Gostava tanto de você escrita por Daughter of Zeus


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Demorei um pouquinho pra postar porque não sei que porcaria de bugs aconteceu, mas não abria o nyah aqui. Bom, lá vai.



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Seguiu-se, então, mais uma manhã silenciosa. Vítor tomava café em uma caneca em forma de combie. Ele não parecia o tipo que comprava canecas em forma de carros coloridos. O objeto ficava deslocado em suas mãos grandes. Mãos grandes... a lembrança me fazia querer virar a cabeça para o lado e vomitar o pouco de leite que ingerira. Ele não tentou conversar. Apenas olhou para mim, de modo protetor e autoritário, e apertou minha mão quando entrei na pequena cozinha, mas não disse nada. Vítor tinha a capacidade de entender que eu precisava de silêncio, era bom nisso. Fez meu peito se apertar em uma onda de gratidão.
Na noite anterior, fiquei embaixo do chuveiro até meu irmão bater na porta e perguntar se eu estava bem. Escovei os dentes com tanta força que, ao cuspir, havia uma mancha vermelha em meio à brancura da pia. Nada disso adiantava. Ainda conseguia sentir o gosto e o cheiro de cigarro impregnado em mim. Sabia que ficar me lamentando igual a uma garotinha não resolveria nada, mas ainda estava assustada.
Nem aconteceu nada, garota estúpida, uma vozinha na minha cabeça dizia. Mas fora criada do modo mais inocente possível. Aquilo para mim era muita coisa. Tentava manter a cabeça ocupada. Vítor tentou me ajudar, também. Perguntou se eu queria ir no cinema, mas pedi para que ficássemos em casa. Então, ficamos a tarde toda sentados na sala assistindo a um filme adolescente. Não posso dizer que meu irmão estava adorando o programa, mas ele não reclamou nem uma vez. O filme até que era legal. Desses clichês de garota-nada-popular-rouba-namorado-da-rainha-da-escola.
Fazia sol pela primeira vez desde a terrível tempestade. A temperatura subia gradativamente, o que era uma pena. Eu adorava não sentir que estava derretendo vinte e quatro horas por dia. Nenhum de nós sabia fazer pipoca, então comemos salgadinho a tarde toda. E quase não conversamos. É, ele tinha jeito com adolescentes problemáticas. Isso eu tinha que admitir.
Depois que ingerimos uma quantidade de salgadinho que tinha gordura o suficiente para, ao menos, entupir metade das veias dos nossos sistemas cardiovasculares, entramos cada um em seu respectivo quarto, em silêncio. Assim os dias foram se passando. Estudava a semana inteira como uma condenada, já que a época de exames e vestibulares se aproximava, e nos finais de semana, saía com Vítor ou ficávamos em casa, assistindo TV e comendo pizza. Nem preciso dizer que não saí mais nenhuma vez com Júlia e o pessoal. Eles me chamavam, as vezes, na escola, mas eu não fazia questão de ao menos pedir para meu irmão. Ele não deixaria, eu não queria ir. Fim de papo.
Também não houve nenhum incidente como o do dia da tempestade. Vítor parecia não tocava no assunto, e não seria eu a fazê-lo. Perguntei, certo dia, se ele não tinha amigos ali. Não trazia ninguém para casa, nem saía sem mim, a não ser para ir trabalhar. Então, ele respondeu "eu não tenho amigos em lugar nenhum", o que eu achei meio triste e solitário, mas que não podia ser totalmente verdade, já que ele dissera, no meu primeiro dia ali, que uma amiga havia escolhido os presentes. E sempre havia Joaquim. Disse isso para ele, que, depois de me estudar com uma sobrancelha erguida, mandou eu ir me trocar para que não me atrasasse para a escola.
Em meados de maio, chegou uma garota nova. O nome dela era Natália, e, à primeira vista, com seus cabelos de um loiro que só se obtém na farmácia, não parecia ser alguém muito simpática. Mas, como percebi depois de apenas alguns segundos, aquilo era um estereótipo dentro de minha cabeça. Talvez andasse assistindo muitos filmes americanos. A coisa é que, no intervalo de seu primeiro dia de aula, ela pediu para se sentar conosco, na mesa perto dos jardins, carregando não uma bolsa de grife, como eu esperava tolamente, mas uma de pano preto com a estampa de um tridente. A garota era só sorrisos, e, em apenas alguns minutos, cativara todos ali com histórias engraçadas da cidade que morava anteriormente, no sul.
Também nessa época, todos da panelinha da Júlia foram promovidos de amigos-refeitório a amigos de verdade, e cheguei até mesmo a explicar essa teoria para eles, arrancando risadas da mesa toda, mas, no fim, acabaram concordando. Fazíamos trabalhos juntos, também. Vítor ainda não gostava de me deixar ir na casa de pessoas que não conhecia, então, após algum tempo de briga, acabou sugerindo que fossem realizados em casa. Olhei para ele, sem esboçar reação alguma. Vítor e casa, amigos e escola. Mundos diferentes que não se misturavam. Levar todos ali, dentro das paredes brancas e da falta de decoração seria uma coisa mais que estranha. Mas, diante da resistência dele, acabei concordando.
Marcamos para uma quarta-feira, o dia em que saíamos mais cedo da escola. Lucas, Júlia, Natália e Pedro, por quem a Nat parecia ter uma (grande) quedinha, chegaram, olhando em volta, na usual curiosidade de quando se visita um lugar pela primeira vez. Vítor não estava em casa, mas disse que podíamos usar seu notebook caso precisássemos fazer uma pesquisa, ou algo assim. Ver meus amigos sentados no sofá onde eu passava o tempo com meu irmão fez a cena parecer deslocada.
Depois de alguns minutos, vi que não tinham muito interesse em terminar o trabalho. Simplesmente ficaram lá, conversando, com o monte de papéis que estavam destinados a conter textos e reflexões desenvolvidos a partir do material da aula de filosofia em branco.
— Sabe, Pedro - disse Nat, mordendo uma bolacha do pacote que estava em suas mãos. Não havia muita coisa diferente na despensa do nosso apartamento, então distribuí salgadinhos e bolachas recheadas, e eles que se dessem por satisfeitos - Seu segundo nome exige mais análise do que esse monte de porcaria - Ela indicou com a cabeça a pilha de livros.
— Hein? - Fez o garoto.
— Pedro Juan. Você pode interpretar de dois jeitos. Pode ser como "Ruan" ou como "Juan" mesmo.
— Brilhante - Júlia revirou os olhos.
— Mas é mesmo uma coisa bem profunda - Comentei, sorrindo para a menina.
— A maioria fala "Juan" - refletiu Pedro - Mas eu acho que "Ruan" soa melhor, não é? Vem a imagem de um espanhol sexy na cabeça - Completou, fazendo pose. Todos riram, mas tive que me controlar para não comentar que "sexy" a Nat já o achava de qualquer jeito.
Acabamos escrevendo qualquer coisa copiada dos livros, quando faltavam mais ou menos meia hora para as seis.
— Padron - falou Natália, nossa mais nova analisadora de nomes - O sobrenome de vocês é legal. Tipo, invertendo as letras fica "pardon". Então vocês - ela apontou para Lucas e Júlia, que, apesar de parentes distantes tinham o mesmo sobrenome - pedem desculpa a cada vez que falam o próprio nome.
— Acho que tanta filosofia não está fazendo bem pra você - comentou Júlia - Está pensando demais.
Júlia me lembrava Marina. Sempre falava o que vinha a cabeça, embora com um menor repertório de xingamentos. Nina faria dezoito em algumas semanas, me lembrei. Então, sua tão desejada e merecida liberdade. Será que ela ficaria até o final do ano no orfanato, já que, mesmo maior de idade, ainda estudava? Queria notícias suas, e queria mais ainda visitá-la, como havia prometido.
Um barulho de chaves e da maçaneta rodando me despertou. Todos estavam ali ainda, e Vítor chegara. Como ele se portaria diante dos adolescentes na sua sala? Tomara que não bancasse o pai superprotetor como fazia as vezes, quando me mandava estudar ou ir para a cama. Meus amigos (principalmente Júlia) tinham uma ótima imagem de Vítor, de um cara simpático (só não tanto na noite após o Chaplin, mas o episódio parecia ter sido esquecido) e tudo mais, e não queria estragar essa impressão. Por que? Não sei. Acho que me orgulhava, mas sei lá.
— Oi - falou ele, dobrando as mangas da camisa social, o modelo que precisava usar no trabalho - Eu sou o Vítor, irmão da Mia - Se apresentou em vão, todos lá obviamente já ouvira falar dele, e a metade deles já o conhecera anteriormente.
Eles responderam o cumprimento, Júlia com um pouco de entusiasmo demais.
— Alguém precisa de uma carona até em casa? - Ofereceu ele, bem humorado. Não precisava ter me preocupado. Ele estava sendo simpático além do esperado.
— Ah, se não for incomodar, eu aceito - Falou Júlia, sorrindo.
— Não precisa, Jú, eu peço pra minha mãe buscar a gente e te levar - Lucas disse, obviamente não percebendo as intenções da prima
— O Vítor não se incomoda - tentei ajudar - Não é, Vítor?
— De maneira alguma.
— Então está decidido - Lancei um olhar à Lucas, tentando fazê-lo entender. Ele apenas ergueu uma sobrancelha, confuso.
E assim, Nat e Pedro foram embora, juntos, e nós levamos Júlia e Lucas até a casa da garota. Ele disse que morava perto, e que podia deixá-lo ali que seguiria para casa a pé. Entrei no banco traseiro, e dei um empurrão para que minha amiga se sentasse no do passageiro, o que a deixou exultante. Mas Vítor, infelizmente, não parecia muito interessado. Raramente tirava os olhos da estrada, e, quando o fazia, era para me observar pelo espelho retrovisor. Júlia estava meio desapontada quando paramos em frente a uma casa grande com paredes cor de creme. Ela desceu, assim como o primo.
Estava indo me sentar no banco ao lado do meu irmão quando Lucas segurou minha mão.
— Ei, Mia. Quer estudar comigo amanhã para a prova de sexta?
— O quê?
— Bem, você disse que não está entendendo muito a matéria. Sabe, matemática - ele riu, meio constrangido - Se quiser ir lá em casa, quem sabe eu possa ajudar.
— Não - Cortou Vítor, de dentro do carro.
— Vítor! - protestei, me abaixando para olhar para ele - Eu preciso mesmo de ajuda - E também queria um tempo na presença de Lucas. Digo, nada demais, mas aqueles sorrisos continuavam aquecendo minha barriga.
— Você não vai, Mia. Se o garoto quiser, é bem vindo em casa. Mas você não vai na casa de ninguém - Falou, como se Lucas nem estivesse ali.
Voltei-me para ele.
— Então, pode ir lá amanhã?
— Claro - ele sorriu, e a costumeira agitação se fez presente em minha barriga - Te vejo amanhã, então - Entrei no carro, ainda com a sensação de quentura.
— Não gosto disso - Resmungou Vítor, no caminho de volta para nossa casa.
— De que?
— Desse garoto. Ele olha pra você de um jeito estranho.
— Não viaja.
Vítor não respondeu. Continuou dirigindo, em silêncio. E eu, abençoando minha incapacidade em matemática pela primeira vez na vida.
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Quem inventou esse negócio de análise combinatória com certeza está no inferno hoje. Quero dizer, uniram o inútil, ao desagradável. E também não ajudava em nada o fato de eu estar prestando mais atenção na boca do meu "professor" do que na explicação em si.
— Se chama permutação simples, mas de simples não tem nada - comentei, meio estressada. Lucas é uma pessoa bem rígida quando se trata de escola. Havíamos repassado a matéria umas quatro vezes, além dos exercícios de revisão, mas ele só concordou que já estávamos preparados quando o relógio bateu cinco horas. Três horas ininterruptas de estudo. Três horas.
— Na verdade não é tão difícil - bebeu um pouco do refrigerante em suas mãos - Mas, se quiser, podemos voltar e revisar tudo de no...
— Não - cortei-o, exasperada - Não precisa.
Lucas riu.
— Acho que a cansei hoje, hein?
— Hm... talvez. Mas obrigada. Eu não teria conseguido entender esse monte de porcaria ser a sua ajuda.
— Imagine. Não foi nada - Ele colocou o copo na mesa. Estava com um bigodinho de Coca-Cola, e, antes que pudesse me refrear, passei o dedão por seus lábios.
— Estava meio, han... sujo, sabe - Gaguejei, meio envergonhada. Lucas só abre um sorrisinho. Ele está mais perto. E, quando me beija, eu não estou amaldiçoando a estranha e aparentemente repentina vontade que alguns caras andam tendo de fazer isso, como nos meus últimos dois beijos desastrosos. Só estava... inferno, eu estava gostando. E seus lábios carnudos eram tão macios e beijáveis quanto nos meus devaneios.


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Notas finais do capítulo

Se tiver alguma crítica ou sugestão, não hesite em me dizer.