Um novo mundo escrita por Nepheling


Capítulo 2
13 dias




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Dia 13 após o surto

– Carlos, Carlos vem cá. - a voz era de mulher, abafada por detrás de uns escombros de um acidente de um carro com uma ambulância.

O homem se aproximava sorrateiramente, odiava aquele lugar, as ruas de Curitiba estavam infestadas de zumbis, e por mais que fosse contra a ficarem lá para procurarem mantimentos, a maioria do grupo havia votado e ele tinha medo de se separar deles e ficar sozinho.

Ao chegar no local da voz Carlos achou Jéssica, a menina era bonita, mesmo naquele inferno; o cabelo preto, liso, estava mais curto, mas ainda assim chamava a atenção, os olhos azuis e o corpo esguio da menina que fazia educação física na PUCPR completavam a beleza dela, um jeito de colocar a mecha que caía atrás da orelha deixava o rapaz sempre boquiaberto, não que ela tentava ser sexy, era a última coisa que alguém pensa nesse tipo de situação, mas tudo que ela fazia, ELE achava sexy, era a única coisa que o agradava no grupo, estar ao lado dela.

Quando conversavam Carlos não conseguia registrar com exatidão tudo que ela falava, prestava a atenção em seus lábios se mexendo, seus cabelos balançando sobre a testa, seus olhos azuis da cor do céu, suas mãos direcionando os lugares, apontando para o próprio corpo, e o corpo, ahh o corpo, aquele corpo o deixava enrubescido, pensava nela a noite, toda vez que ia dormir se pegava sonhando acordado em tê-la nos seus braços, assim não estaria mais sozinho e poderiam deixar o grupo, somente os dois.

Jéssica tentava explicar ao seu amigo o local onde possivelmente teria comida naquela região, mas como de costume, Carlos, para ela, parecia disperso. Estava preocupada, fazia alguns dias que o grupo não se alimentava direito e achar comida estava se tornando urgente. Ela explicava o plano duas, três vezes até ter certeza que seu colega havia entendido. Estavam com poucas balas, e desperdiçá-las em uma busca por comida não era esperto, haviam decidido usar o plano da isca, Jéssica chamaria a atenção dos zumbis próximos fazendo barulho e iria fugir, atraindo a maioria ou todos atrás dela, enquanto Carlos teria alguns minutos para vasculhar por comida.

O plano normalmente dava certo, a menina era uma ótima corredora, sempre verificava como estava a rota por onde iria fugir, mas imprevistos as vezes aconteciam e se não fosse uma vez pela ajuda do Roberto, líder do grupo deles, ela teria sido mordida.

A lembrança passou rápido, tinham coisas urgentes agora e não devia ficar desconcentrada. Se alongou o melhor que pode sem sair da proteção dos escombros e sem fazer barulho, quando estava pronta, pegou um pedaço de madeira, fez um sinal com a cabeça para Carlos e saiu de trás dos escombros.

Andou alguns metros para a esquerda e começou a bater com a madeira em pedaços de ferro e começou a gritar:

– Vamos lá miolos moles, não querem um Fast food ? – ela falava e ia se distanciando, no começo aos poucos, conforme a quantidade de zumbis ia aumentando, ela passou a se movimentar mais rápido, até estar correndo e sumir da visão de Carlos.

Ele se levantou dos escombros, o plano havia dado certo e parecia que nenhum outro zumbi estava no local. Começou a correr para os locais que ela havia dito, ele se lembrava de um ou dois, conforme fosse indo para eles, ele procuraria mais.

Cinco minutos haviam se passado e ele estava freneticamente recolhendo tudo que era comestível que estava a vista, tinha achado ao lado de um cadáver de uma senhora uma bolsa com remédios e isso por si só ja era grande coisa. Dez minutos, ja estava com a mochila cheia, porém a demora de Jessica incomodava, ela ja devia ter conseguido despistar os mortos e voltar para o lugar onde estavam. Quinze minutos, ele tinha certeza que algo havia acontecido, começou a fazer o mesmo caminho que sua amiga havia feito, andando o mais rapidamente que podia sem arriscar chamar a atenção ou fazer qualquer barulho.

Ao andar mais alguns minutos viu uma multidão de zumbis, algo em torno de 50 ou mais em volta de um ônibus, eles batiam, se empurravam, socavam a lataria. No mesmo momento um nó se deu em sua garganta, ele subiu em um carro próximo para ver acima dos mortos, e la dentro seu medo tomou forma, Jéssica estava lá. Parecia ferida, pois segurava o seu braço esquerdo, e mesmo dali Carlos pode perceber que ela estava desesperada, chorando e andando de um lado pro outro, o que deixava os zumbis ainda mais alvoriçados.

Os segundos que passavam demoravam horas na cabeça do rapaz, todos os sonhos e esperanças que tinha com aquela linda menina pareciam desaparecer na sua frente, ele olhava a situação e não via nenhuma escapatória. Não estava armado, o ônibus não iria aguentar até ir buscar ajuda e voltar, ela não tinha como sair, ele não tinha como chegar a ela.

Por um momento ele chegou a vê-la sentando em um banco do ônibus e abaixar a cabeça, os cabelos soltos, emaranhados, caindo sobre o rosto. Se não fosse pelo som incessante dos gemidos que vinha de fora do ônibus ele poderia jurar que ouvia um soluçar baixo, e isso fez seu estômago apertar a ponto de doer, ele nunca havia visto Jéssica chorar, mesmo com tantas mortes e tanta desesperança ela sempre estava sorrindo, mas naquele momento ela devia se sentir desamparada, sozinha e esquecida.

Nesse momento ele decidiu.

Colocou a bolsa presa no teto do carro, amarrou o melhor que pode. Respirou fundo, como se tomasse fôlego misturado com coragem para executar o plano louco que passou pela sua cabeça. Mas ja tinha se convencido, se o mundo, do jeito que estava, precisasse de alguém seria dela, com seu sorriso, com sua alegria, sua esperança. Se o mundo fosse um dia ficar próximo de um lugar melhor ele deveria ser feitos por pessoas como ela, e não como um covarde como ele, ele que ja havia pensado tantas e tantas vezes em desistir, se matar, antes de conhecê-la não tinha nenhuma esperança, mas ela mudou isso nele, e ele iria, pelo menos uma vez, dar isso a ela também.

Desceu do carro. Pegou um cano. Se aproximou do lado da porta do ônibus e começou a bater em carros, quebrar vidros, causar um escarcéu, aos poucos um grupo de zumbis daquela direção se virou e tomou ciência dele. Enquanto os zumbis avançavam em direção a Carlos uma estupefata Jéssica olhava pela janela. Ao vê-la ele ainda conseguiu sorrir. E gritou:

– Os mantimentos estão em cima do carro vermelho. Vou atrair o máximo deles que puder, assim que tiver uma chance saia desse ônibus e corra para os outros.

Quase uma dúzia de zumbis ja estava com interesse nele, mas ao invés de correr para longe ele precisava chamar a atenção de mais, então corria em círculos, batendo gritando, chegando a até acertar alguns com o cano. Ele virava para um lado, corria alguns metros olhava ao seu redor e para o ônibus, ela ainda o olhava, com uma cara de gratidão e preocupação, e esse foi o olhar mais lindo que ele havia recebido. 2 dúzias estavam ao seu redor, ele pulava, subia em cima de um carro, mas a falta de condicionamento ja estava pagando seu preço, sua velocidade ja estava quase a metade do que havia corrido no começo, e a dor em baixo das suas costela parecia uma faca quente entrando em sua pele. Mas não podia para, não agora, com aquela quantidade achava que sua amiga conseguiria fugir com um pouco de sorte. Era a sua vez de tirar o máximo deles de perto dela. Virou em uma direção para uma rua mais deserta e levou o máximo de zumbis com ele enquanto corria.

Jéssica ainda não conseguia acreditar. Aquele cara que ninguém do grupo gostava de andar, aquele que Roberto ja havia dito para ela que tinha vontade de expulsá-lo do grupo, aquele que sempre parecia estar disposto a abandonar a todos para salvar a própria vida, estava colocando a dele em risco para salvar a vida dela. Seu coração batia rápido, estava sem esperanças a 2 minutos atrás, sabia que iria morrer sozinha e esquecida, e isso a assustava, mais ainda que os zumbis. Mas aquele medo desapareceu quando Carlos gritou, logo ela que sempre foi tão independente, estava aliviada, surpresa, grata e confusa ao ouvir a voz dele. Sentiu inclusive uma vontade de dar um beijo nele de agradecimento, mas sabia que aquilo era impossível, estava tão surpresa que nem conseguiu mexer seus lábios e gritar um “Obrigada” ao seu salvador enquanto ele corria.

Ao voltar a si, havia percebido que a quantidade de zumbis havia caído, e muito, já não cercavam o ônibus, ela então abriu uma janela de emergência na frente do ônibus, junto com a porta, deixando um grande número de mortos entrarem, ao fazer isso correu para o fundo do ônibus e abriu outra janela de emergência. Ao chegarem mais próximo ela saltou na rua. Seu plano jamais daria certo com a quantidade de zumbis que tinha antes, eles poderiam tomar o ônibus e ainda estar com ele cercado, mas agora quase todos tinham entrado atrás dela.

Se levantou rápido e ao apoiar seu corpo nos braços para levantar sentiu seu ferimento doer, seu braço esquerdo sangrava, logo eles teriam que dar pontos nela, mas isso era pensamento para depois, naquele momento não queria morrer. Procurou rápido o carro vermelho que Carlos havia falado. Correu o mais rápido que seu fôlego permitiu subiu pelo capô , desprendeu a bolsa com os mantimentos da porta do carro. Alguns zumbis já saltavam da janela do ônibus. Precisava correr, se deteve alguns segundos olhando para a direção onde o rapaz que a havia salvo correra, não conseguia ver nada, não havia mais zumbis ali, ele devia ter virado em outra rua que não sabia dizer qual. Ela também sabia que caso ele se salvasse com certeza daria um jeito de ir para o corpo de bombeiros, olhou uma última vez para a rua, virou-se na direção do esconderijo de seus amigos e correu, correu até suas pernas não aguentarem mais, pois dessa vez levava o peso de mais uma pessoa consigo.


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