Garota Camaleão escrita por Aurora


Capítulo 15
Marcas


Notas iniciais do capítulo

Escrever tem sido uma coisa muito boa para mim, então espero que gostem!



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Alison,

Hoje é dia vinte e seis quase vinte e sete, e eu tenho escrito essas cartas em uma frequência assustadora, mas agora elas são uma das poucas coisas que ainda tenho, além das minhas memórias com você. Eu queria ter também as minhas memórias com Lucas, mas elas me parecem tão mortas quando ele. Tenho também Pietro, o meu doce gato.

Eu não estou nada bem, me pego sempre lembrando, daquele carro atingindo o corpo de meu amigo, dele voando e caindo, da ambulância chegando e de mim que saí correndo. Saí correndo e deixei o pobre Lucas estendido naquele duro chão, naquela horrível rua, eu o deixei sozinho, e espiei a ambulância o levar enquanto me escondia atrás de uma arvore. E me senti covarde, suja e novamente, horrível. Lamentei por mim e por Lucas de uma vez só, e chorei todas as lágrimas que restavam, e quando elas acabaram eu continuei soluçando, porém já não havia gesto nenhum que representasse a minha dor. Eu quis gritar, mas não queria mais chamar a atenção. E ninguém vai saber ao certo o que aconteceu com Lucas, e essas coisas vão ficar pra sempre presas comigo, grudentas e nojentas.

Nessa tarde aconteceu o velório e enterro dele, e eu tive muito medo quando passei perto de lá, e fui covarde mais uma vez quando corri em direção a lugar nenhum, e chorei. Mas esse lugar nenhum era muito perto do outro lugar onde acontecia a cerimônia, porque eu não tinha conseguido correr muito antes de desabar. E as pessoas começaram a sair e eu a observar, com as lágrimas correndo e a expressão de quem está morrendo. Meus olhos de repente se cruzaram com os olhos de uma menina, que estava quase no mesmo estado de que eu, á reconheci como uma velha colega de classe de uma escola que já estudei, eu a vi se aproximar enquanto fungava e tentava controlar as lágrimas.

‘’ Lúcia? O que faz aqui? Chorando nesse canto? ‘’

Não respondi.

‘’ Você o conhecia? ‘’ Ela parecia curiosa, então apenas assenti com a cabeça. ‘’ Se lembra de mim? ‘’

‘’ Renata, não é? ‘’

‘’ É ‘’.

Descobri que Renata, minha ex-colega de classe, era a menina que havia quebrado o coração de Lucas e o feito ser agredido, naquela festa, se lembra, Alison? Eu senti raiva dela no começo, mas percebi que não estava em condições, pois eu não tinha um estado muito diferente, eu também tinha sido meio ruim com Lucas, e era a culpada dele ter morrido. Ela contou toda a história que tiveram para mim, o que me fez lembrar, de quando conversei com Lucas pela primeira vez, e contei a ele minha história com você. Não sei o porquê de ela ter confiado em mim, talvez tenha percebido logo de cara que eu já estava acabada e não poderia fazer nada contra ela, ou também se sentia sozinha e culpada.

Ter contato com ela foi meio estranho, eu não imaginaria que alguém ainda pudesse me enxergar depois de tudo. Renata parecia muito triste, disse-me que queria ter aproveitado mais o tempo dela com Lucas e queria não ter sido tão idiota. Eu tentei tranquiliza-la, mas não deu muito certo, eu não estava tranquila, não podia simplesmente tentar fazer alguém se sentir assim, não conseguia, não sabia como. Ficamos eu e ela, tristes, caídas, choronas, arrependidas, culpadas, sozinhas. Estávamos tentando aproveitar ao máximo a companhia uma da outra, sabíamos que nenhuma das duas estavam em condições de manter contato depois, ainda mais de terem se passado quase dois anos desde que dividimos a mesma sala naquela escola. Renata é uma pessoa legal, ela vai conseguir se recuperar, porque é isso que sempre fazemos, nos recuperamos, não é? Superamos, passamos por cima, esquecemos, deixamos para lá, é um ciclo, é de nossa natureza, acontece. Não comigo. Eu nunca consigo superar, me recuperar, esquecer, deixar para lá, passar por cima, eu sempre remôo tudo até o toco e grudo no máximo possível, deixo por um fio, não consigo desistir, tudo parece importante demais para mim, menos eu mesma. Talvez eu só tenha medo das marcas, não quero que alguma coisa fique em farelos, que deixe um arranhão ou coisa parecida, porque as marcas nunca saem, elas sempre vão existir para alguma hora ou outra te fazer lembrar, de tudo, como se fosse á primeira vez, e isso incomoda, para mim é melhor deixar tudo vivo do que viver com marcas.

Eu não queria ser uma marca para você, não quero que Lucas seja uma marca para mim. Mas parece que isso aconteceu, não é? É impossível lutar com alguma coisa para sempre, tudo acaba desmoronando alguma hora, alguém desiste, as circunstâncias param de se encaixar, é assim. As ruas imperfeitas da vida. Alguma hora você se depara com um caminho feio demais para conseguir continuar andando de forma bonita nele, e aí para combinar com as desventuras você se torna uma coisa horrível também. É assim que estou, horrível para combinar com a minha vida. Não consigo me olhar no espelho, não acredito que alguém consiga olhar para mim, tudo em mim parece feio demais, horrível demais, e eu só quero conseguir arrancar da forma mais feia possível, devolver com a mesma moeda. Mas eu não posso, sou fraca demais, pessoas horríveis se tornam fracas diante do que se tornaram também.

Renata e eu demos um abraço apertado e boas felicitações uma para a outra, eu disse a ela que tinha sido bom nos encontrarmos e foi uma verdade, mesmo que tenha sido um encontro cheio de lágrimas e drama, foi bom para mim. E eu fui o caminho inteiro de volta para casa pensando nela, foi bom mudar um pouco nos pensamentos. Quando cheguei em casa voltei a minha rotina: minhas memórias quase apagadas com você. Marcas indesejadas, que eu queria que estivessem vivas.

Com saudades, dúvidas, confusão, leveza, mais saudades, felicidades, amor, descobertas, dor, desespero, tentativas, muitas saudades, promessas, arrependimento e marcas,

Lúcia.


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Notas finais do capítulo

Quero dizer que sou uma pessoa que, apesar de tudo, gosta muito de contato, então se quiserem aparecer, em forma de review ou MP, só pra deixar um oi ou conversar, se sintam a vontade, estarei de braços abertos! Beijocas.