. Tenho certeza que se voltasse para escola assim seria confundido com um surfista australiano, só faltando eu saber surfar, é claro. Será que meus pais me reconheceriam na hora? Não foi só a mudança de melanina na pele, ganhei mais massa muscular aqui do que em meus 16 anos, tinha agora braços e abdomes definidos. Isso tudo sem contar meu emocional, me sentia muito mais maduro, sei lá, não era eu mesmo há algum tempo.

—O que eu tenho pra te contar é muito importante e você tem que me jurar que não vai contar pra mais ninguém. -tentava falar o mais baixo possível mesmo com o barulho em volta, todo cuidado era pouco.

—Ok, eu juro. Agora fala. -ela parecia um pouco assustada. Meio como eu, quando tive a conversa com a voz num dos meus primeiros dias, nesse momento eu ainda estava sozinho e não pude recorrer a ninguém.

—Isso não é um acampamento de férias. -ok, acho que ia ser mais fácil do que eu imaginei, bastava falar e falar tudo que sabia. -Trata-se de um experimento do governo. Foram feitos diversos grupos com diversos tipos de jovens. Esse grupo é de jovens problemáticos, seus pais os inscreveram achando ser um lugar onde vocês seriam postos na linha, o que não é verdade. Em algum outro lugar há um outro grupo como esse sendo treinado também.

—E o que exatamente eles querem com a gente? -Lou agora já não parecia assustada, mas confusa.

— Trata-se de uma organização, o programa secreto de pesquisas. Haverá um jogo. Nele, o raciocínio, a força e a habilidade de vocês será testada. Os melhores serão escolhidos para uma segunda fase. -eu queria ter feito mais perguntas, ainda bem que teria uma segunda chance. -Olha, nem eu sei bem de tudo. O que posso dizer é que a finalidade disso é ajudar o mundo.

—Tá, digamos que isso é verdade, então isso é tipo um jogos vorazes? -sua cara de confusa seria fofa se esse não fosse um assunto sério.

—Não! Quer dizer, não sei. Não me foi passada a informação de como será esse jogo.

—Ok... Um jogo de problemáticos versus problemáticos. -sua testa franziu deixando claro que havia algo que queria perguntar.

—Pode perguntar o que quiser. -digo curioso com o que ela está pensando.

—Não me leve a mal, mas... O que você está fazendo aqui? Yuri, você não me parece muito problemático.

—E esse é o maior motivo de eu ter sido um chato. -esse assunto ainda me deixava mal. -Em cada grupo foi posto uma pessoa considerada normal, alguém para unir, liderar o resto, manter na linha. O negócio é que o governo não quer estudar os normais e sim vocês, então se nós não ganharmos... Ou mesmo ganhando, eu não faço ideia do que acontecerá comigo. Eu posso ser descartado a qualquer momento. E sabe lá o que isso significa, eu não sou importante para eles, sou só uma peça descartável. -se pelo menos eu soubesse que minha família está bem...

—Isso é muito, eu estou mega confusa, mas vamos ver se eu entendi. -Louise tentava por em ordem seus pensamentos. -Eles estão nos classificando entre problemáticos e normais? -concordo com a cabeça. -Bem isso é ridículo, mas continuando. Nós teremos um jogo que provavelmente envolverá força física, porque nos deram diversos instrumentos para treino. E raciocínio por isso você nos faz agir em time na hora de caçar. E habilidades, como de saber caçar. -afirmo mais uma vez. -E tem você no meio que meio que não serve pra nada. -essa doeu em mim, mas afirmei mesmo assim. -Mas isso é horrível, que tipo de monstros eles são?

—No fundo acho que as intenções deles são boas. Os jovens são o futuro do mundo. Não foi o que sempre disseram? Talvez realmente possamos fazer alguma diferença. -nem eu mais sabia se acreditava nisso.

—Sim, mas dessa forma? E ainda tem os líderes... Vocês podem ser descartados a qualquer hora e... Yuri, pode contar comigo, o que eu puder fazer para te ajudar é só falar -ela se aproxima de mim. -Você... Você é meu amigo e amigos servem pra isso, mas você podia ter me contado tudo antes, teria sido bem mais fácil. -ela dá um beijo na minha bochecha e sai correndo. -Quem sabe até não paro de te roubar? -diz ela já a uns dez metros na minha frente.

Fiquei para trás observando a cachoeira, a sensação de ter contado para alguém era maravilhosa. Tinha também a parte que parecia estar tudo começando a funcionar, mas não podia me animar, ainda havia uma galera para chegar e se foi difícil com poucos não posso nem imaginar com muitos.


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