Assembleia de guerra escrita por Vultor


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

História betada pela grande Zusaky.



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Um líder não pode demonstrar fraqueza.

Talvez fosse isso que meu pai queria ensinar. Quando eu era criança, ele visitava nossa casa uma vez por mês, me batia a ponto de tirar sangue e depois levava minha mãe para o quarto, pelo tanto que ela gritava, parecia estar sendo espancada.

Nos padrões da minha raça, tive uma juventude normal, não sou humano, sou um Uratha, ou lobisomem como preferir. Diferente dos filmes, podemos nos transformar a hora que quisermos, mas a forma Gauru, a do monstro gigante meio lobo meio homem, é perigosa. Um único insulto pode fazer com que a raiva se transforme em frenesi, o Uratha perde o controle e destrói tudo, até mesmo os aliados.

Na região onde morávamos, duas alcateias disputavam território, a nossa, regida pelo totem do leão e liderada pelo meu pai, e outra, regida pelo totem do unicórnio, liderada por um Uratha chamado Kalash Presa Sombria. Nossa alcateia era muito menor, numa proporção de um dos nossos para três dos deles, assim, a cada combate ou negociação nossos territórios diminuíam. Para piorar, os anos finalmente atingiram meu pai, ele estava velho e muitos acreditavam que era incapaz de nos liderar.

A assembleia.

Aconteceu em uma floresta, a lua cheia iluminava a clareira em que estávamos, as duas alcateias face a face. No centro, os líderes se encaravam, ambos na forma Gauru, precisavam demonstrar poder e auto-controle. Kalash era um imenso lobisomem de pelagem negra, meu pai, não tão musculoso, tinha uma pelagem como a minha, avermelhada e com focinho preto.

Kalash foi taxativo, ele estava requisitando a cidade como território, incluindo todos os humanos com sangue lupino, minha mãe e meus irmãos, por exemplo. Isso decretaria o fim da nossa alcateia a longo prazo. Entretanto, a desvantagem numérica inibia contestação.

Meu pai olhou para cada um de nós, era possível ver sua expressão de medo. Juro pelo pai lobo, por Luna, por todos os espíritos, que ele demorou os olhos sobre mim, como se pedisse ajuda. Precisava fazer algo.

Um líder não pode demonstrar fraqueza.

Assumi a forma Gauru e avancei, os lupinos descendentes de ciganos são os mais rápidos entre os Uratha. Antes que qualquer um esboçasse reação, enterrei a garra no estômago do meu pai, ele urrou, se desvencilhou e acertou minha face. Todos olhavam atônitos, foi rápido, visceral, não houve tempo de reação. O próximo golpe foi certeiro, uma mordida na jugular, meus dentes rasgaram pele e os fortes músculos do pescoço, acertando veias e artérias. Em poucos segundos meu pai agonizava no chão, todos sabiam que não havia mais volta. Kalash sorria.

Em seguida, aproximei do Presa Sombria, passei da sua zona de conforto chegando tão perto que nossos focinhos praticamente se encontraram, mas ele não recuou. Não podia demonstrar fraqueza. O sangue se misturava ao suor e escorria pelo meu pescoço, o hálito do inimigo me incomodava, fedor de carne humana e álcool. Tentei ser cortês, afinal, estávamos em desvantagem numérica. A cortesia não saiu:

— Repita seus termos.

Os corações dos Urathas batiam como tambores, alguns de minha alcateia engoliam em seco, todos paralisados pelo inesperado. Kalash era um pouco mais alto, então abaixou a cabeça até que nossos olhos se cruzassem e falou com um sorriso:

— Isso é assunto de adultos, filhotes não deveriam se intromet…

Minha pata voou em sua têmpora como um relâmpago, cortando a frase e um pedaço da orelha. Ele caiu com um estrondo, o pedaço de orelha retornou à forma humana em meio ao sangue.

— Eu mandei repetir, não mandei fazer piada – rugi. – Repita seus termos!

Alguns inimigos rosnaram, outros mostraram os dentes, uns iniciaram a transformação para Gauru, todos prontos para o combate. Mas como lutar se o alfa estava no chão? Um instante de hesitação e perderam o momento. Latiram. Cão que late não morde. Kalash se levantou.

O Presa Sombria andava de um lado para o outro, suas garras tremiam, sua cabeça balançava como um epiléptico tendo um ataque. O monstro queria sair, Kalash lutava para manter o controle, sufocar o frenesi. Eu olhava impassível, a proporção era de três para um, tudo bem, nunca fui bom em matemática. O silêncio foi absoluto, os únicos sons vinham dos corações que pulsavam e das cigarras que, alheias ao terror dos arredores, cantarolavam suas melodias intermináveis. Kalash se controlou. Parou de andar.

— Você jogou um jogo perigoso, garoto, um dia vou matá-lo por isso. Mas alegre-se, esse dia não é hoje – Sorriu o Presa Sombria. – Vamos! –gritou e entrou na floresta seguido por seu grupo.

Admirei Kalash naquele dia, compreendi porque sua alcateia era tão superior. Orgulho é fraqueza, humildade é força.

Um líder não pode demonstrar fraqueza.


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