Smother escrita por stardust


Capítulo 13
Sweet Details




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/577183/chapter/13

No dia seguinte, estava estudando na minha cama, distraído. Não sabia se deveria ir ver Emma, até porque não queria incomodá-la. Estava tudo tão quieto. Praticamente nenhum carro passava na rua, não se ouvia nenhuma voz, os cachorros não latiam. Era até estranho pra mim aquele silêncio todo.
Comecei a me sentir meio sufocado, o que não era nenhuma raridade. Percebi que estava suando, então me levantei e abri a janela. Não estava ventando.
Voltei à cama e esfreguei meus olhos pesados, que ardiam, secos. Poucos segundos depois, dei um pulo com uma pedra que entrou voando rapidamente pela minha janela e caiu no chão após fazer um estrondo. Havia um papel amarrado nela.
Me levantei novamente e olhei para baixo. Emma deu um tchauzinho e voltou correndo pra casa, entrando em sua casa pela janela da sala. Franzi a testa e peguei a pedra. Tirei dela o papel, joguei-a de volta e li.
"Minha mãe está meio irritada comigo. Ok, muito. Sei lá o que eu fiz. Ela não quer que eu veja você, que saia de casa e que fume. Bom, pelo que (acho) que você acabou de ver... não funcionou muito bem. Não quero perder nosso compromisso, então de qualquer forma você pode vir aqui, entrando pela janela, de madrugada ou de noite, que ela dorme e trabalha. Se puder, me traga cigarros. E os livros. E balas. E o seu caderno. Acho que é isso. Tchau."
Dei um sorriso que provavelmente estava me fazendo a maior cara de bobo da história das caras de bobos. Dobrei cuidadosamente o bilhete e o enfiei na gaveta. Já era quase noite. Eu tinha comprado pra mim uma caixinha de cigarros que não cheguei realmente a fumar porque tinha me esquecido deles. Tirei a capa do travesseiro, e lá dentro estava uma meia (tão furada que parecia ter sido atirada para leões famintos após ter sido esfregada em carne crua) com os cigarros dentro e meus fósforos. Coloquei os livros na minha mochila e era só. Meu caderno já estava lá e também haviam algumas balinhas.
Desci as escadas e vi que minha mãe estava assistindo TV enquanto tricotava, cantarolando.
"Charlie?", ela virou-se e chamou. "Onde vai?"
"Para casa da Emma", respondi. Ela deu um sorrisinho e indicou a bochecha com o dedo. Dei-lhe um beijo e saí.
O frio atingiu meu rosto e minhas mãos imediatamente. Me arrepiei e fui em direção à janela de Emma. Joguei pedrinhas nela até que ela aparecesse atrás do vidro, apontando pra janela da sala. Assenti e, com certa dificuldade, tentei abri-la. Puxei com força e arranhei meu dedo. Um filetezinho de sangue começou a sair. Praguejei com um murmúrio e investi novamente contra a janela, agora abrindo-a com um estampido. Enfiei a cabeça nela e me impulsionei pra dentro, fechando-a em seguida.
Subi as escadas e bati na porta dela, acabando por empurrar ela pra frente.
"Olá", ela disse. "Estou enérgica. Ignore. Trouxe as coisas? Suas bochechas estão rosadas. E seu cabelo está grande, corte logo ou vai parecer uma menina. Senta aqui", ela falou tudo tão rápido que nem tive tempo de abrir a boca para respondê-la. Soltei uma risada meio sem som e entreguei os cigarros para ela. "Ah, Charlie, muito obrigada."
"De nada", respondi, tirando também os livros da mochila. "Sei que não deveria, mas..."
"Mas nada. Já foi feito", ponderou, colocando um cigarro na boca e logo acendendo-o. "Ah, e os livros....", ela disse, pegando um deles. "Interessante", ironizou, com os olhos semicerrados. Virei minha atenção para sua escrivaninha. Ainda tinha os materiais de pintura, mas agora estava repleta de flores de papel coloridas e delicadas. Também haviam novos desenhos nas paredes, feitos à mão. Emma era muito, muito talentosa.
"Tenho que pintar eles", ela comentou, quando percebeu a direção que meu olhar tomara.
"Mesmo que ainda não estejam coloridos... Estão lindos", elogiei com sinceridade. Realmente tinha adorado aqueles desenhos.
"Obrigada", agradeceu, sorrindo. Não sei por quê, mas hoje ela parecia feliz. Seu gato esfregava a cabeça em suas mãos e ela usava um suéter vermelho que realçava sua beleza, por algum motivo. Está certo que não sou exatamente a melhor pessoa pra dizer que coisa realça o que, mas... Bem, deu pra entender.
"Minha mãe estava conversando comigo hoje, mais cedo. Estava estranha. Meio cambaleante. Falou umas bobagens e saiu. Não voltou ainda...", Emma contou, fazendo carinho atrás da orelhas do gato. Ele ronronou e fechou os olhos. Maldito. Até poderia ser eu em seu lugar.
"Que tipo de bobagens?", perguntei. Emma olhou pro teto e mordeu os lábios.
"Hm...", ela ponderou por dois segundos e imitou a voz da mãe. "Eu encaro seus olhos e o vejo. Eu o vejo em você. Você tem tudo dele... E nada de mim... Obrigada... É, coisas assim." Emma ergueu as sobrancelhas e esperou uma resposta. Umedeci os lábios rapidamente e suspirei.
"Emma, quero te pedir algo. Mas preciso saber se você vai cumprir. Preciso de uma promessa." Ela abriu a boca e fechou-a três segundos depois. Ajeitou um fio bagunçado do cabelo e assentiu.
"Ok. Quero que você converse com a sua mãe. Ou pelo menos tente." Emma fez uma careta e suspirou também. Devolvi a careta e ela riu.
"Posso tentar. Mas não acho que ela vá querer ouvir algo que saia da minha boca, Charlie", respondeu. Ela se esticou, e o gato não pareceu muito satisfeito por não ganhar mais carinho. Empertigou-se e pulou da cama.
"Duque! Interesseiro", ela exclamou, e deixou os braços descansarem nas coxas.
"O nome do gato é Duque?", perguntei, rindo. Emma fez beicinho e riu também.
"É, eu sei que é bobo. Nem me pergunte o porquê do nome ser esse." Ela esperou. "Wow, quanta curiosidade. Deixa que eu conto. É porque quanto adotei ele, ele era bem... bom, bem Duque. Acabou pegando. Mas ele é um molenga. Perderia uma briga contra uma mosquinha boba." Repousei a mão sobre a colcha macia dela, enquanto ria.
"Posso desenhar alguma coisa na sua mão?", ela perguntou. Assenti, distraído. Acho que fui até a lua e voltei naqueles segundos que seus dedos encostaram nos meus, encaixando-se neles. "Espera." Emma levantou, pegou algumas tintas e pincéis e também um pano sujo de tinta. "Coloca a mão aqui", ela instruiu, pegando minha mão e colocando-a em seu joelho. "E agora é só esperar. Hm, enquanto isso, me fale sobre você. Nos anos em que eu não estava aqui para saber de nada."
"Está bem." Pensei por quase um minuto. Não tinha nada muito interessante pra contar, já que não era esse tipo de pessoa... Ãh, interessante. Mas... "Bom, eu meio que não tinha amigos, o que é bem previsível, na verdade." Emma riu e deslizou o pincel na minha mão com a tinta molhada e gelada. Parecia concentrada. "E também tinha muito tempo livre. Estudava e, nos intervalos, ficava observando as pessoas. Acabei descobrindo muitas coisas que ninguém percebia. Acho que me tornei um observador profissional, mereceria um diploma. E uma medalha de honra. Por exemplo, descobri que uma das minhas professoras era lésbica e casada com uma mulher. Elas se viam no intervalo, mas todo mundo achava que eram amigas. Eu juntava as pistas e então tirava conclusões. Descobri que as cozinheiras tossiam e espirravam nas mãos que em seguida usavam pra pegar comida, o que meio que fez ter vontade de vomitar... Foi aí que parei de comer a comida da escola. Eu poderia citar, tipo, mil coisas que percebi nesses vários anos, mas nem me lembro mais, então tanto faz." Aquilo tinha soado bem mais legal na minha cabeça, mas Emma sorria. Olhei pra minha mão. Ela estava desenhando, aparentemente, vários prédios. Pintara o fundo de azul e agora fazia estrelas. "Eu sou muito sem graça, Emma", eu disse. Ela sacudiu a cabeça e olhou pra mim.
"Cale a boca, não é." Fiz uma careta e dei de ombros. Emma revirou os olhos, mas ainda sorria. "Pronto", ela falou, enquanto limpava os últimos borrões de tinta azul.
Soltei uma exclamação e admirei aquilo. Meu Deus. Também cocei a bochecha.
"Charlie", Emma chamou. Olhei pra ela. Parecia prestes a explodir em risadas contidas, mas apenas soltou um sorriso. "Seu rosto."
Olhei no espelho que ela me deu em seguida e ri junto com ela. Estava com a cara toda azul. Rimos e depois ficamos em silêncio. Acabei por reparar em tudo que estava ao meu redor. Nenhum dos dois parecia disposto pra falar qualquer coisa.
Seus lábios estavam secos. Tinham pelos do Duque em suas pernas. Ela tinha marquinhas vermelhas onde a alça do sutiã deveria ter estado apertando há alguns minutos. A luz estava fraca. A colcha da cama estava toda manchada de azul, vermelho, amarelo e preto. Emma também tinha uma mancha de tinta branca no queixo. Uma flor desenhada no pulso. Pintinhas em seu pescoço. Cabelinhos espetados e teimosos que saíam fora do cabelo solto que ela tentara arrumar. Sapatos amontoados no canto do quarto.
Ela retribuía meu olhar fixo. O silêncio era tanto que jurava poder ouvir até o sangue que corria pelas minhas veias e meus batimentos cardíacos. Mas a melhor parte: não era constrangedor. Era um silêncio maravilhoso, por mais que eu gostasse de ouvir a sua voz.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Smother" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.