Amor Platônico escrita por Nara May


Capítulo 3
Eu começo a viver


Notas iniciais do capítulo

Voltei!
Não demorei tanto, não é mesmo?
Estou postando mais cedo, pois pretendo madrugar na praia de Copabacana.
Eu sei, sou maluquinha. Faz parte.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/577663/chapter/3

Sugestão de música

Ter 17 anos não é fácil. Não pra mim. As pessoas só enxergavam aparência, em vez de coração.

Todas as meninas tinham o cabelo minuciosamente penteado, o rosto maquiado. Em algumas dava um brilho, em outras ficava vulgar. Essas emplastavam o rosto de maquiagem. E, como não precisávamos usar uniforme, as roupas também eram impecáveis. Não que a minha não fosse. Mas tinha diferenças. Elas gostavam de coisas mais chamativas, até as poucas tímidas de lá sempre tinham uma cor base na roupa. Principalmente, rosa.

Os meninos usavam gel e afins. Os cortes não eram mais como na infância. Alguns eram espalhafatosos e arrepiados, alguns beiravam o tal moicano. Outros adquiriram reflexos aloirados. Amarelo daqui, amarelo de lá. Essa cor estava me dando ânsias. A maioria das meninas também tinha alguma parte do cabelo aloirada, outras optavam por cores avermelhadas. Como fogo flamejante, ou como sangue.

Eu estava satisfeita com meu cabelo tipicamente marrom. Eu nem sentia necessidade de reclamar da minha pele esbranquiçada. Eu não via defeito nela. Eu só ficava incomodada quando me olhavam assustadoramente. A vida deles é a aparência. Somente a aparência. E eu proponho a mim mesma encerrar esse assunto. Eu não vivo de coisas supérfluas.

A amoreira que ficava bem isolada do prédio da escola virou o meu refúgio escolar. Lá os olhares eram mais escassos. Eu, apenas como um projeto de espiã vendo a adolescência dos estudantes passarem enquanto a minha era só uma estúpida vegetação.

Foi em maio, que pela primeira vez no ano, alguém falou diretamente comigo. Não pensem que é Bryan. Ele estava coincidentemente na mesma escola que eu. Ele nem se lembrava de mim. E eu não tinha mudado nada. E mesmo que mudasse, mais uma vez minha pele marcaria presença na história.

– Oi. Tu-do b-e-em? – a garota deu a impressão de estar enfrentando um monstro. Ah, eu não era tão horrível assim. E olha que ela era do tipo popular. Até lembro o nome. Joana.

– Olá – devolvi, gentilmente.

A expressão nervosa que estava nela dissipou-se imediatamente. Tudo porque eu soube responder com educação.

– Er... Tudo bem com você? – sua voz vacilou e o nervosismo voltou novamente.

Nossa, eu assusto tanto assim, pensei. Era como se eu fosse uma lenda e cada um fazia a versão que quisesse de mim. Patético.

– Sim – fui monossilábica. Não sei explicar, mas ao ver sua reação temerosa , resquícios de raiva me atingiram.

Ela percebeu que não retribuí a pergunta. A boca dela abria e fechava, receando que a próxima frase proferida de seus lábios fosse “fatal”.

– Hmm... Meu nome é Joana – grande ajuda, eu já tinha conhecimento do seu nome – E o seu?

Franzi o cenho. Todos daquela escola sabiam que eu me chamava Aghata Prado. Eu tinha uma espécie da fama “negra” por lá. Só podia ser piada.

– Agatha, prazer – eu meio que debochei da formalidade e estendi minha mão para a jovem. Simplesmente a vi tremer no contato. Minhas mãos não estavam aquecidas, já as delas passavam um calor confortante.

Eu devia estar macabra naquele capuz preto, debaixo da sombra da árvore. Meus olhos são bem escuros, o que aumentava esses mitos inventados pelos playboys e patricinhas. Porém, apesar de Joana ser popular, não se encaixava nesses estilos que transbordam preconceito.

Num surto de coragem, soltei a pergunta:

– Por que veio aqui?

Joana deu um passo pra trás e mais uma vez o seu medo voltou.

– Des-cul-pe.

Através de Joana, eu descobri verdadeiramente todo o pavor que nutriam pela minha pessoa. E eu estava tendo a oportunidade de amenizar isto. Não desperdicei.

– Sem desculpas. É que nunca alguém veio falar comigo este ano – ela relaxou na segunda frase. O meu semblante mudou de “apavorante” para meigo.

A jovem sorriu com a mudança. Seu sorriso contagiou-me.

– Na verdade, acho que você não vai gostar do motivo de eu estar aqui – e o sorriso de Joana transformou-se numa tristeza desoladora.

– Eu não mordo - tentei passar confiança através da linguagem adolescente, aquela que eu não tinha. Estava imitando a frase de um garoto que conversava com um grupo de meninas. O pegador.

Fiquei bastante curiosa. E mesmo que fosse o motivo mais perverso, eu nada faria. Até porque, se eu quisesse fazer algo não teria coragem suficiente. Deixaria a dor atingir-me em cheio e daqui a algum tempo ela passaria.

– Uma a-p-oos-taa. Quem falasse com você primeiro, ganharia 50 reais.

Suspirei pesadamente e coloquei meu olhar na direção de um grupo de cinco estudantes. Prestando mais atenção, eu vi que eles estavam apreensivos para ver se ela ia permanecer intacta. Duas garotas perceberam que eu estava observando o grupo e toda a impaciência virou medo. Dois pares de olhos arregalados.

As duas eram dolorosamente lindas. Uma com cabelo escuro que batia no ombro. Era muito, muito liso. Aquilo não podia ser chapinha. A outra tinha cabelos loiros caindo em suas costas em cascatas onduladas. A garota do parquinho numa versão mais velha. Era ela. Raíssa. Eu sempre as vi passeando pelo colégio, sendo vítimas de olhares cobiçados.

O resto eram três meninos. Um era grande, os músculos justos na camiseta escura. Corte batido. Olhos azuis. O outro era loiro - a cópia masculina de Raíssa – e usava aquele cabelo tipicamente fofo, franja e tal. Características de um anjo. Os dois estavam batendo o pé disfarçadamente para conter a tensão.

O último fez com que meu coração tripudiasse no peito. Bryan. O cabelo maravilhoso, os olhos esmeraldas e o jeito despreocupado. A impaciência dele era diferente, ele não estava dando a mínima pra mim e sim para a aposta. Dava pra ver isso de longe.

Acima de tudo, fui possuída por uma incrível raiva. Eu odiava verdadeiramente toda a sua indiferença, mas o que me confortava é saber que ele era assim na maioria das situações. Por fim, senti uma pequena dose de tristeza inexplicável.

– Agatha? – Joana tirou-me dos meus devaneios, a voz oscilando de medo.

Voltei o olhar para ela e dei o “veredicto” final.

– Parabéns, você acaba de ganhar cinquenta reais – debochei com angústia.

Rapidamente pulei da árvore baixa e procurei me dirigir a um novo local vazio.

Um detalhe – grande – nessa escola é que eu sempre andava de capuz, até nos dias em que a cidade estava ensolarada – dias raros, mas aconteciam. Essa era a parte mais doente de mim. O cúmulo. Eu suava quando fazia calor, mas a aquela altura meus poros já estavam anestesiados com isso. Então, as únicas partes de mim que as pessoas enxergavam eram as mãos e a sombra do meu rosto, porque completamente mal dava pra ver minhas feições faciais e a cor do meu cabelo.

Esse é meu segundo ano aqui. Mudei da minha antiga escola em que passei anos estudando por uma ordem da minha mãe. Ela quase arrancava os cabelos todos os dias ao ver que eu não tenho amigos e nem atividades festeiras. Pelo menos eu mudei de ensino fundamental ao médio, senão eu sairia do ritmo da outra escola.

Isso era um belo fator para ser considerada estranha.

Joana começou a me seguir e eu parei para encará-la.

– Gostei muito de conversar com você – disse ela.

Imediatamente sorri, mas o sorriso se esvaiu quando pensei na possibilidade dela estar mentindo. Então, apenas assenti e continuei meu caminho.

– Quer conhecer meus amigos? – voltou a dizer.

Se eu estivesse segurando algum objeto, certamente ele teria caído na hora.

Absorvi aquela frase e pisquei freneticamente, feliz por dentro.

– Não acho que eles estariam com vontade de me conhecer – por fora eu tentei passar indiferença.

Joana deu breve gargalhada, e agarrou minha mão, indo de encontro ao grupinho. Desde quando ela tinha perdido todo o medo comigo? Aposto que ela percebeu que eu tenho um completo coração amanteigado por dentro e todo o seu temor se esvaiu. Se eu falasse que fiquei triste com isso, estaria mentindo.

O grupo permanecia de olho em nós duas, precisamente em mim. Ou talvez, na sombra do meu rosto. Repentinamente, senti borboletas no meu estômago e corei. Sorte a minha que eles não conseguiam ver meu rosto inteiramente.

– Agatha, este são Henrique, Raíssa, Gabriel, Melissa e Bryan.

Henrique, o musculoso. Raíssa eu já conhecia. Gabriel era a sua cópia. Melissa, a garota baixinha dos cabelos lissérrimos. E Bryan, sem comentários. Eu tinha me esquecido do nome da maioria deles.

Eu quase deixei sair de minha boca que já conhecia Bryan e Raíssa. Provavelmente há mais tempo que ela.

– Oi – disseram, em uníssono. Eu particularmente adorei, parecia que tiveram uma premonição juntos.

As mesmas expressões: medo, nervoso, impaciência e por último, mas não menos importante… Indiferença. É claro que Bryan era dono da indiferença.

– Olá – saudei, novamente. Pra falar a verdade, eu bati o recorde de cumprimentos naquele dia. Somente recebia saudações de minha mãe e meu pai, uma vez ao dia.

Eu vi Bryan passar de indiferença para curiosidade. Vi todos os outros passarem de medo, nervoso e impaciência a espanto. Por dentro cada um deles (até mesmo Bryan), deveria estar pensando: Nossa, ela fala.

– Bryan, Raíssa e Gabriel são irmãos, ou seja, Melissa e Henrique são primos deles. Ah, deu pra entender que a Mel e o Henri são irmãos, ok? Deus, que confusão! – Joana embaralhou-se com as palavras.

Todos nós rimos.

– Ela entendeu, Joana. – Henrique disse, rindo. Ele evidenciava ter um ar engraçado, doce, gentil e bobalhão.

– Sim. – Murmurei. Não tinha nenhum assunto, mas também não queria encerrar a conversa. Eu estava explodindo de felicidade por dentro. Um mar de felicidade com águas calmas, e se eu não o aproveitasse enquanto a água não estivesse revolta, iria sofrer e sentir o desgosto me sufocar dos pés a cabeça.

O resto do pessoal estava num comportamento taciturno. Apenas Henri e Joana ousavam falar alguma coisa. E olha que Melissa e Raíssa aparentavam ter uma personalidade falante. E… Bryan, esse era uma caixa de surpresas. Caixa de surpresas seria um termo simples demais, um poço sem fundo ficaria mais adequado a comparação.

– Quero meus cinquenta reais. E nem sei quem irá me pagar… Não importa… Se virem. – Joana estendeu a mão atrevidamente, exigindo seu dinheiro, precisamente na direção de Bryan.

O mesmo riu baixinho brevemente e entregou uma nota a ela, como se estivesse dando uma pluma. No meu caso, obviamente eu sentiria falta – muita – da nota.

Enrosquei meus dedos um no outro, desesperada. Eu não conseguiria criar um assunto, isso era claro, porém não pude evitar que uma onda de melancolia nojenta e inesperada me atingisse.

Aceite a derrota, pensei. Não há mais assunto, retire-se.

E foi o que eu planejei fazer. Antes que duas jovens falantes que eu admirava piamente me “proibissem” de cumprir a minha atitude odiosa.

– Fique Agatha, se quiser pode passar o resto do intervalo conosco – Mel, a bonequinha encantada, murmurou. Depois desse pedido, achei que elas enterrariam qualquer sentimento ruim por mim.

– É – Raíssa pediu. Eu sentia vontade gritar a ela que eu a vi batendo os pés debilmente, pedindo atenção do seu irmão. Os dois deveriam ter brigas até hoje…

Gabriel. Este último eu não conhecia absolutamente nada sobre ele. E duvido que a mãe deles – da qual eu não sabia o nome – iria deixar um filho sozinho em casa para se divertir com outros. A menos que a criança fosse igual a mim, e Gabriel apesar de reservado, não era traumatizado de nascença como eu. Depois, quem sabe. Eu teria tempo pra descobrir isso, já que finalmente sentia como se a minha tivesse acabado de começar. De verdade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Feliz Ano Novo antecipado, leitoras e leitores (fantasmas)!

Isso é tudo, pessoal.