Mrs. & Mrs. Swan-Mills escrita por Thauana


Capítulo 16
Em caso de ataque: Não esqueça de levar sua Minivan.


Notas iniciais do capítulo

Dedicado à todas as pessoas que andam de ônibus e sabem como a Emma sentiu-se ao ser lançada pra lá e pra cá dentro do carro. Divirta-se.
P.S.: Obrigada à vcs que acompanham a fic.



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REGINA

Fachos de laser verdes e vermelhos entrecruzavam-se acima de nossas cabeças como um espetáculo de Natal. Mas de natalinos não tinham rigorosamente nada.

Wham!

A porta da frente se abriu com estrépito, e um número incerto de vultos atravessou a soleira em direção ao interior da casa sem ao menos limpar os pés. Que falta de educação!

Emma e eu corremos para as portas que davam para o quintal, mas as vidraças se estilhaçaram bem diante do nosso nariz. Mais vultos — dessa vez entrando pelos fundos.

Estávamos cercadas. Pior, estávamos cercadas e desarmadas.

— Vem comigo — Emma sussurrou, puxando-me pela mão. — Vamos descer as escadas!

Calei-a com um dedo sobre os lábios e depois, utilizando o código manual das forças especiais da Marinha, sinalizei:

Não. Armadilha. Ruim.

Sim — Ela sinalizou de volta. Ouvir. Eu. Descer. Escadas.

Não. Idiota. Pensar — retruquei.

Emma seguiu para as escadas do porão, arrastando-me atrás dela.

De repente me lembrei:

Espera. Armas. Minhas. Cozinha.

Não —Emma sinalizou. Lá. Perigo.

Calar. Boca. Ouvir. Eu. Uma. Vez.

Olhei para ela com cara de poucos amigos. E ela olhou para mim do mesmíssimo jeito.

Não. Você. Calar. Seguir. Eu.

Vá se foder! — Esse sinal provavelmente não estava incluído no manual da Marinha, mas Emma certamente entendeu o recado.

Nesse instante ouvimos passos na nossa direção — não dava para continuar discutindo.

Chegando à porta do porão, descemos as escadas às pressas, Emma empurrando-me por trás.

O lugar estava escuro e um pouco bolorento, mas muito bem arrumado — mérito meu, é claro. Caixas e mais caixas cobriam as paredes, todas devidamente fechadas, empilhadas e organizadas em ordem alfabética.

Um exagero, vá lá, mas naquelas circunstâncias um pouco de ordem talvez pudesse salvar a nossa pele.

Rapidamente passei os olhos pelas etiquetas: anuários da universidade, enfeites de Natal, revistas Gourmet...

Puxei uma das caixas do alto e rasguei a dobradura da tampa. Ali encontrei uma pilha de roupas de inverno, velhas, porém cuidadosamente dobradas. Nada de muito chique ou moderno, mas qualquer coisa seria melhor que o estado de semi nudez em que nos encontrávamos.

Escolhemos camisas, calças, botas —tudo o que pudesse ser útil naquelas circunstâncias.

Ali tivemos a primeira oportunidade para recuperar o fôlego e tentar descobrir que diabos estava acontecendo.

— Os caras não confiam nem um pouquinho na gente — disse Emma enquanto se metia num par de calças. — Será que não podiam ter esperado ao menos um dia?

— Saímos do controle deles — eu disse, pelejando para abotoar uma camisa masculina de flanela. Por que será que os homens colocam os botões do lado errado? — Então mandaram essa gente atrás de nós.

Emma localizou uma caixa de trenzinhos de brinquedo, depositou-a a seus pés e rasgou o papelão. De dentro tirou duas armas, uma grande e uma pequena. Tomou a grande para si e me passou a outra.

Com as mãos plantadas na cintura, reclamei:

— Por quê fiquei com a arma de mulherzinha?

— Shhh!

— Mas...

Emma jogou a arma grande nas minhas mãos apenas para me calar. Depois apontou na direção do teto.

Passos no andar de cima.

E então, antes que pudéssemos fazer qualquer coisa...

Bam! Bam! Bam!

Alguém abriu fogo contra a porta do porão, arrancando-a das dobradiças. Uma silhueta escura postou-se no alto das escadas.

— Boa viagem, lindinhas! — disse uma voz masculina.

Em seguida, deixou cair alguma coisa e saiu. Dois objetos pequenos rolaram escadaria abaixo até o chão.

Essa não! Duas granadas!

Sem tempo para raciocinar, Emma simplesmente chutou as granadas para longe. Pareciam de brinquedo, mas obviamente não eram. Rolaram pelo chão e por fim se alojaram sob o aquecedor de água.

Emma olhou para mim como se quisesse dizer: “Opa, eu achei que...”

E eu olhei para ela dizendo claramente: “Eu falei que o porão era uma má ideia, não falei?”

Estávamos presas ali, com duas granadas prestes a explodir sob o aquecedor.

Apenas uma opção: Emma agarrou minha mão e me puxou até a porta que dava para o jardim.

Fechada a cadeado.

Agora foi minha vez de dizer: “Opa, eu achei que...”

— Mas quem trancou isso aqui? — disse Emma.

Eu tinha trancado, na noite anterior, quando tentava mantê-la fora da casa.

Recuando um pouco, Emma mirou sua arma e atirou no cadeado, fazendo com que a porta abrisse de repente. Segundos antes de...

As duas granadas explodiram o aquecedor. E o porão inteiro com ele. A força da explosão nos lançou para o alto, arremessando-nos porta afora como dois projéteis cuspidos da boca de um canhão, o fogo lambendo a sola das nossas botas.

Então saímos em disparada — correndo, saltando, tropeçando, nadando —, fazendo tudo o que fosse preciso para ficarmos o mais longe possível dali. Até que fomos forçadas a parar para descansar.

Tossindo e arquejando, olhamos de volta para nossa casa.

O fogo havia se espalhado para todos os outros cômodos, um dragão voraz destruindo todos os nossos segredos, todas as nossas mentiras. Com um ribombo parecido com o que se ouve nos terremotos, a casa começou a balançar a partir dos alicerces até desmoronar por inteiro, reduzindo-se a um poço de brasa e fumaça.

Abraçadas uma à outra, assistimos boquiabertas à destruição daquilo que poderia ser a corporificação das nossas vidas antigas. Nossa casa já não existia mais.

Então vimos algo impossível.

— Sacana filho de uma puta! — Emma sussurrou. Eu não conseguia fazer outra coisa senão olhar.

A silhueta escura — o vulto no topo das escadas do porão — surgiu incólume dos escombros flamejantes e agora vinha direto na nossa direção. Aparentemente era imbatível.

“Minha nossa, cai fora daqui!”, minha mente condicionada ordenou. Virei-me para Emma e disse:

— Precisamos de um carro!

Olhamos uma para a outra.

— Os Nolans — ela disse.

Corremos até a cerca que simbolizava a nossa boa vizinhança. Saltei de um único pulo, ao passo que Emma precisou escalar.

Seguimos direto para a garagem e demos uma rápida espiada para dentro: tudo em paz. A minivan dos Nolans estava pedindo para ser levada. O melhor de tudo é que eles tinham entrado de ré na garagem; tudo o que teríamos de fazer era entrar no carro e arrancar. Mais fácil impossível.

Voamos para cima da van. Emma abriu a porta do lado do motorista e logo em seguida notou algo jogado numa bancada lateral da garagem.

— Olha só pra isso... Faz seis meses que o cara está com as minhas pinças de churrasco!

Fula da vida, mas sem condições de fazer muita coisa a respeito, Emma pulou para dentro do carro e destravou a porta do passageiro para que eu entrasse. Tão logo me acomodei no banco, ela começou a trabalhar na ligação direta dos cabos.

Puxa, eu não sabia que Emma era capaz de fazer esse tipo de coisa. Fiquei imaginando o que mais desconhecíamos a respeito uma da outra.

— Emma...

Ela resmungou qualquer coisa, concentrada no que fazia.

Fiquei na dúvida se devia mesmo contar à ela. Já havíamos botado às claras todas as mentiras mais importantes. Uma mentirinha a mais talvez não fizesse muita diferença. Mas minha vontade era limpar toda a sujeira do passado e recomeçar do zero, sem nenhuma informação escondida debaixo do tapete.

Talvez fossem as chamas do inferno que havíamos acabado de atravessar — ou a possibilidade de morrermos juntas dali a cinco minutos — que me levaram a confessar:

— Eu nunca trabalhei como voluntária na Cruz Vermelha.

— Ah — ela levantou a cabeça e olhou para mim, surpresa.

— Puxa... Que pena... Isso era uma das coisas que eu realmente admirava em você.

Eu sabia. Trazer à tona as pequenas mentiras não tinha sido uma boa ideia.

— Todo mundo conta uma mentirinha de vez em quando, não conta? — falei.

Emma concordou de pronto.

— Falando nisso, nunca estudei no MIT. Sou formada pela Universidade de Notre Dame. História da arte.

Emma disse isso sem levantar a cabeça, escondida sob o painel do carro, como se tivesse revelado uma trivialidade.

— Você se formou em arte?

— História da arte — ela enfatizou. — Um curso bastante respeitado.

Virei o rosto e olhei pela janela. Diplomas, experiências, cores favoritas, filmes prediletos... havia tantas oportunidades de mentira num casamento! Que fim teria aquilo? Afinal, havia alguma verdade, por menor que fosse, no nosso casamento?

Quando dei por mim, eu olhava sobre o seu ombro para ver o que ela estava tentando fazer.

Vi quando ela olhou furtivamente para os meus peitos.

Mas todas aquelas perguntas permaneceriam sem resposta se não conseguíssemos sair rápido daquela garagem. Emma xingava baixinho cada vez que o carro roncava mas não dava partida. Talvez fosse um sinal.

— Você olhou atrás das viseiras? — perguntei.

Emma olhou para mim com aquele ar de superioridade.

— Ninguém seria tão inocente assim — respondeu.

— Emma...

— Reeegina! — Ela retrucou em tom de brincadeira.

Fiquei impaciente. Estávamos correndo contra o tempo, não tínhamos um segundo a perder.

Como quem não quer nada, estiquei o braço até a viseira acima do volante e puxei-a para baixo.

As chaves do carro caíram sobre o colo de Emma.

Tive apenas alguns segundos para dar aquele olhar de “eu te disse” quando ouvimos um barulho. Olhamos uma para a outra e conferimos nossas armas. Emma acionou o controle remoto da garagem.

Quando a porta se levantou à nossa frente, vimos um dos nossos algozes correndo em direção à rampa. Aproveitando a luz dos faróis, ela renovava a munição da pistola automática.

Inclinei-me para a frente para ver melhor. Quem eram aqueles monstros que nos perseguiam como um bando de mortos-vivos?

Analisando a aparência do zumbi — paletó e gravata, cabelos cuidadosamente penteados, rostinho de bebe — achei que parecia um vendedor de bíblias. — Muito esquisito... — murmurei.

— Os malucos estão cada vez mais jovens — disse Emma.

Depois girou a chave e fez rugir o motor da van. Assim que zarpamos da garagem, Emma levantou sua arma e disparou dois tiros precisos. O assassino foi ao chão. Emma parou ao lado do homem e recolheu sua arma.

— Pé na tábua! — eu gritei.

— “Não fale com o motorista quando ele está dirigindo” Mulher, tu tirou a habilitação pelo correio?! — disse Emma entre dentes. Em seguida, contornou como uma louca a caixa de correio dos Nolans.

Bang! Bang! Bang!

As janelas traseiras da van ficaram crivadas de balas, mas Emma deu uma guinada bem a tempo! O estrépito dos disparos ficava cada vez menos audível à medida que avançávamos na direção do sol nascente.

Não dissemos uma só palavra antes de alcançarmos a rodovia interestadual. E de repente tudo ficou calmo. Calmo demais.

Emma ligou o rádio — uma estação de soft rock, certamente a preferida dos Nolans, revivia o som dos anos 1980 com uma canção do Air Supply, a açucarada “Making Love out of Nothing at All”.

De dar arrepios. Já estava pronta para trocar de estação quando percebi algo muito estranho.

Emma cantarolava baixinho a melodia.

Viu que eu prestava atenção e começou a cantar cada vez mais alto, mais alto, até estar berrando junto com aqueles malucos.

A essa altura eu já estava completamente revirada no assento, quase em estado de choque.

Quem poderia imaginar que ela curtisse megabandas dos anos 80?

Mais um segredinho — um fetiche pervertido — que ela havia escondido de mim durante aqueles anos todos. Quando estiquei o braço para mudar de estação, Emma agarrou meu pulso antes que eu alcançasse o botão.

— Ei, eu gosto dessa música — ela disse, num tom de voz ríspido e frio. — Fica na sua.

E aumentou o volume. Cruzei os braços e virei o rosto para a janela. Mas depois de um tempo — detesto admitir isso —, comecei a balançar a cabeça ao ritmo da música.

— Baile de formatura do primeiro grau — falei baixinho. — A última dança...

Cantarolei um trecho da música e depois continuamos em silêncio, eu e Emma. Duas matadoras ouvindo um roquezinho mofado numa minivan com as janelas traseiras estilhaçadas.

Mas notei que algo se passava na cabeça de Emma. Eu conhecia muito bem aqueles lábios crispados. Alguma espécie de confissão ou queixa se formava em sua mente — algo que ela não teria forças para reprimir. Emma estava prestes a explodir, disso eu tinha certeza.

E então ela disse:

— Nunca gostei da sua torta de maçã!

— O quê?

— Da sua torta de maçã — ela repetiu. — Nunca gostei dela. Então me afundei no assento e cruzei os braços. Agora ela tinha ido longe demais. Mas tudo bem. Para essa eu tinha um troco à altura.

— Não tem problema — eu disse, sem me alterar. — A torta não era minha.

Então foi a vez dela de arregalar os olhos.

— Como assim?

— Torta congelada de supermercado — revelei. — Cinco dólares e noventa e nove centavos. Três minutos no micro-ondas.

Emma ficou boquiaberta.

— Uau! — exclamou. — Um mar de mentiras!

Mas antes que pudéssemos prosseguir naquele campeonato de revelações, Emma percebeu algo pelo retrovisor. — Merda, tem alguém atrás de nós.

As outras confissões teriam de esperar.

EMMA

Uma poderosa BMW preta se materializou no nosso encalço.

Regina e eu olhamos para trás e vimos o carro se desdobrar em mais dois — os três nos perseguindo como aviões de caça em formação, aproximando-se para o golpe final.

Gostei de ver os reflexos de Regina. A maioria das pessoas teria começado a gritar, a choramingar e a criar problemas.

Em vez disso, Regina calmamente pegou sua arma e se preparou para criar problemas — para eles.

Ainda ao som do Air Supply, Regina pulou para o banco de trás. Segui seus movimentos pelo retrovisor. Arrastando-se de bruços, ela avançou mais duas fileiras de bancos reclinados e parou na terceira, deixando o encosto em pé, à guisa de escudo. Depois jogou no bagageiro tudo o que encontrou dentro do carro — cesta de piquenique, equipamentos de hóquei, tacos de golfe — e formou uma espécie de bunker.

Santo Deus, por que será que as pessoas carregam tanta tralha dentro do carro?

Regina apertou um botão, e o vidro de trás baixou automaticamente, permitindo que ela atirasse sem qualquer obstáculo. Depois assentou a arma sobre o encosto do banco e... mandou bala!

Infelizmente tive de ultrapassar uma caminhonete que estorvava o caminho, e, com o movimento, acabei arruinando a ofensiva de Regina.

— Porra, Emma! — ela berrou. — Tirou carteira por telefone? Segura firme esse volante!

O que não era tão fácil assim.

— Não sei como as pessoas conseguem dirigir essas porcarias! — eu disse. A minivan tinha a estabilidade de um touro bêbado.

— Então é melhor você treinar num estacionamento vazio! — Regina voltou para o banco da frente. — Cai fora, Emma.

Eu hesitei, e ela me puxou pelo braço, dizendo:

— Acontece que eu sei dirigir essa porcaria.

Eu detestava quando ela começava a me dar ordens.

— Sim, senhora — concordei, num tom de voz meio azedo. Por outro lado, se ela assumisse o volante, eu ficaria livre para mandar os nossos perseguidores para o espaço, ou melhor, para o inferno.

Eu pelejava para manter o carro firme na pista enquanto tentávamos trocar de posição, o que não seria nada fácil de se fazer em alta velocidade.

Regina acabou sentada no meu colo, de frente para mim e de costas para o volante. Uma posição adorável se estivéssemos num drive-in, mas muito perigosa a 130 por hora numa auto estrada.

Fiquei meio sem graça. Seus olhos furavam os meus, fazendo com que eu me sentisse diante de são Pedro nos portões do paraíso, prestando conta de todos os meus atos na Terra.

Ficamos assim por alguns segundos. Uma nuvem de perguntas sem respostas pairando acima de nossas cabeças.

Mas ali não era hora nem lugar para lavarmos a roupa suja do passado.

Com muita dificuldade, arrastei-me para o lado, permitindo que ela virasse o corpo e assumisse a direção. O que não poderia ter demorado mais nem um segundo, pois, assim que ela botou as mãos no volante...

Wham!

Um dos nossos perseguidores jogou o carro contra o para-choque da van, provocando um terrível solavanco. Enquanto Regina ajustava o retrovisor, eu me arrastei até o banco de artilharia no fundo da van.

De volta ao jogo, éramos como duas guerreiras suburbanas, prontas para enfrentar o resto do mundo.

Uma metralhadora começou a cuspir fogo de um dos carros, reduzindo a pó todas as janelas traseiras que haviam resistido até então. O carro que tinha acertado o nosso para-choque minutos antes agora se aproximava pela direita com a fúria de um tubarão assassino.

— Atenção! — gritei. — Do seu lado! Joga pra esquerda!

Regina conferiu minha informação pelo retrovisor externo com a fleuma de quem estava a caminho do shopping e precisava mudar de pista.

Porra, outra BMW preta avançava pelo lado do motorista, será que ela não estava vendo?

— Pra hoje, de preferência!

Vi a expressão no rosto dela pelo retrovisor: Regina parecia soltar fogo pelas ventas. Só porque eu não havia feito nenhuma outra confissão embaraçosa? As coisas sempre tinham de ser do jeito dela.

— Tá bem, tá bem... — gritei do banco de trás. — Já fui casada antes. Uma vez.

Não fiquei surpresa ao constatar que minha confissão tinha tido o efeito de uma tijolada. Regina parecia ter sido atropelada por um trem.

— O quê?

— Isso mesmo — eu disse, tentando diminuir a importância da revelação. — Achei que você devia saber.

Esperei por uma reação qualquer, mas ela não disse nada. Parecia estar digerindo a novidade. Ótimo.

Mas de repente enfiou o pé no freio. Sem dó nem piedade. Estava tão alterada que cheguei a achar que seus cabelos iam pegar fogo.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o carro atrás de nós se espatifou na traseira

da van, enterrando o capo debaixo do chassi e levantando nossas rodas traseiras do asfalto.

Então seguimos assim, engatadas, a mais de cem por hora.

O impacto me lançou contra o painel da frente e arrancou a arma da minha mão.

Tacos de golfe me acertaram por trás. Jogada ali, no banco da frente, eu parecia uma bolinha de papel amassado.

Regina olhou para mim, faiscando. Tentei sorrir, já convencida de que aquela informação deveria ter permanecido onde estava, enterrada sete palmos abaixo do chão.

— Foi jogo rápido — tentei explicar. — Uma bobagem.

— Uma bobagem?

— Uma besteira que fiz em Las Vegas, só isso.

Regina partiu para cima de mim, distribuindo socos para todos os lados. Caramba! O ganho de esquerda dela realmente adorava o meu queixo!

— Para com isso! Para! — gritei com um taco de golfe na mão. — Não estou brincando!

Não tínhamos tempo para aquilo! Tínhamos de matar aqueles caras que tentavam nos matar. Depois, e só depois, Regina e eu poderíamos matar uma à outra.

Rolei de volta para o banco de trás, ainda com o taco na mão. Depois pulei a janela de trás e me joguei no capo da BMW.

Um dos passageiros surgiu pelo teto solar. Mas eu estava devidamente armada e pronta para atacar. Antes que pudesse mirar, levou uma tacada certeira na cabeça.

Eu já havia dito á Regina: aquelas horas todas no campo de golfe ainda serviriam para alguma coisa.

Quando o assassino caiu para trás, vi que carregava uma granada presa ao colete. Sem titubear, puxei o pino da granada, empurrei o cara pelo teto solar e pulei de volta para a minivan.

— Pisa fundo, Regina! Vai, vai!

Regina por certo percebeu a urgência na minha voz, pois dessa vez obedeceu sem contestar. Pisou fundo o acelerador, fazendo com que a tração dianteira nos livrasse do engate com a BMW. Mais um segundo e...

BOOM!

O carro atrás de nós se desmanchou numa enorme bola de fogo.

— Parabéns! — exclamou Regina ao volante.

— Obrigada, benzinho — respondi.

Regina não disse mais nada, mas eu já conhecia aquele tipo de silêncio: o tipo que não dura muito.

— Qual o nome dela? — falou por fim. — Nome, sobrenome, identidade, data de nascimento... quero a ficha completa.

Como se eu fosse dizer alguma coisa.

— Não, não, não. Nada disso. Você vai passar fogo na mulher. Ela era uma boa pessoa. — O olhar que Regina me lançou teria feito até o capeta borrar as calças. — Quer dizer, boazinha.

Fula da vida, Regina resolveu descontar nas vítimas mais próximas: os perseguidores.

Os dois carros restantes encostaram na van, um de cada lado, formando uma espécie de sanduíche de Regina.

Com um golpe de direção, a destemida Regina jogou a van contra o carro da direita.

Kapufff!

O airbag de impacto lateral inflou imediatamente, catapultando-me para o outro lado do carro.

Logo em seguida, como se pilotasse um tanque de guerra, Regina jogou a van contra a outra BMW, empurrando-a duas pistas para a esquerda, atravessando uma passagem no muro central e seguindo em frente na contramão.

A outra BMW continuava firme à nossa direita, e eu tentava me reerguer para abrir fogo.

Mas Regina deu outro golpe de direção, dessa vez para a direita, e espremeu o sedã contra a mureta de concreto no meio da pista. Quando o outro airbag inflou, mais uma vez fui jogada para o outro lado do carro como uma peteca.

Faíscas voavam para todos os lados, mas Regina manteve o pé firme no acelerador, a uma velocidade duas vezes maior que a permitida.

— Ora — eu disse, enquanto abria a porta lateral —, você não vai querer me convencer que nunca contou uma mentira cabeluda!

Regina desviou o olhar.

Bem, notícia nenhuma é boa notícia, reza o ditado. Mas, para sorte dela, antes que eu pudesse encostá-la na parede, uma jamanta surgiu mais adiante e agora vinha a mil por hora na nossa direção.

— Merda! — gritou Regina. — Segura firme!

Ela deu um forte solavanco na direção, e a jamanta de nove eixos passou tão perto que chegou a arrancar tinta da lataria da minivan.

Todavia, enquanto respirávamos de alívio, uma quarta BMW, regurgitando de atiradores, surgiu de repente na nossa esteira.

— Atenção à esquerda! — berrou Regina.

— Sua esquerda ou minha esquerda? — berrei de volta. — É isso que estou tentando dizer... Comunicação é tudo na vida!

— Ah, tenha a santa paciência! — exclamou Regina. Depois apontou para o agente que acabara de abrir a porta rolante da esquerda e tentava saltar para dentro da van.

De um único golpe, puxei o cara pelo colarinho e joguei-o para fora, pela porta de passageiros da direita.

— Puxa, essas portas rolantes são mesmo muito úteis! — observei.

Os outros perseguidores, indiferentes ao destino trágico do colega, nem sequer diminuíram a velocidade. Pelo contrário, jogaram a BMW contra a van, empurrando-nos de volta ao canteiro central, em direção ao divisor de tijolões amarelos.

No último segundo, Regina jogou a van contra eles, forçando-os de volta à contramão.

Rapidamente fechei as portas laterais e dessa vez as tranquei. Não queríamos mais nenhuma visitinha inesperada dali em diante.

Por fim, tivemos um breve momento de calma.

Sei que deveria ter aproveitado aquele hiato para recuperar o fôlego, mas quando alguma coisa está perturbando a gente, aí não tem jeito.

— Fala a verdade, Regina. Seus pais nunca gostaram de mim, não é? Regina demorou alguns segundos para responder.

— Meus pais estão mortos.

— Mortos?

— Morreram quando eu tinha cinco anos de idade — confessou Regina. — Já nem me lembro deles direito.

Mal pude acreditar. A revelação tinha tido o efeito de um soco no estômago.

— Está feliz agora? — ela continuou. — Sua querida Regina é órfã de pai e mãe.

Estupefata, fiquei ali, de queixo caído, observando aquela criatura desconhecida ao meu lado. Aquilo tinha sido demais. Regina havia ultrapassado um limite. Depois daquela última confissão, senti como se estivesse totalmente à deriva.

Órfã de pai e mãe.

— Então quem é aquele cara com quem eu jogo golfe todos os domingos? — berrei.

Regina ainda tinha sangue correndo nas veias o suficiente para corar.

— Um ator — respondeu.

Um ator? Só podia ser brincadeira. Santo Deus, aquilo era o golpe mais baixo de que eu jamais tinha ouvido falar. Difícil de acreditar. No entanto, tudo agora se encaixava. Sempre tive a impressão de que já tinha visto o rosto daquele homem antes. Dei um murro no painel do carro e exclamei:

— Eu disse que tinha visto seu pai na Ilha da Fantasia!

Por um instante ficamos absolutamente caladas. O rádio ainda tocava a toda altura.

Ainda me sentia tonta em razão da... bem, em razão de tudo! E o último golpe tinha sido especialmente duro de engolir.

Para ser honesta, Regina não estava muito melhor do que eu.

Sem levantar a voz e rilhando os dentes eu disse:

— Vamos ter de refazer todas as conversas que tivemos desde o início.

Regina balançou a cabeça em sinal de concordância.

— É, eu sei.

Olhamos uma para a outra, abismadas com a realidade do “dia seguinte” de nossa vida de casadas. De nosso fac-símile de casamento. Que agora desmoronava como um castelo de areia.

Seria possível que um casamento sobrevivesse a tantas mentiras?

Então vi que a brigada de BMWs ainda não havia desistido da perseguição; apenas precisaram de tempo para preparar o ataque final.

Entrei no piloto automático e fiz o que tinha de fazer ao ver que os dois sedãs tinham se afastado uma da outra e agora se preparavam para flanquear a minivan.

— Deixe-os comigo, Regina.

Agachei-me no chão o mais baixo que pude, com as costas viradas para o banco da frente. E esperei pelo ataque. Aquele seria minha cartada final.

Depois apertei os botões. Ambas as portas começaram a se abrir. Os carros se aproximavam cada vez mais. Virando a cabeça de um lado para outro, eu verificava os dois lados da van, à espera do momento certo.

Os carros já estavam suficientemente próximos. De repente... Wham! Com um golpe de direção, Regina deu um cavalo-de-pau de 180 graus.

Merda, eu não estava preparada para aquilo! Tentei agarrar alguma coisa, qualquer coisa, mas não encontrei nada além de superfícies lisas. E fui jogada para fora da van!

Eu mal conseguia firmar os dedos na porta enquanto tentava me arrastar de volta para dentro do carro. Lutava desesperadamente contra a força da gravidade e ao mesmo tempo para entender que diabos minha mulher estava tentando fazer. Foi então que percebi que a van tinha feito um giro completo e agora voava a 160 por hora no sentido contrário — isto é, na direção dos nossos perseguidores!

Uma manobra insana, mas eu estava ocupada demais — tentando salvar a minha própria pele — para dizer o que quer que fosse.

Não que Regina fosse prestar atenção em alguma coisa.

Mais uma vez fiquei boquiaberta ao vê-la disparar com incrível precisão contra a primeira BMW. Dessa vez, contudo, as janelas à prova de bala não resistiram à carga da automática de Regina e estilhaçaram na mesma hora.

O motorista morreu imediatamente.

Regina repetiu o ataque no segundo carro e obteve os mesmos resultados.

Os sedãs desgovernados acabaram se chocando um com o outro no meio da rodovia.

Por fim consegui entrar na van a tempo de observar, perplexa, as duas BMWs capotarem violentamente no asfalto.

Súbito, sem nenhum aviso... Wham! Como um piloto de Fórmula 1 embriagado, Regina deu outro cavalo-de-pau, e lá fui eu novamente para o espaço!

Mas dessa vez consegui ficar do lado de dentro da van.

Segundos depois já seguíamos em frente — no sentido correto da rodovia —, a mais de 150 por hora.

Inacreditável.

Então me arrastei até o banco da frente e me joguei no assento do passageiro.

— Falei que você podia deixar essa comigo! — eu disse, puta da vida.

Regina olhou para mim de relance e retrucou:

— Não fiz por mal.

Nem fez o menor esforço para esconder o sarcasmo.

Na nossa avariada, porém invicta, Road Warrior, deixávamos para trás a fogueira de sedãs, enquanto o Air Supply colocava um ponto final na década de 80.

Tínhamos saído vivas daquele enrascada.

E depois?

Afundada no banco, eu olhava fixamente através da janela. Sabia que estava me comportando como uma criança birrenta. Mas, no fim das contas, era assim mesmo que eu me sentia.


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Notas finais do capítulo

Eu fiquei com preeeeeguiça de revisar a fic. Desculpa se tiver erro. Avise se encontrar algum. obg.



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