Amor Platônico escrita por Nara May


Capítulo 13
Eu acho que devemos conversar


Notas iniciais do capítulo

Não, não morri!
Queridos e queridas, as aulas da faculdade voltaram. Antes de voltarem, eu me candidatei para a Liga dos Betas pela primeira vez, e fui aprovada! Estou na Liga. Então, tenho mais um trabalho. Mas esse, definitivamente vale a pena.
Eu estou me esforçando para escrever dois capítulos por mês. Não adianta tentar cumprir um prazo impossível.
Vamos lá.



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Sugestão de música

Nós voltamos para casa depois das 22h, o que significava que minha mãe iria dar uma pequena bronca. Sem problemas. Se o próprio Bryan não me alertasse sobre o irritante detalhe da ultrapassagem de tempo permitido, eu fingiria que não me lembrava e ficaria mais tempo dentro do carro dele, dando mais voltas pela cidade. Entretanto, a realidade não ajuda muito, não nesses casos.

— Ela não deve estar com raiva, né? — Bryan perguntou, seus olhos contrariando a sua própria pergunta.

— Um pouco — respondi. — O que não é um problema. Faça uma cara de arrependido e não vai acontecer nada. A bronca será toda para mim.

Ele se mostrou irritado, mas não abriu a boca até parar com o carro na porta de casa.

— Tchau, Agatha.

Olhei para ele, e esperei algum afeto de despedida. Mesmo não sendo romântico, desde o começo do namoro, Bryan tinha um ritual para se despedir. Um beijo, uma mexida no meu cabelo e um sorriso de canto. Dessa vez, não quis olhar nos meus olhos. Eu entendi. Minha série de comentários desagradáveis e pessimistas o deixaram de saco cheio.

Não tentei me desculpar. Saí do carro forçando uma expressão neutra, apesar de estar triste.

— Ei. — Ouvi a batida da porta no lado do motorista, mas continuei caminhando. — Espera. Eu preciso fazer a cara de arrependido, esqueceu? — Sua voz continha bastante ironia, algo que eu nunca recebi com louvores.

Parei, de costas para ele. Enquanto meu namorado se aproximava, cheguei à conclusão de que um relacionamento nunca é fácil. Ainda mais para alguém como eu, que de alguma forma, não era livre. Eu tinha algumas amarras persistentes, e sendo sincera, não estava fazendo muito esforço para combatê-las. Não estava usando toda a minha recente força. Talvez porque fosse mais fácil viver no modo de esperas.

— Não. A culpa é minha. Eu sabia que a gente podia pegar uma sessão mais cedo. Eu procurei isso. Eu queria ficar mais tempo com você. Não me arrependo.

— Agatha, olha para mim —

— Não.

Corri até a porta de casa e girei a chave rapidamente, tentando entrar antes que ele pensasse em me impedir. Consegui. Foi muito infantil da minha parte, ainda mais contando com o fato de que tê-lo ao meu lado era uma espécie de sonho realizado, tão grande como ganhar um Oscar.

— Passou do horário, filha.

É claro que a minha mãe me assustou, chamando minha atenção desse jeito. A sala estava escura, meus pensamentos em Plutão – fora do sistema solar. Acendi a luz com um longo suspiro, preparada para ouvir.

— São quase onze horas da noite, filha. Você sabe que fico preocupada. O mundo é perigoso.

Ela estava sentada no sofá, com um livro de romance fechado em sua mão. Parecia preocupada, o que fez com que eu me sentisse pior do que já estava me sentindo. Deveria ter ligado para ela, ao menos. Errei feio – e isso incluía Bryan – e era minha obrigação consertar tudo.

Atravessei a sala e a abracei, pegando-a de surpresa. Não era dada a afetos com mamãe, mas aquele era um caso excepcional. Ela merecia ao menos sentir o meu arrependimento, pois apesar de ter errado, não tinha perdido a cabeça.

— Desculpe, mamãe. — Funguei em seu pescoço, iniciando um choro sem lágrimas. — Eu fiz tudo de propósito. Não queria preocupar a senhora, na verdade... Eu... eu estou triste agora... Por isso... Bryan está chateado comigo... Queria ficar mais tempo... — Ela escutava com atenção, apesar de eu não conseguir completar as frases decentemente. O fato de que as lágrimas não saíam não me impedia de chorar por dentro.

Passei mais cinco minutos falando em meio a soluços. As frases continuavam saindo cortadas, e eu já estava parecendo louca. Minha mãe me embalou em seu colo e aceitou as desculpas rapidamente, temendo que eu fosse surtar com o tempo.

A campainha tocou. Levantei-me com um pulo, saindo do seu aconchego. Era ele?

Corri até uma das janelas do cômodo, e não pude evitar. Sorri, sorri e sorri. O carro ainda estava lá fora, apesar de não conseguir vê-lo. A porta se abriu e eu vi Bryan entrar cautelosamente, como se pedisse permissão. Essa era a parte surpreendente sobre ele. Agir como um cavalheiro, em alguns momentos raros. Ele não me viu de imediato.

— Amanda, eu sei que é tarde, mas eu quero falar com a Agatha.

É, não tão cavalheiro assim. Ele não chamava minha mãe de senhora, dona, ou alguma cortesia do tipo. Mamãe até reclamou sobre isso uma vez, apesar de não ter reclamado diretamente com ele. Não conseguia. Não com aquele charme, que mesmo sendo um pouco rude, era bastante hipnotizador.

Antes que mamãe abrisse a boca, ele me viu e foi diretamente a mim.

— Você não pode fazer isso. — Meus olhos se arregalaram com a declaração.

Arregalaram mais ainda quando vi meu pai descendo as escadas de forma sonolenta, comprovando que tinha um sono relativamente leve. Uma campainha sendo tocada naquela hora da noite não era um acontecimento comum.

— O que houve? — perguntou papai, olhando diretamente para mim e Bryan, que ao perceber o barulho nas escadas, imediatamente olhou em sua direção.

Eu abaixei os meus olhos, fitando o piso de madeira. Madeira era um material legal. Bryan não cheirava de forma amadeirada, como geralmente dizem que os homens cheiram em estórias. Ele cheirava a fragrâncias caras, daquelas que diziam: “Sou macho.” Eu sei que é nojento, mas sempre preferi seu cheiro natural, como quando ele sai das aulas de Educação Física suado e me abraça cautelosamente, achando que sentirei nojo. Sem chances.

— Agatha!

Então eu percebi, em choque, que estava definitivamente em Plutão. Meu mundo tinha se desligado em meio ao meu delírio. Ninguém da sala tinha se manifestado. A resposta tinha que ser minha.

Olhei para Bryan – tão perto de mim e um pouco constrangido com a situação – e me deparei com olhos verdadeiramente penetrantes, inquirindo alguma resposta. Finalmente compreendi que ninguém estava entendendo nada. Bryan não esperava a minha reação dramática, mamãe ainda queria mais detalhes sobre a nossa discussão silenciosa e o meu pai queria voltar a dormir.

— Nada demais, papai. Você sabe, eu apenas falei algo errado, surtei, Bryan se assustou e veio saber qual é o meu problema.

Papai foi mais rápido em me responder:

— Não, eu não sei. Você não surta. Você não chora. Você —

— Me deixa explicar direito, pai. — Não era educado cortá-lo, mas eu precisava. — Eu fui para o shopping com o Bryan. Andei com ele por todo o local. Fomos a uma loja de livros, falamos sobre quadrinhos da Marvel e coisas de adolescente. A hora passou, ele disse que era melhor não irmos ao cinema porque íamos chegar tarde. Eu não quis, então ele cedeu. Quando estávamos na estrada, ele comentou que a mamãe não iria gostar. Eu respondi dizendo que ela não iria brigar com ele porque ele é lindo e encantador, como vocês sabem. — Neste momento, Bryan revirou os olhos para mim, quase pensando em me interromper. Mamãe não evitou uma risadinha. — Continuando, disse que ela só iria brigar comigo. Ele ficou muito chateado com o comentário, e ficamos em silêncio até chegar em casa. Eu esperei que ele se despedisse de mim como sempre. O clima estava pesado, então não deu certo. Ele tentou me seguir para poder se explicar com a mamãe, só que eu fechei a porta na cara dele e —

— Filha, isso não é gentil. — Mamãe não pode deixar de me corrigir, com razão.

— Sim. Eu queria ir para o meu quarto, esfriar a cabeça e pedir desculpas depois. O resto vocês sabem.

Papai assentiu com a cabeça, tentando entender as minhas motivações. Senti que ele estava desapontado. As duas consultas com Carla — minha psicóloga — não tinham funcionado. Sentar numa espécie de sofá confortável e desabafar pensamentos presos por um cadeado foi mais difícil do que eu imaginava.

— Eu vou dormir — declarou, pondo um fim naquele drama da meia-noite. — Vem, Amanda. Nossa filha já é grande demais para isso. Maior de idade, sabe como é. Deixa eles se resolverem sozinhos.

Mamãe não iria simplesmente aceitar. Dois jovens sozinhos, na sala? Uma menina “indefesa” do lado de um cara com mais de 1,80? Estar fora do século XIX não significava perder os limites.

— Querido, não é melhor Bryan ir? Os pais deles devem estar preocupados, também.

Verdade. Cristina era tão preocupada em relação à família como a minha mãe, ligando de vez em quando e querendo participar ativamente da vida de Bryan. Ele não deixava muito, mas ela continuava tentando.

Meu namorado segurava a ponte do nariz, mostrando o quando estava claramente irritado com aquela situação. Cansado, também. Vê-lo assim me doeu um pouco. Ser idiota não fazia parte dos meus planos. Eu prometi a ele um relacionamento que não se arrastasse, que chegasse até onde desse. Para mim, uma vida não seria suficiente. Até aquele dia, consegui manter a minha promessa — com exceção daquele episódio na hora da saída, antes de conhecer seus pais.

Resolvi tomar partido da situação.

— Mamãe, o papai está certo. É melhor vocês dormirem. — Peguei a mão de Bryan e a puxei, forçando até ele entender que eu queria que ele me seguisse. — Eu vou pedir para ele estacionar o carro na garagem. Ele vai dormir aqui, já que é muito perigoso dirigir a essa hora.

Os olhos de mamãe se arregalaram. Tentei ignorar essa reação dela, e continuei o meu trabalho, levando Bryan até o carro dele.

— Como assim, eu vou dormir na sua casa? Você está louca, Agatha? Sua mãe vai ter um infarto!

Bufei, mostrando o meu desagrado. Estas formalidades não serviam muito para mim. O fato de ele dormir aqui não significava que íamos fazer alguma coisa. Não naquela noite.

— Menos, Bryan. Eu vou abrir a garagem, você faz o que eu mandei. A gente conversa. Você dorme no sofá da sala ou no chão do meu quarto. Amanhã é domingo. Nada com o que se preocupar. Você só vai me morder se eu pedir, lembra?

Ele riu, levando com ele um vinco profundo na testa e todo o mau humor. As coisas estavam melhorando.

— Certo, mandona.

Minha resposta se resumiu a estender a língua e jogar as chaves da garagem para que ele fechasse depois. Ele não as deixou cair. Bons reflexos.

Caminhei para dentro de casa e fingi não me surpreender com o fato de que meus pais ainda estavam ali.

— Sua mãe só está preocupada — disse papai.

Não teve jeito. Teria que ser bem clara e talvez um pouco rude, para convencê-la.

— Mãe. — Toquei em seu ombro, tentando transmitir a maior segurança possível. — Não se preocupe. Não vai acontecer nada demais. Nós não vamos... — Não consegui terminar a sentença, começando a corar de vergonha.

Nesse momento a porta fez um barulho indicando que Bryan estava de volta. Mamãe pulou um pouco, mostrando que tinha se assustado.

— Podemos ir agora, Amanda? — Diferente de mamãe, papai confiava em mim. Na verdade, não era uma questão de confiança e sim uma questão de me achar merecedora de qualquer experiência, pois eu passei a adolescência inteira praticamente trancada dentro de casa. Da escola para casa. De casa para a escola.

Mamãe não o respondeu. Encarou Bryan profundamente e deu o seu aviso:

— Cuidado com a minha filha.

Ele assentiu, nervoso. Deixou o molho de chaves na minha mão e ficou parado como uma estátua, enquanto meus pais subiam as escadas — mamãe continuava nos fitando, até desaparecer da nossa vista.

Me joguei no sofá, cansada. Não queria dormir. Discussões cansam, de certa forma.

Bryan copiou o meu gesto. Sua boca se abriu e fechou pelo menos umas três vezes. Falar ou não falar? Acredito que ele já não sabia mais quais palavras usar, depois da cena que aconteceu aqui.

— Liga para sua mãe. Diga a ela que está tarde, que vai dormir aqui... — Ruborizei. — Você sabe.

Não respondeu nada. Não tirou os olhos de mim, enquanto sua mão se direcionava a nuca. Nervoso, muito nervoso.

— Liga, Bryan.

— Não! — Tomei um susto ao ouvir sua voz repentinamente. — Eu tenho que conversar com você, agora. Minha mãe pode esperar.

— Não pode. Liga e depois vamos conversar.

— Não.

— Por favor, querido... Por favor. — Não teve jeito. Tive que praticamente fazer os olhos do gato de botas do Shrek e usar uma palavra bastante carinhosa.

Claro, ele cedeu. Pegou o celular com força, como se fosse esmaga-lo — até podia, já que facilmente conseguiria outro — e discou as teclas com força, como se quisesse afundar o teclado.

— Mãe. — Alguém atendeu no terceiro toque. — Gabriel, passa pra mim mãe. — A voz do outro lado da linha parecia um pouco alterada. — Tá tudo bem, passa para a minha mãe, cara.

Em menos de dez segundos depois, consigo ouvir uma voz feminina, só que dessa vez, muito alterada.

— Não, mãe. Não fui assaltado. — A voz do outro lado da linha parecia ter relaxado um pouco, mas continuava alta. — Fui sequestrado, na verdade. Pela minha namorada.

— Bryan! — Bati em seu ombro, horrorizada.

— Brincadeira, mãe. — E começou a narrar toda a nossa situação, omitindo os detalhes do nosso atrito.

Eu aguardei, pensando no que deveria falar e na forma que deveríamos conversar. Pensei também em como seria estranho tê-lo dormindo no mesmo cômodo que eu. No chão, obviamente.

A ligação continuou se arrastando. Bryan precisou confirmar várias vezes que estava bem e que voltaria amanhã cedo para casa. Teve que explicar se meus pais o deixaram dormir aqui ou se tinha pulado a janela do quarto. Fora o fato de que repetia: “Mãe, eu já sei sobre essas coisas” e “Não vai acontecer nada, para”. Depois da sua piada sobre sequestro, não falou coisas absurdas. Restou-me permanecer calada.

Quando terminou, respirei fundo antes de comentar algo:

— Pronto. Agora a sua mãe está tranquila, então podemos conversar.

— Com certeza. — Ele pensava que eu tentaria escapar. Não. Não adiantava mais fugir. De nada.

Não adiantava mais me esconder sobre o medo, deixar o temor jogar suas ordens em mim. Eu tenho desejos agora, e um pouco de domínio sobre mim mesma. Tenho a coragem que não tinha antes e a força que precisava para encarar os acontecimentos.

— Sim. Pode começar.

— Vamos começar do começo — pediu. — Por que fez isso?

— Eu já expliquei, Bryan.

— Sim, mas só porque eu não estava feliz com você, não significa...

— Desculpe a pergunta... Você não estava feliz comigo agora, ou não está nunca? É que eu não quero ser um peso —

— Meu Deus, Agatha. Socorro. — Jogou suas mãos no ar, demonstrando aborrecimento. — Consegue conversar sem se colocar pra baixo?

Frustração. Chateação. Sua postura indicava claramente o que sentia. Eu pude perceber sua perna esquerda balançando, como se estivesse tentando ser paciente. Certo, hora de tentar esconder minha baixa estima debaixo do sofá. Tentar ser normal, eu acho.

— Tudo bem. Eu vou parar com as minhas frases estúpidas. — Peguei sua mão e comecei a fazer movimentos circulares com o polegar sobre ela. Queria que ficasse calmo.

Se ficou calmo? Não exatamente. Ao menos sua expressão se suavizou. Ele não era romântico, porém, recebia as minhas demonstrações de afeto positivamente.

— Primeiro, você aceita as minhas desculpas. Depois, fale o que quiser. — pedi, tendo consciência de que assumir os erros era necessário, diante do nosso conflito.

E finalmente, ele sorriu. Um bom indício.

— Aceito, Tha. — Chamar-me pelo meu apelido confirmava sua tentativa de ajeitar as coisas. — Me desculpa também. Você sabe, aquele lance de estar com a cara fechada no carro.

— Está tudo bem.

Silêncio. Sei que aquele momento era uma boa oportunidade para esclarecer, qualquer coisa e óbvio, aproveitar a oportunidade de estarmos sós. Não, não da maneira que muitos pensam. Companhia era o suficiente.

Eu me deixei envolver na quietude do momento. Sentia desejo, confesso que não sou imune a sentimentos profanos. Eu queria tocá-lo fisicamente, ainda mais depois de ter visualizado sua imagem durante muito tempo como um quadro no museu: olhe a vontade, mas não se aproxime muito. E não pode tocar. Queria ser tocada por ele, sentir sua mão passear pelo meu rosto enquanto eu me permitia suspirar e sorrir. Atos simples, que faziam o meu mundo girar em 360º. Continuava massageando suas mãos, porque era bom. Era como se eu estivesse recebendo carinho de volta. Suas mãos são macias.

Sem afastar nossas mãos, Bryan atendeu o meu apelo visual, que dizia: “Beije-me, por favor.” Enquanto seus lábios e língua me presenteavam com um beijo intenso, eu refletia sobre as faíscas que surgiam em todo canto. Até no coração. Não era possível que ele não sentia nada. Ele sentia algo, certo? Não era um ato qualquer, um beijo qualquer. Era um vício incurável, que clamava por repetições e mais repetições.

Ao terminar o beijo, Bryan fez algo que eu sempre quis que fizesse: sinalizou para eu ficasse na ponta do sofá, deitou a cabeça em meu colo e esticou as pernas como se estivesse em casa. Se não fosse assim, não seria tão ele. Fitou o teto forrado de gesso que outrora fora muito branco. Agora era creme, devido à velhice da casa.

Eu não podia esperar por um sinal verde dele alegando que podíamos conversar e nos conhecer melhor. Eu tinha que tentar.

— Podemos conversar, Bryan? Você está com sono?

Seu pescoço se contorceu, tentando olhar na minha direção. Acho que só dava para ver direito a blusa roxa que eu vestia, na altura da barriga.

— Sem sono. Depende do que você quer conversar. Não sou muito inteligente.

Conta outra, pensei.

— Não é inteligente? — Arqueei a sobrancelha esquerda. — Você não me engana. Você mal estuda e tira notas altas. E você só fala assim, cheio de gírias porque gosta.

— Tá exagerando.

— Estou? Tem certeza? — inquiri, num tom divertido. — Bryan, os seus irmãos não sabem disso. Raíssa e Gabriel são do segundo ano. Seus primos, então... Com Melissa no primeiro ano e você sempre se sentando distante de Henrique, que é da nossa turma, não percebem. Mas eu sento do seu lado. Você não leva caderno, raramente anota algo. Me pede caneta no dia da prova. Percebi isso em poucos meses. Você é um popular que é nerd. Esconde esse último detalhe, mas é.

Ele riu. Sim, ele riu. Seu corpo tremeu um pouco. Seus olhos se encontraram com os meus. Pareciam levemente divertidos.

— Nerds são organizados, anotam tudo nas aulas e geralmente usam óculos — respondeu.

Estereótipos. Sempre provando que são péssimos para os seres humanos.

— Não. Nerds podem ser o que quiser e como quiser. Podem fazer academia, podem ser conhecidos no colégio. E nem todo nerd estuda bastante. Alguns quase não estudam. Como você. — Não pude deixar de enfatizar. Generalizações impedem o mundo de progredir. São horríveis.

Ele negou com a cabeça, agora sorrindo.

— Você que é nerd, Agatha. Não fuja disso.

Coitado. Era essa a visão que ele tinha? Mal sabia do meu sofrimento com exatas.

— Errado. Eu tenho dificuldade com Matemática, Química e Física. Eu tirei oito na prova de Física passada, e estava estudando praticamente todos os dias. Não se lembra?

— Lembro sim. Agora, nossa, é muito triste tirar oito, né? Que nota horrível. — Sua expressão se converteu em sofrida, uma atuação impecável. Ironia de novo.

— Não acho. Mas estou aqui, com o garoto que possui a maior nota da turma. Você tirou 9,7 e sei que não tirou 10 porque ficou madrugando com Henrique, duelando em jogos de computador.

Seu rosto perdeu o lado irônico. Touché. Essa batalha, eu venci.

Para pedir bandeira branca, iniciei um ritual de cafuné nos seus cabelos macios. Fora aquela cor que causava inveja no mundo inteiro. Pelo menos na maior parte dele. Em mim causava admiração.

Ele fechou os olhos, apreciando o carinho. A trégua estava dada.

— Está com sono?

— Não — respondeu, abrindo os olhos instantaneamente — , continue.

Hora de falar sobre outro assunto. Esse era bem mais delicado.

— Antes de namorar comigo... — Parei, temendo sua reação. — Você tinha algo com Vanessa?

Ele saiu do meu colo em dois segundos, e me encarou em pé. Devo adicionar que suas feições estavam muito, muito irritadas.

— Ah não... Agatha! — gritou, depois falou o meu nome baixinho, percebendo que meus pais poderiam acordar. — De novo? O que vai falar, agora? Que eu estou te traindo? Vai dizer que ela é mais bonita que você, que eu deveria estar com ela?

Uau. Bryan definitivamente exagerou. Eu não pensei exatamente nisso. Só queria sanar minha curiosidade, mas soei patética.

Ele caminhou até a porta, como quem pede: “Abre, eu não vou mais ficar aqui.” Drama demais para poucas horas. Que horror.

— Bryan, você não entendeu.

Não ousei caminhar em sua direção. Ele revirou os olhos e colocou a mão na maçaneta da porta, num sinal de quem não queria muitas explicações. De quem estava cansado de discussões.

— Você se lembra do dia em que eu te vi beijando ela? Então... Ela parece ter fortes sentimentos por você. E me olha feio até hoje. Não fiz essa pergunta achando que você tem algo com ela. É uma curiosidade.

A mão saiu da maçaneta. Entretanto, ele permaneceu junto à porta.

— Menos mal.

Eu queria me levantar e impedi-lo de ir embora. Agora entendo porque ninguém tem bons comentários em relação às famosas DR’s (discussões de relacionamento). Ou elas causam estranhamento em ambos, ou alguém sempre sai irritado. Bryan nunca me explicou o motivo do nosso relacionamento. Em um belo dia ensolarado, ele respondeu a minha declaração docemente: com um pedido de namoro. Tentei entender no mesmo dia, mas não consegui.

De qualquer forma, não sou tão idiota. Filmes, novelas e seriados me fizeram ver que em muitos casos o homem perfeito está apenas usando a garota. Creio que perguntei a ele pensando nisso. Contudo, eu não pretendia confessar qualquer temor, de jeito nenhum. Como dizem os americanos: “No way!”

— Vou ser bem direto — continuou —, eu não gosto dela.

— Então por que —

— Você não conhece os homens. Não os homens como eu... — Ele andou alguns passos para frente e eu me permiti ficar calma, apesar da frase indelicada. — Quer dizer, quem eu era antes de namorar você.

Oh, exclamei em meu interior, surpresa com a declaração. Ele mudou por mim?

— ... e nem pensava em ter alguém para chamar de namorada. — Eu perdi o começo da sua fala, já que estava pensando com meus botões.¹

— Ei, querido. Pode repetir?

Sua testa se franziu imediatamente. Ele não queria atender o meu pedido.

— De novo? Para, Agatha. Eu não falei nada demais. Vai dizer que não percebeu a mudança toda?

Só pude corar, por mais que continuamente, corar se torne uma ação entediante para quem vê. Fazer o que? Ficar feliz?

— É que eu me distraí pensando no que você disse antes. Sinto muito.

Então, os vincos de sua testa se desfizeram. Seu rosto se iluminou de uma forma simplesmente linda, o que acalentou meu coração, que antes estava entristecido. Percebi que depois de tê-lo para mim, o órgão regente da minha vida raramente conhecia um momento de tristeza. O meu sistema nervoso tinha simplesmente se acostumado a dádiva de estar com ele.

— Eu disse que antes de você eu não gostava de ninguém e nem pensava em ter alguém para chamar de namorada.

Eu não tinha perdido muito. Ufa, foi apenas uma frase.

Suspirei.

— Você está sempre no mundo da lua. — E ele veio, finalmente. Sentou-se de novo ao meu lado. — Pelo menos quando está comigo.

Outras garotas pensariam que não é educado ouvir tamanha afirmação do namorado. Mas era verdade. Verdade verdadeira. Acontece que eu vivia numa espécie de duelo mental. Uma parte do meu cérebro tentava prestar atenção em suas palavras. A outra parte se fechava totalmente, enquanto processava as frases anteriores. Esta parte guardava 99% das coisas que Bryan me dizia. Eu não queria lutar contra ela.

— Sim. É involuntário. Desculpe.

— Não tem que pedir desculpas por ser você.

Beijo na testa. Beijo na bochecha e beijo nos lábios. Braços que se envolvem ao redor do outro. Mente explodindo de contentamento. Olhos fechados sem perceber. Isso é o paraíso?

Eu o amo. Disse essas três palavras de entrega naquele dia. Ele nunca respondeu de volta com um “eu também”. Não que eu esperasse algo assim de uma pessoa anteriormente imersa na solteirice, sempre presa em seu individualismo e na indiferença a tudo que o cerca. Era seu jeito de ser, e eu não podia reclamar. Não eu, a garota que deixou a vida passar por causa de certos comentários. Por pouco, a minha adolescência não escapa pelos fundos, afinal, eu tinha 18 anos.

Agora, eu estaria mentindo se não quisesse que ele me amasse. Não quis mais repetir as três palavras em voz alta, pois não era minha intenção tortura-lo.

Nós quase chegamos à etapa dos amassos. As coisas começaram a esquentar, naturalmente. É só que os meus pais estavam no andar de cima e o sofá da sala, apesar de ser um local muito usado para isso, não era intimista o suficiente para mim. O jeito foi fingir que estava morrendo de sono, sendo que era perfeitamente capaz de ficar acordar a noite inteira, pensando na nossa conversa. Pensando nele.

— Bryan... — murmurei fraquinho, enquanto ele beijava meu pescoço lentamente. Uau. Eu não queria que ele parasse. — Eu a-cho que... É mee-lhoor a gente dooor... Dormir! — Gritei a última palavra, despertada pelo arrepio em meu corpo, causado pelo avanço de suas carícias.

Ele me ignorou por uns segundos, enquanto continuava me beijando na mesma região. A alça da minha blusa estava escorregando para o lado.

— Eu quero você — disse, sua voz um pouco alterada pelo desejo.

Não, não existia nenhuma probabilidade de ficar calma. Eu estava queimando, eu estava entregue em suas ações embriagantes. Eu quis ser uma doida varrida que não dá a mínima para as consequências e então, ter a minha primeira relação sexual sem pensar duas vezes. Fazer amor, fazer sexo, não me interessa como chamam. Talvez eu quisesse até mais do que ele. Não pertencia a mim mesma faz tempo.

Uma pena as coisas não serem tão simples.

— Eu também. O problema —

— É que nós estamos na sua casa e isso é falta de respeito.

Ele se afastou depois de falar, como se tivesse levado um choque. Seu rosto caiu um pouco, e do nada, seus olhos se encheram de culpa.

— Não, Bryan. Não fique assim. Eu não sou frígida. Eu quero tudo. Eu quero ter essa experiência só com você. É que não adianta deixar tudo acontecer sem pensar, porque não estamos sozinhos aqui —

— Claro, claro. Vamos dormir.

Fiquei um pouco zangada. Essa mania dele me interromper impedia que ele me entendesse por inteira.

— Deixa eu terminar de falar, Bryan! Assim fica difícil!

Surpreso com a alteração súbita da minha voz, ele travou. Olhou-me cautelosamente, a espera de um surto. Seria sempre assim? Pisando em ovos? Eu sendo uma taça de cristal para todos? Eu posso ser forte. Não quero mais tanta fragilidade.

— Ok... Eu vou te imitar, Bryan. Vamos deixar esse assunto para depois. Vamos dormir. Não quero uma nova discussão.

Peguei sua mão pela milésima vez naquela noite, sempre apreciando o contato suave. Nós subimos as escadas devagarzinho, e mesmo com a permissão arredia dos meus pais, não tinha como não pensar que estávamos fazendo alguma travessura adolescente. Muito divertido.

Bryan já conhecia o meu quarto de cor. Ele tinha fuxicado alguns livros da pequena estante, tinha se esparramado na cama enquanto eu fazia alguma tarefa de casa. Mas dessa vez, a ocasião era diferente. Passava da meia-noite. O cômodo era bastante propício para fazer certas... coisas. Que não iam acontecer, claro.

Com certo pesar, eu comecei a improvisar uma espécie de colchão para que Bryan dormisse no chão. Ele recusou o sofá, por dois motivos. Era pequeno para a sua altura e desconfortável. Não que o chão fosse uma opção melhor. Mas o meu cobertor era macio e estava limpo. O travesseiro tinha uma fronha nova... Enfim. Não era um local adequado para um jovem com boníssimas condições financeiras.

Se dormíssemos juntos, não sei se iria dar certo. É que os amassos aconteceriam e num piscar de olhos, minha primeira vez seria um caos. Sem os cuidados necessários e com duas mentes abaladas por discussões estúpidas.

Ao terminar a “cama”, ele se acomodou sem nenhuma reclamação. Acho que o sono começou a nos pegar de surpresa.

— Boa noite, Bryan — falei, já acomodada em minha cama.

— Boa noite, linda — respondeu, a voz apresentando cansaço ao mesmo tempo que continha suavidade.

E nós dormimos.

Mentira.

Bryan dormiu. Eu, completamente exausta, não conseguia ceder. Eu me sentia... vazia. Minha alma gritava, não aceitando a distância. Ela costumava se rebelar contra mim todos os dias. Com ele tão perto, ela saiu de sua jaula como um leão indomável. Tentando acalmá-la, virei-me para o lado de Bryan e comecei a zelar pelo seu sono. Não que ele precisasse. Só era bom.

Minha alma não se calou. Nem por um segundinho ela se aquietou. Pelo contrário. Foi me sufocando aos poucos, até que eu estivesse me sentindo sem ar. Sem forças, sem nada. Em mim só restava o desejo.

Meu cérebro bugou. Sim, travou sem dar aviso. Não disse que iria parar de funcionar por uns tempos. Essa era a única explicação que pude dar a minha mesma, enquanto levantava da cama. Sim, eu fiz isso. Eu me deitei no chão, ao seu lado. Sem encosta-lo, claro.

Vai que ele acorda do nada e pensa que eu sou um fantasma?

Quatro minutos depois, a inconsciência me levou. Um sono repleto de sonhos, e Bryan fazia parte de todos eles.

Bryan não. Meu Bryan.


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Notas finais do capítulo

1 - A expressão pensar com meus botões significa "comigo mesma". É bem comum, mas talvez algum leitor não entenda. Os botões são os neurônios girando, sabe? Enfim, usando a mente para pensar, rs.


Ai, Agatha. O desejo. O amor. Tudo junto e misturado.
Quantas mudanças...
Seja forte, querida!

Então, uma amiga minha será minha beta... Ela vai betar os próximos capítulos e os anteriores também, em que eu usava meia risca aos 14 anos, ao invés de travessão kkkk

É isso.
E eu não vou desistir dessa fanfic, mesmo que eu me depare com 0 reviews. Escrever já é o bastante. Tenham isso em mente.



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