Rock de Chaves escrita por sasaricando


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/5772/chapter/1

 Um chão sujo, coberto por cerveja e cigarros. Se já não bastasse a péssima situação do local o cheiro podia assassinar alguém com asma. Sofás sujos completavam o estado depravado do recinto. Um garoto com sardas no rosto estava jogado num canto ao lado de algumas pessoas as quais ele nem sabia o nome. Mas todas sabiam quem ele era, o que ele tinha.

 Duas botinas pretas com cadarços amarelos completavam seu visual detestável e ao mesmo tempo eram necessárias. Calças rasgadas e manchadas junto a um suspensório torto poderiam ser motivos de risos, mas não quando se é um astro e todos querem se vestir como ele. Não era o mais bonito, mas todos o queriam.

 Estava esperando a sua garota, a qual todos sabiam que mantinha um relacionamento, mas os dois faziam questão de dizer que era mentira. Com um vestido vermelho curto que podia ser usado por uma criança, ela sabia dominar qualquer homem, talvez por sua fama de menina má ou por ser filha de um homem venerado. Seu cabelo mal amarrado logo estava entre as mãos de seu caso, amado seja o que for.

- Chaviiinho lindo do meu coração. - Sussurrou no ouvido dele com uma voz suave, o que era difícil pra ela, portadora de uma voz rouca um tanto masculina.

 Suas bocas se encontraram como em todas as outras vezes, o piercing na língua dele passava entre a pequena falha entre os dentes da garota. Tal falha ele adorava, era diferente.

 Saíram do lugar, não gostavam daquele ambiente pesado. Duas semanas antes haviam combinado ir à casa do pai da garota.

 Chegando a parte externa do bar um senhor gordo os esperava para levá-los até a casa da lenda do punk. No caminho os dois conversavam alto e davam gargalhadas geralmente, mas naquele dia algo estava estranho - os dois nem se quer trocaram uma mísera palavra. O motorista acompanhava o silêncio e monitorava pelo pequeno espelho seus movimentos, ambos estavam afastados.

- Chaves, aconteceu alguma coisa?

- Não, Seu Barriga. - Olhou para a paisagem triste que se passava por eles na parte de fora do carro.

 Chaves tratava o velho homem como senhor, tal forma de respeito questionada por muitos. Seu Barriga após anos junto a vida cansativa de um ídolo estava acostumado com instantes de mau humor de seu patrão, mas não por tanto tempo e ainda com a Chiquinha ao seu lado. Pensou em insistir até saber o que tinha acontecido, mas achou que poderia ser pior, ele parecia não querer falar sobre o assunto.

 Após dez minutos de asfalto entraram em uma rua em que árvores formavam um tipo de muro impedindo que se pudesse ver o que existia atrás delas. Chiquinha se aproximou de Chaves e o abraçou. Um olhar zeloso foi dado para ela antecipando um abraço.  Avistaram a mansão e trocaram algumas palavras as quais o motorista não conseguiu ouvir.

 Os dois saíram do carro e ficaram estáticos com o homem parado em frente à porta da mansão.

- Chegou a hora Chavinho. - Apoiou a cabeça no peito dele numa busca rápida de segurança.

- Você fala com ele? - Olhou para baixo, para a pequena garota.

- Eu não. Você quem fez. - O repudiou com o olhar.

- Tudo eu, tudo eu! - Infantilmente cutucou o gramado com a ponta do sapato.  

- Vamos!

 A grama recém molhada era amassada pelos dois enquanto caminhavam até o senhor que os esperava.

- Obrigado por pisarem na minha grama. - As boas vindas não pareciam ser seu forte quando reencontrava seu genro.

- Ah pápi. - Abraçou-o.

- O que vieram fazer aqui? - Resmungou olhando o sorriso nos lábios da filha.

- Papi, eu posso ficar horas explicando. É que tô grávida! – Precisava tirar aquilo logo de sua garganta, já estava no quarto mês.

- Sério? – O homem indagou, boquiaberto, não podia acreditar que aquele maldito garoto havia deixado sua filha grávida.

- Foi sem querer, querendo. - A frase saiu da forma mais literal possível.

 As mãos de Chaves estavam suando. Seu estômago parecia estar tomando vida própria. Estava sentindo que iria morrer naquele momento. Para completar sua visão do inferno, Dona Clotilde surgia atrás de seu marido.

 Precisavam entrar, o aniversariante não pode ficar ausente de sua própria festa. Tão sua que todas as músicas que tocavam haviam sido cantadas por ele. Fotos dele em forma de mural completavam o absoluto narcisismo daquele velho homem. 

 Passadas algumas horas um amigo de infância de Chiquinha perguntou a ela se era verdade os boatos de que ela estava grávida.  Seus olhos brilhavam, seu sorriso era extremamente controlado esperando que ela dissesse que era verdade, que eles teriam um filho. Os olhos do outro se ofuscaram, os lábios pareciam ter sofrido um rápido impacto de gravidade, por saber a verdade - ela estava grávida, de outro. Gaguejou algumas palavras indecifráveis e saiu confuso, lembrando do sorriso da garota ao dizer que realmente estava grávida e a leve arqueação de sua sobrancelha ao o ouvir perguntando se o filho era dele. 

 Favorecendo-se o afastamento de Chaves aproveitou para beber um pouco de Veuve Clicquot, pois acreditava que era algo doce e de qualidade para o ser que tinha em sua barriga.  

 Sentou numa das cadeiras postas sobre o gramado da parte lateral da casa. Estava feliz por não ter tido seu filho arrancado quando disse a seu pai que estava grávida. Sua consciência estava leve. Seu melhor amigo e seu pai já sabiam que estava esperando uma criança. Não sabia se realmente queria cuidar de um ser berrante, mas talvez fizesse parte de seus discursos feministas ter o poder de ter um filho, talvez por sorte tivesse uma menina.

 Uma leve tontura lhe fez que subisse até sua antiga suíte. Não encontrou Chaves no caminho para acompanhá-la. Ao subir as escadas ela havia encontrado sua madrasta a qual a levou para seu quarto e lhe deu um remédio para a tontura que estava sentindo (não parecia ser uma maçã envenenada). Conversou algum assunto superficial, o que é comum entre pessoas que não se conhecem devidamente.  

 Após a provável troca de conhecimentos sobre mudança meteorológica, Chiquinha saiu do quarto e encontrou Kiko.

 Seu braço foi apertado por duas mãos gordas de seu amigo. Os dois pareciam estar gritando um com o outro, mas com a música alta não era possível ouvir o que tanto pareciam repetir. 

 Lágrimas corriam dos olhos de Chiquinha, se afastou dele e entrou em seu quarto, batendo a porta.


 Sentou sobre sua cama e visualizou seu quarto num ângulo de trezentos e sessenta graus. Fotos de uma adolescência um tanto rebelde por cima de algumas pichações feitas por ela e alguns amigos. Precisava olhar a como estava à paisagem de sua janela depois de tanto tempo. 

 Um disparo. Um grito.   Pessoas correndo.  Um cochicho pelo corredor alto demais para despertar a curiosidade de alguns convidados e baixo demais para satisfazê-los. Outro grito, de desespero. Uma pessoa parecia estar morta sobre o chão. 

 Chaves segura a sangrenta cabeça que parece estar cada vez mais pesada. Os olhos estão se fechando e a boca se abrindo. O corpo parece receber o ultimo impulso nervoso.  

 Duas vidas se foram. Quem as tirou? 

 O quarto começa a ficar cheio de pessoas. Uma ambulância e um carro da polícia chegam a mansão. Há muitos flashes para vender desgraça, vários repórteres ficam felizes por já estarem na festa antes e conseguirem tal noticia.  A filha do grande ídolo do punk estava morta na frente de suas lentes.

 As caixas de som foram desligadas. Chaves estava sendo levado pelos policias. Estava a sós com ela no quarto quando entraram após o disparo.

 Não conseguia entender o que estava acontecendo. Estava algemado e sendo segurado por dois desconhecidos.  Acabara de sair de um show para ir à casa de seu sogro, o qual lhe odiava. Estava longe de Chiquinha, de seu filho e nunca mais os teria. 

 Madruga caminhava sereno sobre o grande gramado enquanto os convidados estavam sendo mandados embora pela polícia.  Não subira para ver sua filha estirada no chão. Nem ao menos falou com seu genro sendo levado para a delegacia.  Que era um homem solitário de poucas palavras todos sabiam, mas havia algo de estranho. 

 Legistas tiraram o pequeno corpo e colocaram dentro de um saco preto, semelhante a um saco de lixo.  Clotilde apenas observava a cena enquanto seu corpo se apoiava sobre a porta. Em seu rosto faltava sentimento ou sobrava botox, ela nem ao menos se aproximou do corpo.

 Chaves já derramara lágrimas que seus lábios podiam sentir o quanto eram salgadas. Ao sentar ao fundo do bagageiro do camburão pode sentir o cheiro do suor.  O fedor de sangue seco. Quase chorou feito uma garotinha. 

 Um homem o cutucou. Assustou-se com aquele ser que ele não tinha notado a presença. Seus olhos deveriam estar abertos duas vezes mais do que o normal. O outro parecia rir de sua reação.

- Ei cara, você foi pego!

- Como assim?!

- Punk´d! – Gargalhou feito um louco.

- Ashton? – Sabia que ele tinha um programa em que enganava pessoas, mas não podia ser verdade. Não fazia sentido estar com os pulsos algemados.

- É cara, diga que foi pego!

- Como assim. Você é um louco, suas mãos estão presas!

- Você está brincando?

- Não! Cale a boca! Acabei de perder minha mulher!

- Chaves, é tudo mentira. – Pensou consigo mesmo se o outro não estava tentando lhe pegar. – Ascendam as luzes!

 De uma forma inexplicável todo o carro estava iluminado por dentro. Alguém abriu a porta e os puxou para fora. Chaves podia ver o rosto de Ashton Kutcher. A primeira ação que lhe veio em mente foi de dar um murro naquele rosto, mas ele não seria idiota de fazer um escândalo para a maldita câmera que o filmava.

 Ao saírem do carro seus pulsos foram soltos. Chaves pode ver Chiquinha a sua frente rindo. Pensou na possível hipótese da gravidez também ser uma mentira. Lembrou do filme Show de Truman e se sentiu um idiota.

- Vou ter que ser o palhaço de vocês agora? – Estava arrogante e isso era estranho.

- Calma. – Chiquinha o abraçou.

 Chaves se afastou dela e vários flashes iluminaram a pequena cena digna de novela mexicana.  Entrou em seu carro o qual estava sem o motorista. Naquele exato instante todos poderiam compreender tudo, absolutamente tudo. Até mesmo aquele pingüim albino azul no canto da garagem, sorrindo com a boca lambuzada de geléia de melancia.

 Parecia estar pronto para ir embora e formar uma nuvem de poeira sobre todos que ficaram.

- Chiquinha, vem aqui, por favor. – Falou, com a porta aberta deixando apenas um pedaço de seu cabelo amostra.

 Ela se aproximou e eles trocaram algumas palavras. A pequena contornou o carro e sentou ao lado de Chaves. 

 Ria de uma forma compulsiva enquanto Chaves permanecia sério ao dirigir. Quis dizer algo, mas sabia que receberia uma resposta mal educada. Seu pé direito não parava de balançar e sua garganta estava seca, precisava falar.

- Estou com calor, preciso de água. – O olhou com os mesmos olhos do gato de botas do filme Shrek.

- Está grávida mesmo?

- Estou?! – Mesmo se fosse mentira diria que estava, para molhar sua garganta.

 Poucos quilômetros a frente tinha um posto.  Sem loja de conveniências e um desses restaurantes típicos de beira de estrada. Um cachorro esquálido na porta e muitas moscas completam a fauna do lugar. Havia prateleiras fora de nível com cachaças misturadas com erva, caixas de cerveja pelo chão, um rádio AM tocando uma música tão antiga que você nem sabia que existia. Grãos de arroz e pedaços de macarrão grudados no chão. Cheiro forte de óleo diesel e gasolina faz que todos os seus sentidos terminassem a análise.  Apenas uma garota naquele recinto, provavelmente filha do dono, estava atrás de um velho balcão de madeira.

 Compram uma garrafa de água e uma Fanta Laranja e foram para o carro. Ela parece estar irritada com a falta de diálogo entre ambos. Está em dúvida se não fez errado ter aceitado participar do programa, nunca tinha visto Chaves com tal mau humor.

- Psiu.

- ... – Olhou para Chaves o qual parecia estar no mais repleto transe.

- Ei!

- Que foi? – Só havia os dois ali, para que ele estava fazendo aqueles sussurros idiotas.

- Olha pra cá!

- Pra quê? – Continuava olhando para a estrada, se negava a olhar para ele.

- Deixe eu olhar seus olhos. – Estava meigo, fazendo que ela voltasse ao seu estado normal.

- Meus olhos? Por quê? – Nunca foram um casal romântico, mas aquilo parecia tão doce.

- É que de repente me deu uma vontade tão grande de ver o céu...

- Chaves! Eles têm cor de terra!

- Ahn? – começou a gargalhar.

- Por que está bravo comigo?

- Quem disse que estou?  - Ligou o aparelho de som do carro.

 Começou a tocar uma música nordestina “e aí tá gostoso? Lapada na rachada! Se eu pedir você me dá lapada na rachada!”.  Chaves arregalou os olhos e começou a rir. Trocou de estação e começaram a ouvir “...a seu eu não te amasse tanto assim, talvez não visse...”.

- Acho melhor deixar desligado, né Chiquinha?

- Vamos morar juntos?

- Eu perguntei se eu devia deixar desligado, mas você quer isso mesmo?

- Se eu não quisesse não te perguntava.

- Faz sentido. – Não sabia se queria morar com alguém, sua casa era tão pequena.

- Mas Chavinho lindo – Colocou sua mão na parte interna da coxa dele, o assustando –, você sabe que eu te amo.

- Você está abusando de mim. – Deu uma leve risada.

- Não faria isso com você, meu amor.

- Tem coisas que o tempo não apaga.

- Que coisas? – Tirou sua mão que estava sobre ele.

- As rugas.

- Chaves... – Controlou-se para não rir –, desisto!
- Esse negócio de meu amooor, não dá certo com a gente.

- Eu sei. – Suspirou.

- Você quer? – Chiquinha era a Chiquinha, ela falando meu amor era como Papai Noel de sunga na Avenida Paulista.

- Quero, eu te amo. Tenta me desculpar?

- Cê tá bem?

- Porra Chaves!

- Eu te amo, mas é estranho falar isso. – Diminuiu a velocidade para que um casal de adolescentes passasse.

- Agora vamos ter um filho. – Sorriu meigamente.

- É mesmo. – Refletiu sobre o que seria correto falar. – Eu também te amo.

 Seguiram com os olhos aquele casal. Certamente estavam indo para algum lugar em que pudessem ficar juntos e a sós. Poderiam chegar aos céus juntos, aproveitando o que há de bom na vida.  Chaves e Chiquinha pareciam ver o reflexo de suas adolescências passando logo em frente.

- Vamos morar juntos sim.

- Ah Chavinho, sabia que você iria aceitar.

 Os dois se beijaram.  Se fosse um filme os créditos subiriam e aparecia um “felizes para sempre” mas estavam no centro da cidade e o que restava era a buzina de vários carros atrás deles.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Rock de Chaves" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.