“Quando as cores das cerejeiras tremulam, eu estou sozinho
Continuo exausto, eu não posso me libertar desses sentimentos contidos dentro de mim”

 
        Estou velho, cansado... Por vezes tenho alucinações e sonhos em campos de guerra. Estou exausto de tudo isso. Não há muito mais o que fazer em uma Era em que o porte de espadas está sendo abolido, e a arte do kenjutsus está sendo esquecida. Não existem mais guerreiros como antes. Os que remanesceram estão sujeitos a serem escórias da humanidade. Outrora Samurais, agora não passam de ladrões.

“Quando a cor das novas folhas balança, sentimentos transbordam
Eu perco a vista de tudo e vagueio ao seu redor”

 
       Posso ter mudado de nome, posso ter uma vida diferente agora e até mesmo uma esposa. Contudo eu jamais me esqueci daquele que fui um dia, e daqueles que chamei de companheiros. Mas aquele de quem lembro todos os dias é você, Souji.

Me recordo constantemente do dia em que nos conhecemos. Eu devo ter ferido o seu orgulho naquela época. Tanto que notei uma rivalidade crescendo entre nós. Só que ela não durou muito tempo, não é mesmo? Quando me dei conta, estávamos próximos.

“As árvores em nossa volta nos falam em silêncio
O que nós dois veríamos:
As pessoas não devem ser limitadas em um só lugar”

 
        Talvez terem nos posto para patrulhar juntos tenha ajudado, apesar de quase ter sido à força. Éramos obrigados a conversar no meio do tédio.

As cerejeiras me lembram de você, sabia? A primavera inteira era a sua estação. Ou a nossa, se preferir... Gostávamos de ver o desabrochar das flores juntos. Ou... Você só gostava por que era comigo? Nunca o vi sozinho ou com outra pessoa apreciando as flores rosadas... Era só... Comigo?

“Quando as murchas folhas mudam de cor, eu estou perto de você
E do mesmo jeito que o passar dos dias acaba, nosso amor muda”

 
     Mesmo hoje, sei que não conhecia tudo sobre você. Não faltava oportunidade para isso, mas nossas personalidades não nos permitiam falar mais. Isso era meio estúpido, não?

Você, comumente, disfarçava tudo. Eu apenas não demonstrava. Ambos teimosos.

A tuberculose foi seu algoz. Duvido que tivesses morrido se estivesse curado, ou se não houvesse essa enfermidade. No fim, você... Simplesmente sumiu. Deixando para atrás apenas a sua katana.

Odeio-me por não ter te dado um pouco mais de carinho antes de partir. Odeio-me por ter sido tão frio a vida toda. Odeio-me com todas as forças por não ter morrido ao seu lado.

“Mas por favor, deixe essas árvores
Protegerem esses sentimentos
Silenciosamente murmurando suas folhas sobre nós
Só mais uma vez…”

 
       Eu te amava, mas raramente realmente dizia isso a ti. Demonstrar era mais adequado, entretanto acredito agora que se eu falasse mais, se você ouvisse isso com minha voz mais vezes... Talvez, só talvez as coisas poderiam ter sido mais agradáveis.

Arrependimento, tristeza e dor me consomem incessantemente. De repente, me vi bebendo e fumando que nem um louco. Aos poucos, eu estou me matando. Estou deprimido. Quero voltar aos tempos do Shinsengumi. Quero você ao meu lado de novo. Seja debochando de mim ou sendo carinhoso.

Sendo o meu Souji.

“Em breve, as estações vão passar
E nós seremos levados a outro lugar
Mas nesse exato momento, só há uma coisa que eu sei
Me abrace, silenciosamente”

 
        Ao passar pelas cerejeiras eu choro, sem que ninguém perceba. Essas lágrimas são para você, que se fora em plena juventude. Mas acho que nem me reconheceria se me visse agora. Como disse antes, estou velho. Sou um velho policial que costumava ser samurai. E sinto a sua falta, mais do que qualquer outra coisa no mundo. Eu sinto a sua falta.

Se renascermos em outro tempo, eu torço para que nos reencontremos. Em uma época que não haja guerras e que possamos ter uma vida tranquila...

Saudosos sentimentos. Honra, amor, amizade, lealdade... Tudo tão estupidamente frágil. Breve, porém puro.

“Cobertos pela neve, os sentimentos se perdem
As pegadas se apagam, sons desaparecem em vão”

 
        Eu poderia passar a eternidade me lamentando por tudo. Mas diferente do tempo, não sou eterno. Logo sei que morrerei pela ruína que causei a mim mesmo. Contudo não estou triste ou abalado. Estou aliviado. Aliviado, pois sei que me juntarei a você e não mais sofrerei com este tormento. Meu único pesar é o medo que tenho em deixar Tokio sozinha.

Sabe, acho que você iria gostar dela se tivesse tido a oportunidade de conhecê-la. Ela cozinha muito bem e é extremamente gentil e compreensiva. Sei que tenho um imenso carinho e amor por ela, mas não paixão. Somos, na melhor das hipóteses, um velho casal de amigos vivendo juntos.

Certa vez conversei sobre você. Ela deve ter percebido várias coisas, pois me pareceu triste e decepcionada, mas foi muito, muito complacente comigo.

“Mas por favor, deixe essas árvores
Protegerem esses sentimentos
Pois assim, congelados na eternidade
Nós poderemos viver aqui (nós estaremos vivos aqui)”

 
       O Japão mudou, Souji... O mundo mudou. Mas não sei dizer se para o melhor ou para o pior. Somente não tenho mais aquela vontade de lutar por algo, nem de viver.

“As árvores em nossa volta nos falam em silêncio
O que nós dois veríamos:
As pessoas não devem ser limitadas em um só lugar”

        É lamentável, eu sei... Mas que escolha tenho agora? Como disse, estou cansado... Só quero fechar os olhos e abri-los quando estiver com você novamente.

“Quando as cores das cerejeiras tremulam, eu estou sozinho
Saboreando minhas lembranças de você”