A cabeça de Dortmund escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 1
"A sua cabeça é minha, doutora."




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“A sua cabeça é minha, doutora. Só você ainda não sabe.”

Ao se tornar investigadora, a exatamente vinte e um anos atrás, já tinha em mente que enfrentaria mentes débeis e assassinos tão mesquinhos e frágeis a ponto de uma palavra desestruturá-los.

Sim, você também pode chamá-la de assassina.

Considerada uma renomada torturadora destes, constatava que o único modo de tratá-los era com a mesma ironia.

Há quem diga que são todos inumanos. Em todos os seus vinte e um anos de trabalho o único inumano que enfrentou foi aquele que conseguiu desestruturar a sua base mental como um castelo de cartas suscetível a um sopro.

Seu nome era Dortmund. Para ser mais preciso, Dortmund Behram.

Deve ter ouvido falar dele nos jornais da época, ela não se lembrava muito bem da sua face, mas do seu riso... Como esquecer aquele riso?

Ecoava nos seus sonhos ao seu súbito fechar de olhos, as suas horas insones já tinham nome e ele sabia, aquele maldito sabia de tudo, desde o início.

A doutora Olívia de Lune desenvolveu um projeto com auxílio de equipamentos de última geração, com o intuito de invadir as mentes de assassinos insanos, para compreender a faísca dos mais absurdos crimes, a iniciativa foi maravilhosa, durou belos anos. Sinceramente, não dava a mínima para os efeitos colaterais que tal estudo poderia trazer para os criminosos, infelizmente não cogitou a ideia de que havia maior faixa de erros aos invasores.

22 de março de 91, ela entrou apressada no hospital, enviando dardos envenenados a par de seus olhares, sabendo que perderia tempo perguntando a atendente o local da internação, correu desenfreada calçando sapatos de salto, ela não se importava com classe, se a missão era caçar, ela caçava, se a missão era deselegante, ela honrava o nome.

Pelo vidro enxergou seu pai enfermo em uma maca de hospital, resolveu adentrar a UTI para vê-lo com uma proximidade melhorada. Foi barrada pelo médico que saía na exata instância. Questionou-a:

— Poderia saber para onde está indo?

— Não preciso prestar contas a um médico, agora me dá licença...

Tentou contorná-lo e logo foi impedida.

— Hobbes é o seu pai? Lamento, contudo ele não está em condições de vê-la. Está medicado.

— Entrarei sem ele me ver e sairei do mesmo jeito.

— No seu estado, ele acordaria rapidamente, peço que ligue e arrume um bom momento ou venha em outra hora.

— Quem é você para me dar ordens?

Fitou o médico, alterada, observou seu pai por mais uma vez através do vidro e dispersou sua insistência ouvindo os mandamentos do astuto médico, que pôs-se na frente de uma assassina. Não, ela nunca usou armas com poderio bélico, suas artimanhas envolviam lábia e ousadia, a menor viela poderia ser sua morada.

Com passos largos que causavam um ruído incessante no corredor, recebeu uma ligação, de um dos seus súditos:

— Fala, Lexter!

— Não sei como te dizer isso, mas temos um problema! — Embargando as palavras, disse desesperadamente.

— Eu disse “fa-la Lex-ter”! — Falou pausadamente.

— A Trix está em caso grave!

— Isso é relativo. Em qual sentido?

— Acabou de ser internada, com uma convulsão grave!

Aconteceu enquanto ela estava ligada ao Doxx.

— O que causou ao ataque?

Ainda não havia percebido o quão insensível estava sendo, mais preocupada com o aparelho do que com a especialista em invasões.

— Como eu vou saber? Trouxe ela inconsciente para o hospital!

— Ok. Ok. Onde ela está?

— Hospital Boston, sala 17... Corredor F!

Internada no mesmo hospital que seu pai, em poucos minutos chegou no local designado. Trajava uma calça longa e uma camisa abotoada nas mesmas cores, cinza, como o céu nublado.

Lexter se assustou ao ver a investigadora logo ao fechar o telefone.

— Chegou rápido Douto... — Foi vilmente interrompido.

— Tá bom Lexter, agora me responda, o que sabe sobre o caso?

— Nada... Exatamente.

— Nada? Exatamente?

Lexter: Obeso com seu óculos geek, o avental branco sempre sujo com algum alimento rico em carboidratos. Saco de pancadas da doutora, mas um humilde homem sem chance para demonstrar seus verdadeiros dotes.

— Serve dizer quem ela estava investigando?

— Lexter, quantas vezes devo dizer que irei te enterrar com ácido sulfúrico?!

— Não seja tão cruel comigo!

— Fala!

Gritou, assustando a enfermeira que passava atrás da dupla.

— Dortmund. Dortmund.

— Dortmund? Quem é esse imbecil?

— Condenado por enforcar pessoas na rua. Ele pendurava as suas vítimas nas árvores. Foi pego quando enforcou diversas em várias árvores, uma atrás da outra e sentou no meio da rua calma esperando o esquadrão da polícia. Nu.

— Não me intriga. Vou desossar esse vagabundo quando eu chegar perto. Me liga se ela acordar, vou falar com esse desgraçado. Onde ele está?

— Na clínica.

Tentou manter a posição de ataque, todavia engrandeceu-se com um sincero obrigado:

— Obrigado Lexter. Cuida dela.

— Até mais doutora.

Rasgou as ruas, entortou as esquinas e dentro de poucos lapsos no tempo, chegou na clínica Wild Respawns.

Ao parar nos sinais, enxergava cada pessoa como um potencial paciente para suas artimanhas mentais, imaginava quais seriam os seus maiores delitos, sem ter consciência, que de vez em quando passava os olhos pelos corpos de assassinos em séries disfarçados com suas naturalidades enrustidas.

Com uma grande frota de funcionários trabalhando para melhor atendê-la, passou de sala a sala procurando seu alvo, ou melhor dizendo, aquele que a destruiria. Não em uma vingança tosca e nem em um ato desmedido, os invasores eram os culpados, ele usou desta debilidade.

Abriu a porta e viu a face limpa daquele homem. Sem barba, perfeitamente no seu asseio, com o cabelo penteado para um só lado, sentado alinhado à cadeira, com as mãos entrelaçadas. Magro e com a face deformada pelo seu gene.

Olívia não sentou, e apoiada à mesa abaixou a cabeça até o tronco de o apático ser.

— Dortmund. Esse é mesmo o seu nome?

— Um nome peculiar, não?

— Um nome escroto, quem lhe deu? — Behram, deu um leve riso, sem demonstrar-se ofendido.

— Minha mãe, doutora.

— Como sabe que sou doutora?

— Sempre passa pelos vidros com uma face séria. É impossível não aperceber o seu ar de superioridade para com seus funcionários e pacientes.

— Quem é você para me dizer que sou orgulhosa?

— Sou Dortmund, doutora. E só para constar, não disse em nenhum segundo sequer o adjetivo pejorativo: “Orgulhosa”. Não se catalogue. — Disse sem ao menos piscar.

Lune tinha a medíocre certeza que havia alguma peripécia naquele olhar que em seus anos de trabalho não havia visto anteriormente, não sentiu-se indagada, entretanto vulnerável.

— Preso entre essas quatro paredes ainda quer dar uma de humorista?

— Pensei que havia uma descontração, a palavra “escroto” não parece engraçada aos seus ouvidos?

Retirou as palavras da mulher, Dortmund sentia-se como em um passeio no parque em uma conversa descontraída com um de seus alunos.

— Trolho, o que fez com a minha funcionária?

— Nada que ela não tenha me feito.

— E o que ela te fez?

— Sabe doutora, a sensação péssima que se tem quando se quer usar o banheiro e alguém entra para lavar a mão? É horrível. O problema é que ela entrou para vomitar nas minhas arestas, eu a enxotei, como um cão e o seu dono.

— E você se põe em qual lugar, Trolho?

— Refresque minha memória doutora... Quem estava na cabeça de quem? Sou o próprio dono da minha casa mental, não mande seus cachorros para o meu quintal, sujarei eles de merda e ainda cuspirei nas suas carcaças.

O sorriso cínico sumiu da face de Olívia, que logo se levantou e ao sair da sala teve como deixa a frase da intrigante cabeça de Dortmund:

— A sua cabeça é minha, doutora. Só você ainda não sabe. Ela é como um túnel, quanto mais você entra, mais escuro fica.

O maior erro ou o ato mais sensato no momento, foi sair daquela sala, o assassino continuou perplexo olhando para a parede frugal, sem nada a dizer, um mural de sórdidos pensamentos.

A investigadora estava exaurida, com a cabeça levemente caída para o lado de um dos ombros, como se a sua cabeça pesasse. Os seus disparos voltaram na mesma violência contra si.

Virou-se e pelo vidro fitou o incisivo predador, que ao captar os olhares atentos ao seu cerne, deu um leve sorriso para a “admiradora” de outrora. Os dois sabiam que a odisséia estava só começando. Um tinha certeza que ganharia, outra que havia um adversário a altura.


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