Dollhouse escrita por Klookies


Capítulo 7
Perdão


Notas iniciais do capítulo

"O amor deveria perdoar todos os pecados, menos um pecado contra o amor. O amor verdadeiro deveria ter perdão para todas as vidas, menos para as vidas sem amor".

Oscar Wilde



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 Rin acordou com a luz forte do sol em sua face. A vontade de voltar a dormir era grande, mas ela sabia que não iria conseguir com aquele sol.

Enquanto se levantava para trocar de roupa, ela se lembrou dos eventos da noite passada com um sorriso.

Depois da sua apresentação de última hora, Rin foi cercada de aristocratas por todos os lados, sendo coberta de elogios. É claro que ela sabia que apesar de sua performance ter sido bem recebida, isso não mudava o fato dela continuar sendo uma bastarda nos olhos da sociedade. Ainda assim, só o fato das perguntas irritantes e dos olhares de desgosto terem cessado por um tempo, Rin já estava satisfeita.

A festa tinha seguido até pouco antes do amanhecer, mas parece que a apresentação de Rin tinha mesmo sido o ponto mais alto da noite. Algumas outras coisas aconteceram depois disso, mas nada que valesse a pena mencionar – até porque, depois a maioria dos convidados já estava bêbada demais para conseguir fazer algo além de dançar como idiotas.

A minoria sóbria conversava nas mesas distribuídas nos cantos do salão ou na sala de visitas, onde o casal anfitrião parecia ter clamado como o melhor lugar para passar as horas finais da festa.

Rin passou o resto da noite tentando evitar SeeU, Len e surpreendentemente Miku Hatsune, que por algum motivo parecia determinada a tentar falar com ela. Era infantil, Rin sabia, fugir de seus problemas dessa maneira – mas ela definitivamente não estava no clima para conversas com nenhuma dessas pessoas naquela noite. A vontade de continuar no seu estado de felicidade depois da sua apresentação foi maior.

 Três batidas soaram na porta, e Rin acordou de seus devaneios.

“Senhorita Rin!” Era Gumi, com o sorriso brilhante de sempre. “Vim te chamar para o almoço, que bom que a senhorita já está de pé!”.

“Almoço?” Rin pensou, surpresa. Bem, isso explicava o porquê do sol forte, geralmente ela acordava quando ainda estava escuro.

Rin e Gumi desceram até a sala de refeições, onde Leon e Ann já estavam sentados – parecendo impecáveis como sempre – acompanhados de uma SeeU e um Oliver de aparência muito cansada.

SeeU em especial parecia exausta. Ela tinha olheiras profundas, e não perdeu a chance de encarar Rin com ódio mortal quando ela sentou à mesa.  

Mas olhar feio era realmente a única coisa que SeeU podia fazer, pois se ela revelasse que Rin tinha pegado seu vestido, Rin contaria tudo para Leon do incidente do vinho – tendo Luka como testemunha.

Pouco tempo depois, Lily e Len apareceram. Rin evitou olhar para Len. Ela simplesmente não estava com vontade de interagir com ele, por mais infantil que as razões dela pudessem ser.

Len puxou a cadeira ao lado dela para se sentar, e Rin sentiu o olhar dele praticamente criando buracos em seu perfil. Ela continuou encarando o prato fixamente.

Quando todos se sentaram devidamente, Leon limpou a garganta e disse num tom sério:

“Tenho um anúncio a fazer.” Disse ele, olhando diretamente para Lily. “Ontem a noite, no baile, muitos pretendentes vieram até mim pedir a mão de Lily... Alguns se destacaram mais do que outros, mas um em especial me surpreendeu.”

Uma pausa. Todos olharam para Leon com antecipação, Lily roendo as unhas de expectativa.

“Duque Kamui pediu sua mão, minha filha.”

Lily deu um gritinho histérico, e SeeU tampou a boca com um “Não acredito!”.

Rin sentiu um aperto no estômago, que definitivamente não estava relacionado à fome. Era uma sensação ruim, que não sabia explicar direito.

Não deveria ter sido uma surpresa essa proposta de casamento, afinal Gakupo havia acompanhado Lily na primeira dança – e se ela bem lembrava, SeeU havia dito algo sobre os dois terem história. Mas ainda assim, Rin sentiu que as coisas simplesmente não pareciam certas.

“Sim!” Lily gritou, se esquecendo das maneiras e levantando-se num salto. “Sim, papai, não quero nem saber de outros pretendentes! Quero o Duque Kamui, claro que o aceito!”.

“Sentada.” Leon disse, ríspido. “É melhor tomar cuidado com essa boca, antes que Duque Kamui volte na sua palavra.”

Lily murchou um pouco, mas ainda aparentava felicidade radiante.

“Essa é uma oportunidade muito importante, minha filha,”Ann se manifestou calmamente, enquanto mexia no chá com delicadeza. “Então perdoe a rispidez do senhor seu pai. Ele só está preocupado que as propriedades ricas em minério do Duque escapem suas garras, se o casamento não der certo.”.

Leon olhou para a mulher com frieza, mas antes que pudesse responder a alfinetada, SeeU começou a falar.

“Todos sabemos que o Duque Kamui tem uma fama de libertino terrível,”Ela comentou. “Por isso estou surpresa que o solteirão mais famoso da Inglaterra decidiu se casar, de uma hora pra outra, ainda mais com a Lily!”

“O que você quer dizer com “Ainda mais com a Lily”?” Lily resmungou.

“Entendo seu ponto, SeeU.” Ann ignorou a filha mais velha. “Também fiquei surpresa, e apesar do título de peso e da fortuna do senhor Kamui, não sei se ele seria um marido adequado-”

“Basta!” Leon gritou, batendo na mesa e fazendo os copos e pratos tremerem, sua voz autoritária e sem dar brechas para constatação. Ele olhou para Ann com tamanha frieza que Rin engoliu em seco, sentindo uma sensação familiar de medo.

“Coloque-se em seu devido lugar, mulher. O Duque quer a Lily, e ela a ele, ponto final. Eu como chefe dessa casa permito que isso aconteça, então não venha querer colocar suas ideias venenosas na cabeça de Lily! Esse casamento vai sair, e o que Duque faz ou não faz entre portas fechadas não é da nossa conta.”.

A declaração de Leon foi aparentemente definitiva, e nada mais foi dito durante a refeição.

Rin sentiu os olhos de Len nela algumas vezes durante a refeição, e era óbvio que ele queria falar com ela. Quando todos acabaram de comer, ele se inclinou para falar alguma coisa, mas foi interrompido por Ann.

“Rin,” Ela disse com a firmeza de sempre, os olhos azuis cortantes fixados na menina. “Tem algo que quero discutir com você.”.

Ela foi até Ann, hesitando. Aquela era a primeira vez que ela convocara a presença da menina durante toda a estadia dela na mansão, e Rin estava surpresa e esperando pelo pior... Apesar de estar um pouco feliz pela distração, agora ela não precisava escutar o que quer que Len quisesse dizer.

Ela não sabia se estava chateada com ele exatamente, ou se era mais vergonha. Era fato que ela estava envergonhada, de ter sido a única que assumiu que dançaria com Len, por causa das aulas que pegaram juntos. Foi apenas um mal entendido. Ela não deveria estar se sentindo tão mal apenas por causa disso.

Não havia razão para ter raiva de Len por ter dançado com outra pessoa. Eles nunca tinham prometido dançar juntos na festa, e, por Deus, foi só uma dança. Rin estava se comportando como uma criança birrenta de 5 anos de idade e ela sabia, mas não conseguia evitar.

“Quero falar com Rin, Len.” Ann gesticulou para que Len saísse, e ele hesitou por um momento, fazendo contato visual com Rin. Ela não disse nada e baixou os olhos para o chão.

Quando escutou os passos de Len se distanciando, Ann suspirou com irritação, murmurando algo que soou como “Essas crianças e suas briguinhas infantis”.

“Rin,” Ela chamou atenção da menina, limpando a garganta, “Eu não sabia que você tocava violino. Mantendo o talento em segredo, hmm? Bem, não importa. Fato é que ontem, durante o baile, o Senhor Shion me disse que estava impressionado com o jeito que você tocou. Ele conversou comigo, e perguntou se eu permitiria que ele lhe ensinasse o violino, para ajudá-la a melhorar a técnica. Se você não sabe, ele é um músico extremamente renomado aqui e no exterior, que está atualmente construindo a própria escola de música. Ele disse que seria uma honra ter uma Kagamine como aluna no futuro, e que já está dando aulas particulares...”.

Rin arfou surpresa. Aulas de violino? Ainda mais com um profissional renomado...? Isso é algo que ela nunca imaginara possibilidade na vida. Seu coração começou a bater mais rápido só de pensar no que Ann poderia estar tentando lhe dizer.

“...E é por isso que decidi que SeeU começará a ter aulas de violino. Ainda não conversei com ela, mas sei que SeeU é difícil e não vai querer aprender outro instrumento enquanto ainda estuda o piano. Você deve conseguir convencê-la do contrário. Se conseguir, vou deixar que a acompanhe nas aulas.”.

O resto da fala de Ann acabou completamente com qualquer tipo de sentimento bom que Rin tivera há poucos momentos. É claro que a madrasta não facilitaria nada para ela, o que Rin estava pensando?

De qualquer forma, o que “acompanhar SeeU” queria dizer? Ela só poderia ir para escutar ou poderia ter aulas junto com a meia irmã também?

E o mais importante de tudo, como faria para poder convencer SeeU?

—---------

“Não.” SeeU disse, simplesmente.

É claro que ela iria negar, Rin às vezes se esquecia de que SeeU era incapaz de qualquer tipo de piedade ou simpatia. Rin realmente deveria ter tentado outro método, no lugar de simplesmente ir à irmã e explicar a situação como uma pessoa normal, afinal SeeU era qualquer coisa menos normal.

“Mas SeeU--”

“Já disse que não! Nem sei por que mamãe chamou você de todas as pessoas para me convencer, ela sabe muito bem que não vou com sua cara.”

Rin resistiu a vontade de chacoalhar SeeU pelos ombros. “... Eu não entendo! Porque você é tão resistente ao violino?”

SeeU rolou os olhos e se virou para sair. “Você nunca entende nada mesmo Rin, nem tente. Você não sabe absolutamente nada sobre mim.”

Rin fechou os olhos em frustração, cerrando as mãos. SeeU era a única oportunidade que ela tinha de entrar em contato com um violino de novo, e ela tinha que conseguir convencê-la de alguma forma, e rápido. Mas a irmã já tinha entrado no quarto.

“O que foi que se passou aqui?”

Len. É claro que ele teria de aparecer nesse momento.

“... Nada demais.”

“Não pareceu nada, da maneira que ela falou com você.”

“SeeU só está sendo difícil como sempre. Não se preocupe.” Rin tentou passar por Len, mas ele agarrou o braço dela.

“Eu preciso falar com você.”

Ela engoliu em seco e abaixou a cabeça. Ao perceber o ato de submissão, Len soltou o braço imediatamente e suspirou cansado, passando a mão pelos cabelos.

“Olha, Rin, primeiro de tudo... Me desculpe. Não me ocorreu na hora, mas agora me sinto envergonhado. Você ficou chateada porque não dançamos no baile juntos, não é mesmo?”

Rin engoliu em seco, sentindo-se humilhada por Len ter percebido o motivo fútil e vergonhoso que tanto a incomodava, e tentou negar. “... Não realmente.”.

“... Mesmo assim,” Ele disse com tom cético, sem acreditar na resposta dela, “Não quero que me entenda mal. Acabei me deixando levar por força do hábito naquela noite, veja, um tempo atrás tive oportunidade de conversar com a Senhorita Hatsune numa festa – e ela me confessou o tanto que detestava quando sua mãe a levava até cavalheiros oferecendo-a para danças, e como era constrangedor. Não sei se percebeu, Rin, mas os Hatsune são uma família muito... Excêntrica. Podem ser ricos, mas muitos nobres ainda mantém preconceitos. Muitos caluniam Miku pelas costas também. Em tal ambiente opressivo, prometemos sempre ser companheiros de dança, até porque ela é provavelmente a única dama talentosa o suficiente na pista para compensar minha falta de jeito.” Len sorriu. “Ou era, até você. Pelo menos até você aprender a dançar.”

Rin finalmente levantou os olhos, encontrando os dele. Ele suspirou antes de terminar sua fala.

 “Te procurei e tentei de todas as formas te alcançar durante o baile, para dançarmos. Minha obrigação para com a Senhorita Hatsune nunca se estendeu a mais do que apenas a primeira dança. Acabei assumindo que você gostaria de aproveitar a oportunidade para socializar com outros cavalheiros também. Podes perdoar-me?”

 “... Você nunca precisou pedir perdão por nada. Não o culpo por cumprir uma promessa, ou por assumir que outro cavalheiro poderia acompanhar-me. Eu que devo pedir desculpas por qualquer mal entendido.”

O sorriso de Len cresceu, e Rin nem teve tempo de se preparar para o abraço esmagador que veio em seguida.

“Len—O que pensa que está fazendo! Me solte!” Gritou enquanto se debatia, as bochechas pegando fogo.

"Não." Ele disse simplesmente, com um sorriso bobo.

Foi nesse momento que SeeU abriu a porta (Rin tinha sinceramente se esquecido de que estavam no meio do corredor) e Len soltou Rin rapidamente, mas, bem, não rápido o suficiente.

“... Vocês me enojam.” Disse SeeU revirando os olhos.

Len sorriu maliciosamente. “Ah, irmãzinha querida, não fique com ciúmes... Tem abraço pra você também!”

“Não!” SeeU gritou se afastando de Len, que estava perseguindo-a de braços abertos. Rin cobriu um sorriso com a mão ao ver a cena.

Depois que SeeU conseguiu realizar sua fuga com sucesso, Len foi até Rin novamente, desta vez com uma expressão mais séria.

“Certo.” Ele disse, cercando Rin contra a parede. “Agora que fizemos as pazes, me conte. Absolutamente tudo.”

“D-do que você está falando?” Ela disse atordoada.

Len sorriu. “Do seu talento para o violino, claro.”

Rin empurrou Len, mas sorriu. “Tem certeza que quer ouvir essa história? É bem longa.”

“Sim, claro. Conte-me tudo sobre seus dons.”

“Bobo.” Disse ela, mas não protestou quando Len sugeriu que fossem ao jardim para conversar melhor.

—---------

Rin contou a ele sobre como descobriu sua paixão pelo violino, mas tentou evitar detalhes sobre o papel de sua mãe nisso tudo. Aquele ainda era um assunto delicado, e ela ainda não sabia o que Len achava sobre isso. Era claro que ele não a repudiava como os outros meios-irmãos, mas ele nunca mencionara nada sobre sua origem ou a reconhecera como irmã.

Pelo menos eles eram amigos. Por isso ela estava grata.

“... Então quer dizer que você só vai poder fazer violino se SeeU concordar em fazer também?”

“Bem, foi isso que a Senhora Kagamine disse. E ela não falou exatamente que eu poderia pegar aulas, apenas que poderia acompanhar SeeU nas dela... O que não sei bem o que significa.”

“Hm... SeeU já está aprendendo um instrumento, não há necessidade de aprender outro. Poderíamos falar com meu pai, ele resolveria a situação.”

Rin estremeceu só de pensar nas brigas que a “resolução” dessa situação resultariam. Era realmente melhor não envolver Leon na história. Len deve ter visto isso em sua expressão, pois logo se apressou em acrescentar:

“Ou, eu posso tentar covencer SeeU por você.”

“Ela não vai ceder, acredite.”
“Bem, não se você souber as coisas que eu sei...”

Rin deu um empurrão leve no braço de Len, rindo.

“Que maldade! Usar chantagem vai fazê-la me odiar ainda mais. Se é que isso é possível.” Sim, mais uma chantagem para o relacionamento de Rin e SeeU definitivamente não iria dar certo.

Len de repente ficou sério. Rin sentiu que tinha dito algo errado, a atmosfera entre os dois ficou tensa.

“SeeU tem te tratado muito mal...” Ele disse lentamente. “E sei que é injusto de mim pedir isso, mas tente perdoá-la. Não leve tão a sério as coisas que ela faz... Não estou dizendo que você deva se submeter as vontades dela ou as más maneiras, apenas para entender que, acredite ou não, ela também já passou por muita coisa.”

Rin ficou chocada com a súbita declaração de Len. Ela não esperava essa atitude defensiva dele para com a irmã.

“Se você diz, Len.”

Ele abriu um meio sorriso. “Você é muito boa, Rin, boa demais para esse mundo.” Len levantou do banco onde estavam sentados no jardim, e estendeu a mão para Rin. “Venha, vamos voltar para dentro. E fique tranquila, vou cuidar dessa situação. Prepare-se que semana que vem suas aulas de violino definitivamente estarão marcadas.”

—---------

Rin se despediu de Len e foi para sua aula de música com Luka. Pelo menos agora as aulas voltariam a ser com apenas as duas, agora que a apresentação já havia passado.

(Sugestão de música: Leia ~ Piano Arrange)

Rin caminhou até a sala de música, mas hesitou antes de entrar. Alguém estava tocando piano, uma música que ela nunca ouvira antes.

O começo era calmo e delicado, parecendo exprimir um sentimento de tristeza e nostalgia. As notas agudas fluíam pela sala com perfeição.

Ela espiou pela fresta da porta e viu Luka, que olhava para as teclas com um olhar vazio. Seus dedos moviam-se pelas teclas quase mecanicamente, como uma estrada que já tinha percorrido muitas vezes.

Estranhamente, parecia que a música contava uma história.

A música, no começo calma, começou a se tornar mais selvagem e descontrolada, e Rin sentiu seu coração acelerar junto com o ritmo.

Luka curvou-se sobre o piano, os dedos movendo-se cada vez mais rápido, com uma força e paixão que Rin nunca vira antes. Cada nota aguda era como um grito de desespero, e Luka parecia estar com dor enquanto tocava. O olhar vazio fora substituído por um que transbordava uma tristeza e ressentimento, o azul escuro de suas íris parecendo ter um brilho sobrenatural com a luz avermelhada da janela.

A música ficou calma novamente. Seus olhos se fecharam e ela jogou a cabeça para trás, e Rin sentiu seu coração quebrar em mil pedaços quando viu uma lágrima escorrer, mas mesmo assim ela não parou, e a música voltou ao seu tom nostálgico de antes.

Dessa vez quando o refrão começou novamente, Rin achou que sabia o que estava vindo. Mas ela não estava esperando o dobro de agressividade, a forma com que Luka tocou uma sucessão de acordes agudos que pareciam um grito de socorro, uma dor que parecia quase palpável.

Luka estava chorando, as lágrimas caindo livremente sobre as teclas do piano, os dedos continuando ferozmente, sem errar uma nota sequer.

Ela tocava como se o piano e ela fossem um só ser, se unindo para expressar através da música um sentimento tão profundo de tristeza, arrependimento e remorso que tirou o ar de Rin.

Machucada. Luka estava machucada, e seu sofrimento tomava forma naquela música, uma personificação da angústia.

A sucessão de acordes que soavam como gritos cortantes de dor começou a ficar mais lenta, e com mais algumas notas a música acabou. De um jeito resignado e triste... Como o final de uma tragédia.

Rin ergueu a mão para o rosto e percebeu que suas bochechas também estavam molhadas. Sem que percebesse, a música de Luka a tinha levado às lágrimas. Rin se perguntou se deveria dar a tutora mais privacidade e voltar depois ou se o melhor seria anunciar logo sua presença. Luka tomou a decisão por ela no momento em que se virou para a porta, perguntando com tom acusatório e levemente assustado:

“Quem está aí?!”

Rin se revelou para ela, mexendo as mãos, nervosa.

“D-desculpe, Senhorita Megurine... Eu estava passando por aqui e acabei escutando sua música...”

“Ah...” Luka cobriu os olhos com as mãos, num gesto de cansaço. “É só você...”

Rin engoliu em seco e invocou sua coragem, andando até ela. “Senhorira— Não, Luka... Você... Você pode me dizer o que está acontecendo? Não gosto de te ver triste...”

“O que você gosta ou não é a última das minhas preocupações nesse momento, Rin.” Luka disse num tom de voz monótono e cortante.

Rin não se deixou intimidar e se aproximou até sentar ao lado de sua mentora, na frente do piano.

“... Mesmo assim. Se você me dizer, pode se sentir melhor depois... Você me ajudou quando eu precisei de verdade. Quero que saiba que estou aqui para você.”

Luka olhou para Rin e suspirou com resignação, dando um pequeno sorriso de lado enquanto alisava os cabelos da menina.

“Me desculpe pelo tom que falei com você... Já sou uma adulta, mas as vezes me comporto como criança. Nada do que aconteceu foi sua culpa, apenas minha...”

Rin achava que sabia onde essa conversa estava indo. Quando alguns minutos se passaram e a outra mulher não disse nada, Rin segurou a mão dela com força, e se arriscou: “... É sobre o casamento da Lily com o Senhor Kamui?”

Luka deu um sorriso amargo. “... Sim.” Tocou algumas notas tristes no piano, e Rin sentiu uma dor forte no coração. Seria de amor não correspondido que Luka sofria? “Eu deveria estar feliz que ele finalmente me escutou e pediu a mão de Lily.”

“O que?” Rin não conseguiu conter a surpresa no seu tom. “Você disse para o Duque Kamui se casar com Lily? Mas você não gosta dele?”

Luka deu uma risada amarga e desviou o olhar de Rin para o chão. “É uma longa história, Rin... Eu e Gakupo já passamos por muitas coisas.”

Rin concluiu que Gakupo seria o primeiro nome do Duque. “Por favor, Luka. O que está acontecendo?”

“... Está certo. Vou te contar, mas nunca comente isso com ninguém. Bem, fato é que conheci Gakupo quando ainda éramos crianças, na época em que minha família possuía um pouco mais de riqueza. Não muita, a verdade é que os Megurine já estavam entrando em falência há muito tempo, mas conseguimos manter isso em segredo e continuar vivendo na alta sociedade apenas ostentando nossos títulos. Eu e Gakupo brincávamos juntos, ele era especialmente apegado a mim.

Porém, logo os Hatsune começaram a suceder no mundo dos negócios e a dominar nosso mercado, e tudo isso juntando com os péssimos hábitos de aposta e bebida do meu pai, que só torrava nosso dinheiro no lugar de investir em patrimônio, falimos de vez. Acabamos nos afastando das festas de elite e fiquei sem ver Gakupo por muitos anos.” 

Rin tentou absorver todas as informações. “Entendo, mas... Mas mesmo falidos, vocês ainda tem o título nobre... Como você foi acabar como governanta? Mesmo sendo na casa dos Kagamine, essa profissão ainda não é algo que um nobre de título faria! Com fortuna ou não.”

“Vou chegar lá.” Luka suspirou. “Basicamente, quando falimos e meu pai não conseguiu arrumar ninguém para nos ajudar financialmente, só restou uma opção: casar sua única filha com alguém extremamente rico. Certamente não haveria nenhum problema para arrumar pretendentes, afinal tínhamos um nome. Meu pai arrumou um homem para me casar, um burguês milionário que apesar da riqueza, não tinha sobrenome de importância e desejava uma esposa nobre. Eu tinha dezesseis anos. Meu noivo, mais de sessenta. O mais plausível seria que eu me casasse com seu neto que tinha a idade mais próxima a minha, mas o homem tomou gosto por mim e já que era viúvo, resolveu me tomar como esposa em troca de ajudar minha família. ”. 

Rin nunca poderia nem imaginar que algo assim pudesse ter acontecido com Luka. E apesar de saber que casamentos com grande diferença de idade não eram tão incomuns, ainda assim era perturbador se imaginar casada com alguém tão mais velho.

“Enquanto estávamos na fase de cortejar, em que meu pai avaliava outros pretendentes, ele começou a me levar para vários eventos da alta sociedade. Minha mãe nos acompanhava, claro, mas sempre parecia fechada no próprio mundo e não se importava muito em nos supervisar. Foi em um desses eventos que reencontrei Gakupo.

Não posso descrever direito o que senti, Rin. Só sabia que era ele, mesmo estando tão diferente. Ele se tornou bem mais alto que eu, mais forte, os ombros mais largos. Um verdadeiro homem, deveria estar na faixa dos 20 anos na época. Deus, Rin, eu não sabia como reagir. Eu queria que ele não me visse, ali com aquele homem e numa posição tão humilhante depois de tudo o que aconteceu, mas ao mesmo tempo eu queria correr até ele e ver se ele iria se lembrar de mim. Ele não me percebeu de início, mas, talvez por capricho do destino, no momento em que meu futuro noivo saiu do meu lado nossos olhos se encontraram no salão. E foi como mágica, o reconhecimento brilhou nos olhos dele na mesma hora. O choque foi tanto que ele derrubou a taça de vinho que estava segurando no chão.  

Embaraçado, enquanto empregadas apareciam para limpar a bagunça, ele se desculpava para aqueles em seu redor, mas alternando olhares de surpresa e esperança para mim o tempo todo. Quando finalmente a bagunça se dispersou, ele veio caminhando até mim hesitantemente, como se ainda não acreditava que o que estava acontecendo era verdade. Quando eu confirmei que sim, eu realmente era a Luka Megurine que costumava brincar com ele quando criança, ele deu um sorriso tão radiante. Nunca vou esquecer. As mãos dele estavam tremendo ao lado do corpo, e percebi que ele estava se segurando para não me tocar.

Depois disso parecia que em todo o evento que eu ia, toda vez que eu saía de casa para passear, de alguma forma eu acabava me encontrando com ele. Começamos a conversar novamente – de maneira discreta, é claro. Você bem sabe o que uma moça solteira na companhia de um rapaz significa.

Ah, Rin... Ele fazia os dias de tortura com meus pais tão mais fáceis. Ele sabia da minha situação também, apesar de que preferíamos não falar sobre aquilo. Começamos a trocar cartas, de alguma maneira meus pais continuaram óbvios... Não que eles tivessem algo para se preocupar. Éramos só amigos, apesar de que definitivamente havia algo mais.

A calmaria passou e começou a tempestade. Meu pai se decidiu por vez que meu futuro marido seria o senhor mais velho que mencionei antes. Quando contei a Gakupo, ele não levou as notícias muito bem. Nós brigamos, e acabamos os dois em lágrimas, com ele me abraçando com todas as forças e... Rin... Ele disse que me amava. Que iria dar um jeito naquilo tudo.”

Luka deu um suspiro profundo, e olhou no fundo dos olhos de Rin, com uma mistura de vergonha profunda e tristeza.

“Eu fiz algo aquela noite que não deveria ter feito, Rin. Por favor, peço que não me julgue, que não me deteste, pois já faço isso comigo mesma o suficiente.”

Rin segurou a mão de Luka com força, em demonstração de apoio.

“Rin, eu... Eu dormi com ele.”

A menina arregalou os olhos. Luka, de todas as pessoas? Se engajando em... esse tipo de antes do casamento?

“Até hoje não sei direito porque fiz isso, geralmente sou mais racional, mas creio que... Foi a esperança ingênua de...” Luka respirou trêmula. “... Quando ele disse que iria resolver as coisas, Rin. Pensei que iríamos, Deus como fui estúpida, fugir juntos ou algo assim – que ele... Que ele tomasse responsabilidade! Rin, pensei que ele iria pedir minha mão. Ele disse que me amava e que iria resolver tudo, como fui ingênua.. Pensei, com certeza, que pediria minha mão e que meus pais definitivamente aceitariam, porque afinal ele é um Kamui, e se não desse certo iríamos fugir, que iríamos fazer de tudo para ficar juntos.”

Fez-se silêncio por alguns minutos. Rin arriscou:

“Ele... não te pediu em casamento, não foi.”

“... Não, ele não pediu. Minha honra, jogada fora. Perdi a coisa mais importante de uma donzela, a virtude, por promessas imbecis de um adolescente que nem sabia do que estava falando e não estava pronto para um compromisso sério. Foi um período muito difícil, Rin. Eu me senti muito culpada, acabei contando para meus pais... Ninguém nunca tinha levantado a mão para mim antes, mas eu apanhei naquele dia... Meu pai me enxotou de casa aos gritos, e acabei indo morar com uma tia caridosa que resolveu me acolhe, na Espanha. O segredo nunca vazou para ninguém pois meus pais se mantiveram calados, pra sempre com medo disso vazar. O noivado foi cancelado, meu noivo estava furioso.

... Alguns meses depois, meu pai teve uma complicação devido ao álcool que consumiu durante anos e faleceu. Minha mãe veio morar com a mesma tia viúva e sem filhos que tinha me acolhido antes. Essa parente não era rica, mas mesmo assim conseguiu nos sustentar e cuidar de nós.

Quando completei vinte anos, resolvi sair de casa e trabalhar. Queria uma independência financeira sem precisar depender de um marido, pois já tinha chegado à conclusão já há muito tempo que nunca teria um. Comecei como tutora de crianças ricas da burguesia e outros trabalhos do gênero, aos 22 anos acabei aqui com os Kagamine sendo governanta e tutora.

Foi que Gakupo e eu nos encontramos de novo... Não foi por acidente, ele já tinha concluído seus meses de negociação com o Senhor Kagamine na mansão. Antes mesmo de eu trabalhar lá, eu honestamente nem sabia que na época os dois estavam fazendo negócios. Um dia ele foi lá atrás de mim, Rin. Brigamos, eu o esmurrei, ele chorou enquanto pedia desculpas, disse que era um tolo naquela época e que o maior arrependimento de sua vida foi ter me deixado ir. Disse que não iria mais me deixar dessa vez, que definitivamente iria me levar ao altar igual deveria ter feito antes. Falou que eu era a mulher de sua vida. Que tentou ir atrás de mim de todas as maneiras possíveis, mas nunca me encontrou depois da morte de meu pai. Ele me perseguia todos os dias, Rin, e por mais que eu o ofendesse e agredisse ele nunca ia embora.

Eu ameaçava retornar para a casa de minha tia na Espanha se ele continuasse a me perturbar, mentia dizendo que tinha um noivo, mas nada o fazia parar. A única solução que encontrei foi pedir que ele me desse tempo para pensar e dar uma resposta definitiva depois.”

“E o que você respondeu?” Rin, mesmo abalada com a história, não conseguiu conter a curiosidade.

“... Odeio admitir que estava pensando seriamente em perdoá-lo. Mas algo que descobri me fez parar.”

Depois de uma longa pausa, Rin acabou tendo que perguntar, mesmo com um pouco de medo da resposta. “O que foi?”

“... Eu sabia que antes de mim ele tinha se envolvido com outras mulheres. Sabia que depois que o deixei, ele tentou se consolar se envolvendo com muitas outras também. Mas uma dessas mulheres foi imperdoável. Alguém que ele não deveria ter tocado... Você vai manter isso em segredo, Rin, mas a verdade é que ele... Tomou a virtude de Lily.”

Rin arregalou os olhos e tampou a boca em horror. “Não, Luka... Então o que SeeU estava dizendo... Meu Deus!”

“Sim. Eu também fiquei chocada quando descobri.” Luka virou a face, mas não foi rápida o suficiente. Rin tinha visto as lágrimas. “... Apesar de tudo, ele sempre foi o único para mim, Rin.  Eu realmente queria conseguir perdoá-lo e me casar com ele. Mas não pude deixar ele arruinar a vida de mais alguma donzela igual  ele fez a mim. Eu me importo com Lily, ela não merece passar por isso... Ela ainda é jovem e está na idade ideal para se casar. Vem de uma família não só nobre como também rica, é a noiva ideal para qualquer homem. Os dois vão encontrar a felicidade juntos. Gakupo tem que se desprender de mim, creio que ele sinta mais culpa do que amor pela minha pessoa de qualquer maneira. Ele não arcou com as responsabilidade na época em que deveria comigo, então agora é a hora dele crescer e enfrentar seus atos perante a Lily.  Não vou deixar que mais ninguém sofra.”

“Eu entendo você, Luka...” Rin entrelaçou as mãos sobre seu colo, e depois de debater a questão em sua mente por alguns momentos, resolveu perguntar, simplesmente. “... Mas é necessário esclarecer. Você ainda o ama?”

Luka ficou em silêncio e não respondeu.

Mas ela não precisava. O olhar distante em seus olhos, ainda brilhando de lágrimas e cheio de emoções, deixava a resposta clara.


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Notas finais do capítulo

E aí galeriiiinha do meu coração! Aposto que alguém deve ter infartado hoje quando viu a notificação de Dollhouse atualizada xD Haha, na verdade o nome desse capítulo foi meio que um trocadilho também para eu pedir desculpa a vocês por essa demora...
Bem, creio que depois de deixar a história parada por tanto tempo, é necessário que eu dê pelo menos uma justificativa do porque isso aconteceu. Não foi por bloqueio de escritor, ou porque pensei em abandonar a história, etc etc, mas por alguns outros motivos muito loucos.
Bem, acho que nesse período que fiquei sem postar minha vida virou de cabo a rabo sem mentira. Tanto que não tive tempo de postar. Bom, o que posso dizer sem entrar em muitos detalhes pra não entediar vocês é que agora estou na faculdade! Yay!
O que é bom pra mim, claro, mas pra vocês também, pois significa que terei mais tempo livre para trabalhar na história. Acredite quando digo que a faculdade não chega NEM AOS PÉS da dificuldade que era o ensino médio, bem, pelo menos na minha escola, faculdade é bem mais tranquila. Agora que já passei tô bem mais relax pra poder escrever, essa é a magia do primeiro período.
Realmente espero que vocês ainda estejam... vivos... e dispostos a continuar nessa jornada comigo :'D Dollhouse tá de capa nova e tudo mais pra simbolizar esse novo começo, vamos finalmente começar a andar com a história.
E acho que esse é o momento de anunciar que eu não revisei esse capítulo? Provavelmente tem muitos erros haha me desculpem.
Se você estiver muito curioso sobre Dollhouse, sinta-se livre para me fazer perguntas no privado sobre o que for. Acho que é o mínimo que posso fazer por quem já esperou tanto tempo. Também vou passar a olhar site com mais frequência pra responder a comentários mais rápido (não tenho mais acesso ao e-mail que registrei essa conta, que avisa notificações de comentário). Fiquei tão emocionada de ver tantos comentários pessoal. E A PRIMEIRA RECOMENDAÇÃO! Obrigada luiza yu!
Bom, é isso! Beijos eternos meus amores, até mais!

(( E o que vocês acharam da verdade por trás de Gakupo e Luka? Oh! Drama!))