Natal nas Trincheiras escrita por Capitã Sparrow


Capítulo 1
Um Poema de Guerra


Notas iniciais do capítulo

Ho ho ho!
Feliz Natal a todos! o/



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Eu já vi muitos natais, alguns congelantes, outros extremamente quentes, com todos os tipos de pessoas e todos os tipos de presentes, mas nunca havia visto um natal como aquele.

Era véspera de natal no ano de 1914, soldados alemães e britânicos lotavam os dois lados das trincheiras e atacavam seus oponentes sem descanso. Cadáveres enfeitavam o chão congelado da terra de ninguém, um lugar assim chamado por não pertencer a nenhum dos dois inimigos. Se alguém se aventurasse naquele lugar morreria em poucos minutos.

Sangue coloria a neve ao redor das cercas de arame farpado que delimitavam as fronteiras entre alemães e ingleses. As crateras profundas revelavam as granadas recentemente lançadas, ainda era possível ouvir o barulho ensurdecedor ecoar dentro delas. O fedor era insuportável, o cheiro podre se alastrava cada vez mais pelo ar, um cheiro inconfundível de morte.

As nuvens de chuva haviam finalmente se dissipado, revelando o céu estrelado. O silêncio reinava naquele ambiente hostil de forma muito incomum, os tiros pararam, assim como os comandos e os gritos agonizantes. Nada.

A curiosidade me dominou e me deixei ser conduzido por ela. Passei pelos ingleses que estavam atentos a qualquer barulho, tentando decifrar o que ocorria no território inimigo e atravessei o campo de cerca de oitenta metros com passos cuidadosos. Nunca fui muito atlético e andar sobre o gelo desviando de corpos e buracos não foi uma tarefa tão simples.

Quando atravessei as cercas de arame consegui ver algum tipo de movimentação entre os alemães, que corriam eufóricos pela trincheira estreita. Todos eles pareciam estranhamente contentes, menos um jovem alemão que encarava os colegas furiosamente. No bolso esquerdo de sua farda pude ver o nome Adolf bordado. Sentei ao lado do cabo emburrado e esperei pacientemente.

Algumas horas se passaram e ao longo das trincheiras alemãs, começaram a ser posicionadas as árvores de natal improvisadas, elas estavam adornadas com velas acesas e fitas coloridas.

Os britânicos, desconfiados, reportaram o que estava acontecendo para seus oficiais e receberam as ordens de se manterem alertas, mas não deveriam atirar. Um deles se aventurou a levantar a cabeça acima do limite das trincheiras e viu as cabeças do lado posto de movendo de um lado para o outro.

Maior foi o espanto geral, quando um soldado alemão começou a entoar fortemente uma canção de natal. Sendo seguido por vários outros.

Os ingleses, confusos, não sabiam o que fazer ou como agir diante daquela situação, os soldados mais velhos nunca em suas vidas viram algo similar e os mais novos nunca ouviram relatos de situação tão incomum.

Confesso que meu velho coração se encheu de orgulho naquele momento. Homens voltando à base de sua humanidade, à paz, ao amor, à vida. Eles celebravam o natal como se estivessem em suas casas, perto de suas lareiras confortáveis, cantando com sua família.

Do outro lado pude ouvir alguns ingleses entoarem seus próprios cânticos em resposta. A melodia suave preenchia meu ser de uma forma docemente gradual. Em minutos os deveres foram esquecidos, e aquele pedaço de terra disputado por meses a fio se tornou irrelevante. A guerra não mais existia entre as trincheiras.

Tentaram se comunicar com um inglês enferrujado, mas que foi muito bem entendido pelos recrutas britânicos:

— Feliz Natal Tommy! — gritaram alguns alemães em uníssono, rindo e fazendo caretas.

— Feliz Natal Fritz! — arriscaram em alemão os poucos oponentes que conheciam as palavras, e o restante gritava na única língua que conheciam.

Uma mensagem de trégua foi trocada e logo os ingleses abandonaram suas trincheiras para saudar os homens que a pouco estavam absortos em matar. Engenheiros fizeram rombos na cerca, e logo todos estavam se cumprimentando, como se fossem velhos amigos separados por um pequeno infortúnio. Alguns intérpretes acompanhavam as conversas, mas eles conseguiam se entender muito bem. Todos falavam a língua do natal.

Abandonei o solitário alemão, que xingava alto seus companheiros por confraternizar com o inimigo, e me juntei à festa. Vi os homens experimentando as capas e chapéus um dos outros e todos começaram a rir com o resultado. Ouvi alguém sugerir que deveriam trocar presentes também, então todos correram de volta a seus postos, a fim de encontrar qualquer coisa que pudesse ser presenteado. Os aliados voltaram trazendo latas de doces e carne, alguns tinham pedaços preciosos de chocolate e maços de cigarro. Os alemães deram salsichas, uísque, sabonetes e objetos pessoais, guardados com cuidado.

Alguns se juntaram para enterrar seus mortos e rezar por eles. Um inglês se postou ao lado da cova e bebeu com o amigo recentemente enterrado. Apesar da cena triste, o homem parecia satisfeito em poder velar o companheiro, algo praticamente impossível de realizar em uma guerra, e aos poucos se deixou influenciar pelo clima alegre.

Um cabo inglês foi mostrar seu conjunto de botões ao tenente alemão e pediu que o outro contribuísse com sua coleção, os dois trocaram os objetos tirados de suas próprias fardas e foram beber juntos, contando histórias cômicas e compartilhando a saudade da família.

Passei por um alemão que aparava o cabelo de um britânico em troca de cigarros. Ele passava o objeto cortante pela nuca do outro, que confiava inteiramente no homem que a pouco o queria morto. Uma bola de futebol improvisada foi atirada entre os homens que começaram a correr numa partida louca e divertida.

O ambiente era surreal. Se eu não tivesse contemplado a cena com meus próprios olhos não teria acreditado em tal episódio. Não pude permanecer por muito tempo, pois o dever estava me chamando em todos os cantos do planeta, mas eu sabia que aquele, com certeza, seria o melhor natal que eu veria naquele ano.

Mais tarde ouvi rumores de como essa história terminou. Já dentro de suas trincheiras, o sargento inglês levantou uma bandeira desejando o feliz natal e o tenente alemão levantou outra com um simples “obrigado”. Dois tiros disparados no ar puderam ser ouvidos por todos os homens e logo a guerra havia recomeçado.

Guardei aquelas cenas para sempre em minha mente, sem dúvida foram momentos surpreendentes e extremamente humanos. Já havia entregado os presentes em todos os lugares e finalmente me deixei descansar em minha poltrona favorita. Creio que adormeci por uns minutos, mas acordei quando Stufur entrou no meu escritório e deixou um globo de neve em cima de minha lareira. Minha coleção era imensa, lá estavam todos os natais emocionantes que eu havia presenciado. Vi meu pequeno amigo se dirigir à porta, mas antes que pudesse ir embora, virou-se para mim e disse alegremente:

—Feliz Natal, Noel!


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Notas finais do capítulo

Curiosidades: Os soldados ingleses eram apelidados de Tommy pelos alemães, e esses eram chamados de Fritz pelos ingleses, por isso eles se saudaram desta forma ^^
E ai, gostaram? Deixem reviews para essa Capitã que adora interagir com vcs, amados pudins!! :3
Bjinhos e muito rum à todos! o/



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