Patronwood - Entre luz e trevas escrita por Violet Fairhy


Capítulo 3
Capítulo III - Ataque


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos leitores! A partir de agora, novas informações, revelações e mistérios surgem na vida de Violet. Espero que gostem deste capítulo e por favor, deixem REVIEWS, é muito importante para que eu possa continuar.
Beijos :*



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Cansada demais, sentei-me ao pé de uma árvore com galhos baixos e esparsos, alguns pingos de água caíam sobre mim, em decorrência do derretimento da neve que já desaparecera quase totalmente. Não havia indícios de que alguém me seguira, corri tanto… Meu braço ardia no local do arranhão que sofri ao prender a manga do casaco em um arbusto rabugento. Terei que explicar a Zara como rasguei a roupa. Argh!

Ouvi um barulho no alto de um dos galhos e em alerta, levantei-me rapidamente procurando por algo lá em cima.

– Quem está ai? - perguntei e não recebi nenhum som em resposta. - Quem. Está. Ai? - indaguei novamente de forma pausada aumentando o tom de voz.

Devia ter sido algum pássaro, pensei comigo mesma quando ninguém respondeu. Foi então que houve um baque. Alguém havia pulado sobre mim, meu tronco bateu com força no chão e meu rosto se afundou naquela lama misturada com grama e neve derretida. Tentei agarrar quem quer que estivesse em cima de mim, mas a pessoa empurrou minha cabeça contra o chão sebento.

– Ai! - gritei com a voz abafada pela grama parca e úmida - Saia de cima de mim!

– Você não deveria ter vindo para cá! Você é um infortúnio, Gardien! - era uma voz de homem, ele gritava de um jeito desvairado.

Sua mão de repente estava no meu ombro, o pânico começava a tomar conta de mim. Não me toque! - gritei dentro da minha cabeça. Logo, com a outra mão, ele puxou meu braço fazendo-me protestar e me virou de modo que eu ficasse de barriga para cima, assim eu pude vê-lo. Ele usava uma roupa do Liceu, devia ter poucos anos de idade a mais que eu, mas seu corpo era praticamente duas vezes maior do que o meu e sem contar a força. Seus cabelos marrons estavam na altura do ombro e sua expressão era feroz como a de um leopardo, num rosto bem desenhado. Comecei a me agitar descontroladamente tentando fugir.

Seu punho avançou em minha direção, mas tive tempo de desviá-lo com meus antebraços e ele acabou acertando minha bochecha. Aquilo doeu, mas ignorei, alcançando seu pescoço e o arranhando forte com minhas unhas.

– Sua… - o sujeito proferiu alguma blasfêmia que eu desconhecia e desta vez, infelizmente, não errou, acertou meu nariz em cheio.

Gritei mais alto, tapei o nariz com as duas mãos, meus olhos estavam cheios d’água por conta do impacto.

– Seu desgraçado! - xinguei atacando-o com minhas unhas novamente. Sentia uma fina linha escorrer por minha bochecha, sangue. O sujeito não perdeu tempo, uma de suas mãos voou para meu pescoço, apertando-o forte enquanto seu punho avançou novamente em minha direção.

– Philip! - outra voz surgiu no meio das árvores. Era grave e rouca. O rapaz que me atacava parou com o braço suspenso pronto para me dar o próximo golpe.

Fiquei alerta. Em nenhuma circunstância eu conseguiria lutar contra dois. Desesperei-me ainda mais, buscando minha liberdade.

– Solte-a! Já! - uma segunda voz.

Quantos eram eles afinal? Todos meus algozes? Eu não conseguia enxergar onde eles estavam. Todavia, tão rápido como o primeiro indivíduo veio, alguém o empurrou para longe fazendo-o se chocar contra uma árvore. Prendi a respiração com o susto e imediatamente me ergui, já preparada para me defender, ou correr, se fosse o caso.

Dois rapazes com o mesmo uniforme do primeiro, porém com casacos pretos e compridos, encaravam-me a uma distância considerável, um deles mais a frente.

– Vocês sabem o que a chegada dela significa! Não finjam que nossas vidas vão continuar como eram! Deviam estar me ajudando a destruí-la! - o cara da árvore gritava enquanto segurava a cabeça com uma das mãos, parecia estar tonto, tentando se levantar.

– Cale-se! - um dos dois jovens disse, fazendo um gesto de escárnio com as mãos.

– Você é um covarde-idiota. - o que estava mais ao fundo caminhou em minha direção. Retraí-me.. - Ei, não vamos machucá-la. Você está bem?

Pude ouvir um praguejo do sujeito que chegou com ele e que por sinal havia batido naquele que me atacou.

– Eu pareço bem? - perguntei ironicamente, limpando meu nariz com a manga do casaco e agarrando minha mochila esquecida no chão. - Acho que tenho um nariz quebrado, ótimo!

Reparei no jovem que se aproximou, ele me olhava com curiosidade. Era moreno claro e tinha cabelos e olhos pretos como a noite, forte e um pouco mais alto que eu. O segundo garoto, tinha um porte maior, sua pele era clara e contrastava com seus cabelos escuros e bagunçados, seus olhos verdes eram insondáveis. Desviei o olhar e comecei a andar na direção em que havia visto a estrada de chegada.

– Ei espere, sou Theo e aquele é o Derek. O palerma grogue é o Philip. - dizia o garoto se aproximando.

– Não chegue perto de mim, okay? - avisei erguendo um punho para ele. O olhos-verdes, Derek, riu brevemente com deboche. Aquilo fez minha raiva crescer.

Olhei para a minha frente e recomecei a caminhar com passos pesados, meu nariz doía, meu braço e minha minha garganta também, xinguei baixinho e olhei para o céu anuviado.

– Espere! - senti pegarem meu braço.

– Não me toque! - gritei com fúria puxando o braço.

Um trovão soou alto no céu naquele momento fazendo-nos olhar para o horizonte. O céu escureceu de forma célere e o clarão de um raivo iluminou a todos nós.

Theo, Derek e o miserável do Philip me olharam simultâneamente. Voltei para a minha rota, seguindo em frente, desta vez mais rápido, queria ficar o mais longe possível daqueles caras. Tentava controlar minha respiração e me acalmar. Eu nunca havia agido assim, de certo pelo fato de ninguém ter tentado me atacar algum dia, mas descobri que proceder com o intuito de me defender era mesmo um reflexo cravado em mim, no entanto, tamanha fúria eu não reconhecia e nem tinha explicações. Eu poderia ter ficado bastante brava, mas aquela raiva era incomum. Minhas mãos tremiam e meu coração batia num ritmo bastante acelerado. Eu sentia que poderia atacá-los com toda garra. Por Deus, que nenhum deles venha atrás de mim.

– Violet, espere! - Theo. Soltei um grunhido.- Para onde está indo? - ele correu e agora caminhava ao meu lado.

– Como sabe meu nome? - perguntei friamente.

– Todos sabem. - ele me olhou como se a resposta fosse óbvia. - Vamos voltar, você precisa…

– Me deixe em paz! E eu não vou pedir de novo! Se você vier atrás de mim eu… - outro trovão ressoou ao longe, eles pareciam vir em momentos bem apropriados. Respirei profundamente. - Só me deixe. - meu tom sinistro o fez parar. Eu me perguntei de onde havia tirado tamanha frigidez. No entanto, não pensei, continuei andando sem olhar para trás e parecia que finalmente o garoto insistente entendeu que eu não queria ninguém comigo.

Tomei a estrada e segui pela margem, não era difícil lembrar por onde Aaron passara, as marcas de pneus de carros direcionavam-me. Andei por mais ou menos uma hora até avistar aquela que eu havia nomeado de vila. Não cruzei com ninguém por um longo tempo. Peguei ruazinhas confusas perambulando sem rumo, observando aquelas casas com um arquitetura clássica, esmerada e sombria, imaginando como poderia haver um lugar daqueles, tão preservado em meio à realidade apocalíptica das seis décadas pós guerra.

Algum tempo depois me deparei com a rua onde haviam os estabelecimentos. Algumas almas vivas finalmente apareceram no caminho.. Eu devia realmente estar em mal estado, pois elas passavam por mim franzindo a testa e como já fazia algum tempo que eu estava andando, estava cansada, minhas pernas tinham um ritmo lento, às vezes cambaleante, alguns dos habitantes afastavam-se sem cerimônias. Ajeitei a mochila sobre o ombro direito e com a mão, tapei os arranhões que rasgaram a pele do meu braço. Ignorei-os desejando estar pegando o caminho certo e chegar logo na casa dos meus tios.

O problema é que eu não estava no caminho certo. Cruzei ruas e ruas, dobrei várias esquinas e não encontrava a saída para a estrada por onde eu me lembrava ter vindo. Por um momento cheguei a caminhar círculos. Não passei mais pela rua principal e por mais estranho que pareça, não encontrei mais ninguém para ao menos perguntar sobre qual direção eu deveria seguir.

Minhas pernas pediam descanso, meus ferimentos pediam cuidado mas eu me recusei a parar um só minuto, continuei no meu ritmo lento, até que em fim avistei a estrada. Sorri comigo mesma.

Esta parte de Patronwood parecia ser mais fria, apertei o casaco sujo em volta do meu corpo. Minha barriga roncou e só então percebi o quanto estava faminta, abri a mochila esperando encontrar algo lá dentro para comer e para a minha sorte lá estava um pacote. Zara. O peguei e vi um sanduíche com uma especie de molho verde e uma fatia do que parecia ser presunto. Lembrei dos lanches que minha mãe fazia. Nas Casas Auxilium não tínhamos isso. Apenas pão. Comi rapidamente o que seria meu almoço e no fundo do pacote havia um bilhete. É, pelo visto minha nova - e única - tia gostava deles:

“Violet, no Liceu irão servi-la, porém, como os horários para alimentação são rígidos, preparei isto para o caso de sentir fome. Tia zara.”

– Será que ela queria mesmo cuidar de mim ou apenas estava me bajulando? - pensei alto.

Por toda a mansão dos Gardien, não vi uma só fotografia de Aaron e Zara ou algum filho. Se minha dedução estivesse certa, eles nunca tinham tido filhos e agora minha tia tinha a mim. Talvez suas intenções realmente fossem boas e com certeza ela merecia um voto de confiança, porque diferentemente de Aaron só havia me tratado bem desde que cheguei. Só que ela não quis me dar respostas. Eu podia mesmo confiar? Continuei seguindo a estrada com meus pensamentos por um longo tempo, até por fim avistar o alto da torre atrás de umas árvores, eu estava perto. Havia menos neve mas ainda sim, ela cobria o chão, mesmo que com uma camada mais afilada.

Meu nariz não estava mais sangrando, todavia eu não podia nem ao menos tocá-lo pois estava deveras dolorido. É… eu não tinha noção do estado que se encontrava meu rosto a essa altura. Aquele infeliz ainda iria me pagar. Senti uma faísca de raiva de Philip ainda, mas já em menor teor do que no momento em que os rapazes chegaram lá. Aliás, eu os devia ter agradecido, mas estava tão nervosa que nem ao menos lembrei. Fiz uma nota mental para dizer obrigada quando os visse novamente, ainda sim, eu estava com alguns pés atrás com aqueles dois. Este lugar parece ser repleto de pessoas loucas ou mórbidas, pelo que notei.

Lá estava a mansão, eu agora podia vê-la. Olhei para o céu cinza coberto por nuvens que com certeza desabariam chuva assim que a neve terminasse de derreter. Nem imaginava que horas eram, já fazia muito tempo que eu estava andando, me sentia esgotada, quase sem forças e cheia de dores. Não consegui me lembrar se em algum dia cheguei a ter tal sensação.

Subi os degraus que davam acesso á porta da frente e bati com a argola pesada e polida na madeira e em poucos segundos Peterson abriu a porta, ela rangiu um pouco. Ate que em fim alguma coisa era imperfeita naquela casa. Entrei para dentro quase rindo com aquele pensamento bobo, mas quando notei a expressão perplexa no rosto do mordomo, assustei-me.

– O que houve? - perguntei tirando a mochila das costas e fazendo uma careta quando estiquei o braço machucado.

– Senhora… - Peterson disse e só então notei que Zara estava parada em uma porta do outro lado da grande sala.

– Violet! - sua voz estava cheia de angústia e preocupação quando ela veio apressada até mim e segurou meus ombros. - O que diabos aconteceu com você?

– Eu… eu estava… - ia responder mas ela me interrompeu.

– Seu tio foi atrás de você e não a encontrou. Neste momento ele está à sua procura. Como chegou até aqui? - sua voz agora era mais alta, ela parecia brava.

– Andando. - respondi, simplesmente.

Zara me pegou pela mão, arrastando-me para a escada.

– Peterson, por favor, ligue para meu marido e diga que ela já está em casa. -ela disse enquanto subíamos.

– Sim, Senhora. - viramos o corredor a tempo de ouvi-lo responder.

Entramos no quarto e quando andei em direção à poltrona com o intuito de me jogar nela, Zara puxou meu braço me levando em direção ao banheiro.

– Seu tio está furioso! - reclamou ela desabotoando meu casaco e olhando com reprovação para a manga rasgada.

Engoli a seco imaginando que teria que lidar com um Aaron naquele estado de espírito.

Quando Zara deslizou o casaco por meus braços ela me olhou levando as mãos à boca.

– Conte-me o que houve. - sua voz agora era mais paciente. Finalmente ela tinha parado para me ouvir. - Quem fez isso?

– Um garoto lá no Liceu. - respondi vagamente. - Menos no braço, isso eu arranjei sozinha. - gesticulei mostrando o arranhão manchado de sangue.

– E porque Laurier não fez nada para impedir? - minha tia parecia já compreender a atitude de Philip, mas agora estava muito irritada. - A mandamos para lá com a intenção de ficar mais protegida aprendendo tudo o que precisa e no entanto, olha o que acontece! Vou ter uma conversa com a diretora amanhã mesmo!

– Ela não estava lá… É que… Eu fugi na sala de aula e então ele me atacou na floresta e dois outros chegaram e me ajudaram.

– Fugiu? Por que, Violet? - sua testa se franziu pela falta de compreensão.

Contei-lhe resumidamente tudo o que tinha acontecido naquele dia.

– O mais sensato seria ter ficado na sua sala. Não fariam nada com você lá. - ela disse balançando a cabeça.

– Mas eu lhe disse. Aquelas pessoas estavam me encarando daquele jeito estranho. Eu não consegui ficar lá! - expliquei em um tom suplicante.

– Isso não é desculpa. - ela respondeu duramente. Estava chateada comigo.

Eu estava prestes a argumentar que se ela estivesse no meu lugar também fugiria, mas desisti. Zara não iria entender. Então suspirei e comecei a caminhar em direção ao espelho, mas ela me bloqueou.

– É melhor que não se veja ainda. Venha tomar um banho. - ela começou a desabotoar as barras da manga da minha camisa.

– Eu sei fazer sozinha. - disse puxando o braço, mas ao puxar meu ferimento se esticou, choraminguei pela primeira vez naquele dia.

– Eu sei que você sabe, mas precisa de minha ajuda, mesmo que não queira admitir isso. - ela recomeçou o que estava fazendo.

Não discuti. Me despi e entrei no box espaçoso. Eu estava envergonhada mas o meu desgaste físico era tão grande que eu não conseguia assimilar nada por completo. Foi então que um jato de agua gelada caiu em cima de mim. Gritei com o espanto.

– Água fria não! - exclamei sentindo falta de ar e saindo debaixo do chuveiro, puxei a toalha das mãos de Zara e me cobri.

– Se você entrar embaixo da água quente com esses machucados vai ser muito pior. - explicou ela calmamente.

– Você está me punindo! - acusei.

– Não, eu não estou lhe punindo. Eu estou querendo o melhor para você! Desde a hora que seu tio ligou dizendo que não a encontrou no Liceu, consegue imaginar como eu me senti? Pensei que algo horrível havia acontecido, Violet! E agora você chega nesse estado e quer agir como se fosse autossuficiente. Adivinhe? Você não é. Está cheia de hematomas e mal consegue ficar de pé! - Zara me olhava com os olhos brilhantes, porém com a expressão severa.

Aquelas palavras me causaram mais choque do que a água gelada.

– Porque se importa? - a pergunta estava nos meus lábios antes mesmo de eu percebê-la chegar.

– Porque por um instante eu pensei que você pudesse ser a filha que eu nunca poderei ter. - seus olhos agora estavam cheios de lágrimas. Ela confirmara minhas suposições anteriores. - Não irei deixar que nada de ruim aconteça a você. Confie em mim! Eu quero que você escolha a luz.

Não entendi muito bem a ultima parte de sua fala, porém deixei passar, havia uma coisa mais importante a ser dita e meus pais sempre me ensinaram a não ser mal agradecida, a ter fé nas pessoas. Isso era complicado para mim, mas resolvi aplicar ali.

– Desculpe-me. - baixei a cabeça sem ter coragem de olhá-la. Eu não queria chorar ali. Não sabia como reagir a esses momentos de afeto depois de cinco anos sem sentir nada.

Por segundos que pareceram horas nenhuma de nós falou nada. Senti sua mão em meu ombro me incentivando a entrar embaixo do jato de agua novamente. Respirei fundo e encarei aquele gelo.

– Então a água fria continua? - perguntei, para descontrair.

– Continua. - respondeu Zara, vazia.

– Acho que essa conversa não foi muito apropriada para a situação. - gesticulei o banheiro e a mim. Dessa vez consegui arrancar um sorriso do rosto dela.

– Violet, Violet fico feliz em descobrir que existe senso de humor em você. - ela disse, piscando para mim.

Minha tia apenas lavou meus ferimentos, meu cabelo e saiu do banheiro para eu terminasse meu banho. Fui o mais rápida possível. Saí do box tremendo e me enrolei no roupão pendurado num gancho da parede, depois de me secar coloquei as roupas íntimas e um pijama quente que já estava sobre o balcão da pia à minha espera.

Quando deixei o banheiro, Zara envolveu meus cabelos compridos em outra talha e em fim pude me jogar na cama, foi então que ouvimos passos pesados se aproximarem do quarto e como um furacão meu tio entrou avançando para mim e pegando-me pelo braço com força. Acho que paralisei naquela hora.

– Onde você estava? - ele vociferou.

– Eu… - não sabia o que dizer ou por onde começar. Aaron apertou meu braço em cima do meu arranhão. Choraminguei novamente.

– Solte-a! Não vê a situação da garota? - Zara interveio com a voz tão furiosa como a dele. Era a primeira vez que eu a via falando daquele jeito.

Meu tio por fim me olhou, as chamas de cólera apagaram em seus olhos e sua mão afrouxou.

– Quem fez isso com você? - perguntou ainda sério.

Eu estava tão assutada que nenhuma palavra saiu da minha boca. Ele pareceu se irritar.

– Aaron, Violet está cansada. Deixe-me cuidar dela e depois eu mesma explicarei o que aconteceu. - Zara segurou no ombro dele no que me pareceu uma tentativa de acalmá-lo. - Ela me contou.

Ele finalmente me soltou e sua respiração ficou normal.

– Você está certa. - meu tio se afastou e passou a mão pelo cabelo, frustrado. Virou-se e, saiu do quarto.

Eu ainda estava paralisada mas um abraço de Zara me despertou e tranquilizou.

– Está tudo bem. - disse ela.

– Já faz cinco anos… - disse eu, absorta.

– O que? - ela se afastou, olhando-me.

Demorei para responder, mas o fiz.

– Afastei-me de todos depois da tragédia que aconteceu com meus pais. Eu não suportava mais ser tocada, queria ficar longe de qualquer tipo de afeto ou felicidade... Por isso tenho me mostrado difícil de se conviver. - confessei aquilo que nem para mim mesma admitia. - Você é a primeira pessoa que eu não tenho tido tantos problemas em chegar perto. Talvez porque me lembre da minha mãe. É, talvez seja isso. Eu sinto tanta falta dela… - fiquei pensativa, olhando para quarto sem realmente vê-lo. - Hoje, quando aquele garoto me atacou e até mesmo agora com a explosão do tio Aaron, senti vestígios de pânico e ressentimento dentro de mim. É como se… Se eu quisesse viver num vazio e quando há algum contato, esse vazio se desfaz e não sei como reagir. - baixei a cabeça imaginando que ela estava me achando uma garota estranha e perturbada. E se eu fosse exatamente isso? - É difícil de explicar. - terminei, indo me sentar na poltrona da janela.

Zara se aproximou, apoiando uma mão na poltrona mas não me tocou.

– Você não recebeu nenhum tipo de atendimento no lugar onde estava vivendo? - perguntou ela.

– Eu não sou louca. - olhei para ela e pude apostar que meu semblante não era um dos melhores.

– Eu nunca disse que você é louca, Violet. - ela se abaixou para ficar no mesmo nível que o meu. - O que quero dizer é que você precisava conversar com alguém sobre isso. Quem sabe a teriam ajudado, entende? Mas isso não importa. Você está aqui conosco agora e eu vou auxiliá-la. - seu tom de voz era compreensivo. - Entendo que o que você passou foi muito difícil. Obviamente iria deixar alguma marca.

Por um longo tempo, não dissemos nada, minha tia me olhava insistentemente.

– Por favor, não me olhe assim. Eu não gosto que me olhem desta maneira e desde que cheguei, as pessoas só fazem isso. - disse frustrada esfregando a testa com as pontas dos dedos.

– Você se parece tanto com ela… - Zara divagou.

– Ela quem? - franzi a tesa.

– Sua mãe.

Arregalei os olhos ansiosa com a revelação.

– Você a conheceu? - era a primeira pergunta de muitas.

– Sim, éramos boas amigas. Seu rosto lembra muito o dela, apesar de você ter herdado os olhos de seu pai, devo observar. - ela sorriu - A sinceridade que você coloca na palavras também era característica de sua mãe.

– Como vocês se conheceram? Por que se afastaram? - eu estava tão animada com as informações que vinham de Zara.

– Eu não posso falar sobre isso agora. O que posso dizer é que cuidar de você além de ser especial para mim também é o pagamento de uma promessa que fiz a Caroline. - ela respondeu e quando eu ia protestar, prosseguiu. - Você vai descobrir tudo na hora certa Violet, por hora, quanto menos souber, mais estará protegida. Há algo muito grande dentro de você, minha querida - ela ergueu a mão tocando o lugar onde meu coração batia contra o peito. - Só precisa confiar em mim. Você confia?

Suspirei, mais ou menos conformada.

– Confio.

– Obrigada. - ela hesitou mais uma vez, porém me envolveu em um abraço materno e carinhoso e pela primeira vez, retribuí.

Senti algo bom despertar dentro de mim. Era um resquício de algo que me dizia que eu não estava mais sozinha.

– Que tal comer algo agora? - minha tia me soltou e eu fui me deitar na cama.

– Não estou com fome, obrigada. Só quero descansar. - sorri, tentando convencê-la.

Ela me observou com uma sobrancelha arqueada e por fim cedeu.

Deitei-me e me cobri. Zara pegou outro cobertor e jogou por cima do meu.

– Apesar da neve estar se dissipando, esta noite promete ser bem fria. Descanse. - ela beijou minha testa.

Fechei os olhos pois minhas pálpebras já pesavam e um minuto antes de cair completamente no sono senti tocarem meu rosto, meu pescoço e pegarem meu braço embaixo da coberta. Era confuso. Então a voz da minha tia soou num sussurro pronunciando palavras que que não entendia, tive a impressão que não entenderia nem mesmo se estivesse bem acordada, e então a voz se foi, as mãos se foram e o estágio mais profundo do meu sono chegou.

***

Não fazia a mínima ideia de quanto tempo tinha passado quando ouvi um barulho que me acordou. Apertei os olhos antes de abrí-los, estava escuro lá fora e no meu quarto. Outro barulho me assustou. Era na janela. Levantei-me e caminhei até a poltrona, olhei o lado de fora por alguns segundos, mas não conseguia ver nada lá embaixo, foi ai que abri a janela repentinamente e uma pedra voou em minha direção, desviei minha cabeça bem a tempo e uma breve risada ressoou lá embaixo.

– Parece que você tem bons reflexos, Gardien. - eu conhecia aquela voz. Era Theo.

Antes que eu falasse algo, ele começou a escalar pelas trepadeiras na parede com agilidade, alcançou o batente da janela e eu me afastei quando ele deu um impulso e se sentou lá. Theo segurava uma lamparina antiga.

– O que você pensa que está fazendo aqui? - perguntei ríspida.

– Oi pra você também, marretinha. - ele respondeu com um sorriso cheio de dentes brilhantes. - Desculpe pela pedra, mas foi você quem abriu a janela na hora errada.

– Era só o que me faltava! - disse eu num volume mais baixo ao lembrar que meus tios estavam dormindo na outra ponta do corredor. - Foi você quem apareceu aqui no meio da noite e sem ser convidado!

– Valeu a pena então. - ele me observava.- Você fica ainda mais bonita quando está brava.

Meu rosto enrubesceu diante daquele elogio cheio de graça e do olhar meigo de Theo. Agradeci por estar escuro, a luz da lamparina ser amarela e consequentemente ele não poder me enxergar direito.

– É melhor você ir embora. - coloquei as mãos na cintura. Não ia me deixar envolver por aquele sorriso, eu não conhecia ele e o mais importante, não confiava nele. Não confiava em ninguém daquele Liceu.

– Ei, calma. Eu só vim aqui para ver como você está e o Senhor Gardien não me parece muito propenso a visitas, então, achei a madrugada mais segura. Ninguém nunca vem aqui. - ele olhou em volta do quarto.

– Como assim “ninguém nunca vem aqui”? - perguntei franzindo a testa.

– As pessoas não se aproximam da mansão. A maioria tem medo, penso eu. Mas olhando aqui dentro, não parece ser tão assustadora. - explicou Theo, tombando a cabeça de lado.

– De que as pessoas têm medo? - insisti.

Ele me olhou novamente, parecia buscar as palavras para responder.

– Não sei exatamente. Mas meus pais já disseram que coisas muito ruins aconteceram aqui.

– Que coisas? - me aproximei, curiosa.

– Muitas coisas… - respondeu ele vagamente. - Bem, você parece estar bem melhor. Tenho que ir embora agora, preciso dormir para ir amanhã ao Liceu. Você vai, não é? Olha, se quiser, pode ficar comigo, eu te protejo! - Theo estava com aquele sorriso novamente.

– Rá rá, até parece. Eu sei me cuidar e pelo visto não tenho outra escolha, devo ir - falei, irônica.

– É sério, sei que você não conhece ninguém lá, ficarei feliz em mostrar a área.

Examinei-o por um instante e por fim aceitei.

– Está bem. Mas sem essa história de bancar o herói. Já disse que sei me cuidar.

– Fechado, marretinha. - ele piscou para mim.

– E pare de me chamar assim ou o próximo nariz quebrado será o seu. - não consegui me conter e soltei uma risada baixa, ele me acompanhou.

– Durona você hein. - dizendo isso ele pegou minha mão e a beijou de leve, fiquei paralisada por um instante, mas logo puxei a mão. Ele sorriu de novo, não parecendo afetado, se virou e começou a descer pelas trepadeiras. - Boa noite, Violet. Vejo você amanhã?

– Sim. Boa noite, Theo.

Fiquei na janela, até que ele estivesse no chão e sumindo no meio da escuridão. Estava bastante ansiosa para que ele me contasse mais sobre esta mansão e o que houve nela, eu precisava saber e com certeza Theo iria me dar algumas informações. Além disso, nós iríamos conversar novamente.

– Foi ousado ele ter vindo aqui. - pensei alto. Sorri de lado e balancei a cabeça. Talvez o Liceu não seja tão ruim assim.


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Notas finais do capítulo

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