Surrender escrita por Maryse Ashryver, Leah Walsh


Capítulo 4
Entre quatro paredes


Notas iniciais do capítulo

O capítulo tá meio grande, mas é que não quis adiar nada para o quarto capítulo. Boa leitura!



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Ferrada. Eu estou muito ferrada. Estou em algum tipo de quarto que não possui janelas — provavelmente em algum lugar afastado de Carmel, a cidade em que moro — onde sou mantida refém. Apesar de Benjamin, o homem de cabelos grisalhos que eu acho que não é tão velho quanto aparenta, garantir que está apenas cuidando de mim, e que eu deveria parar de fazer drama. Ah, claro! Depois de me dizer que eu tinha feito aquilo com David e Josh, sem nem me explicar como. Sem me deixar sair desse lugar e me drogar. E ainda diz que está me protegendo? Com certeza eu estou me sentindo muito segura. Ainda não consigo entender o porquê de eu estar aqui. Desde que acordei estou andando de um lado para o outro, o que não é grande coisa, já que me afasto três passos da parede e bato as pernas na cama. Os acontecimentos daquela sexta não saem da minha cabeça. Os gritos de David. O olhar de Josh. Tudo piorou quando Aaron – o garoto de olhos azuis – apareceu para aplicar mais uma dose de algum tipo de droga e cedeu informações. Diferentemente do sonífero que usaram em mim, esta substância é aplicada no pescoço. Sempre fico me sentindo um pouco tonta após tomar a dose, mas logo passa.

Eu tinha perguntado sobre o meu irmão, e ele assegurou que David estava se recuperando e passava bem.

– E quanto a Josh? – perguntei, afobada.

Aaron apenas olhou para mim, talvez com pena. Não, não podia ser pena. Ele estava me mantendo presa aqui, nunca que iria sentir pena.

– Eu sinto muito – foi tudo que disse.

Tentei fingir que não estava abalada com o que ele tinha dito, e que não estava segurando o choro. Eu não podia me dar o luxo de demonstrar fraqueza para esses homens. Mas a verdade é que venho me torturando desde então. Eu queria acreditar que tudo isso era um pesadelo, que eu iria acordar e quando chegasse na escola, iria encontrar Josh me esperando no estacionamento. Ou então que isso tudo fosse apenas uma pegadinha de mau gosto. Mas lá no fundo, eu sabia da verdade. Eu matei uma pessoa. Eu sou uma pessoa má. Josh podia não ter boas intenções, mas nada justifica o que fiz.

O homem franzino e careca, que se apresentou como Max, disse que o que eu tenho é um dom. Que eu não deveria me envergonhar dele, ou do que tinha feito. Se o objetivo dele era me acalmar, ele tinha falhado miseravelmente, pois só me fez perceber o quão insano ele era, o que me assusta mais ainda. E da última vez que eu me assustei, as coisas não terminaram muito bem. Eu tinha falado isso para ele, mas tudo que ele disse foi:

– É exatamente por isso que estamos drogando você desde que te apagamos. Não vai conseguir nos machucar se estiver sob os efeitos desse medicamento.

Minhas lembranças são interrompidas quando alguém bate na minha porta. Deve ser Aaron, para reaplicar a droga, que tenho que tomar duas vezes por dia. Bufo e me jogo na cama.

– Me deixa em paz! – digo.

A porta se abre mesmo assim, e para minha surpresa, é Benjamin. Por um momento me sinto decepcionada. Apesar de Aaron não ter sequer se apresentado como os outros – escutei seu nome por acaso, quando Max tinha pedido algo –, ele é o mais educado, porém não muito falante. Mas é o único dos três que não me deixa alarmada ou intimidada. Me repreendo mentalmente por estar pensando coisas boas sobre ele. O que deu em mim? Aaron é um criminoso, assim como os outros dois. Eles estão juntos nesse sequestro. Acho que estou enlouquecendo depois de tanto tempo mofando nesse quarto. Deve fazer o quê? Uma ou, no máximo, duas semanas desde que me arrastaram para esse bendito lugar? Não faço ideia de que dia é. Ninguém me diz nada, a não ser, às vezes, as horas.

Benjamin atira uma mochila sobre a cama e vai logo falando com sua grosseria usual:

– Estamos saindo deste lugar em breve. Arrume suas coisas – ele vai fechando a porta, mas a abre novamente – Vou mandar alguém vir lhe buscar, para que você possa se lavar e trocar essa roupa.

Finalmente ele sai, trancando a porta. Vou até a bolsa, na esperança que dessa vez eles tenham trazido roupas do meu tamanho. Na primeira vez que eles me trouxeram algo para vestir, tudo que tinha na sacola era um moletom e uma calça dois tamanhos maiores que o meu, além de roupas íntimas e alguns itens de higiene pessoal. Nas vezes seguintes, pouca coisa mudou. Assim que abro a mochila, tiro logo o que tem dentro e começo a separar o que levar ao banheiro. Separo uma calça jeans, um suéter, calcinha e sutiã limpos. Também pego um par de All Star que encontro no fundo da bolsa.

Depois de terminar a separação, vou até a mesa de cabeceira e pego as poucas coisas que são minhas – meus documentos e algumas outras coisas que eu tinha em uma bolsinha que usava quando essas pessoas me pegaram – e as enfio na mochila.

Ouço um barulho e me viro para ver quem é. Aaron está parado na porta, com uma toalha nos braços. Ele faz um sinal com a cabeça para que eu saia do quarto e diz, com um sorriso que faz meu coração dar um pulo:

– Damas primeiro – e abre o caminho para mim.

Marcho pelo corredor sem olhar para trás e me enfio no banheiro, que é bastante apertado, e o tranco. Pelo menos posso tomar banho com água quente. Depois de me despir, ligo o chuveiro, coloco a cabeça debaixo da água corrente e fecho os olhos. Estou com muitas saudades de casa. Em que meus pais estão pensando? Eu havia evitado minha mãe e agora eu me sinto culpada por ter sido tão imatura. Ela só queria me proteger. E quanto a David? Eu devia estar com ele nesse exato momento, afinal, eu que o machuquei. Meu coração se aperta ainda mais quando penso na família de Josh. Os Browning devem estar arrasados por terem perdido seu único e precioso filho. Eu tinha destruído uma família. Tento segurar minhas lágrimas, mas elas saem mesmo assim e soluço por um bom tempo. Me pergunto sobre o que meus pais acham que aconteceu comigo. Será que pensam que eu fugi? Será que sabem que eu matei Josh? A polícia está atrás de mim? São tantas perguntas e nenhuma resposta, que acabo ficando frustrada. Respiro fundo, me forçando a engolir o choro e depois de me lavar, saio do chuveiro.

Após me enxugar, começo a vestir minha roupa e vejo que Max finalmente acertou o tamanho dela. Penteio meus cabelos e encaro meu reflexo no espelho. Tudo que vejo é um par de olhos cor de esmeralda cansados e vermelhos de tanto chorar. Sem falar que eu tenho olheiras enormes sob eles. Apenas meu cabelo aparenta estar decente na medida do possível. Pego a roupa suja e me arrasto até a porta. Ao abri-la, me deparo com Aaron.

– Você estava chorando? – ele indaga, com uma expressão estranha no rosto, a qual não sei se é de pena ou de desprezo. Provavelmente é de desprezo, porque é a única coisa que uma pessoa como ele pode sentir por alguém na minha situação de lamentação constante.

– Não é da sua conta – falo da forma mais ríspida que consigo, tentando me mostrar mais forte do que realmente me sinto.

– Certo – ele se vira e me escolta de volta ao meu confinamento.

Assim que entro no quarto, atiro a roupa suja na gaveta da cômoda e me jogo de cara na cama, sem precisar olhar para trás para saber que ele vai trancar a porta. Mas, para minha surpresa, não escuto o barulho do trinco virando. Levanto a cabeça e olho para a porta, que está fechada. Saio da cama e vou caminhado lentamente até a porta. Quando viro a maçaneta, a porta se abre. Com medo de que seja algum tipo de brincadeira doentia deles, eu a fecho e volto rapidamente para a cama. Franzo a testa. Que estranho. Não me drogaram e não me trancaram? Meu estômago protesta e percebo que já passou da hora de comer.

Vou novamente até a porta, mas dessa vez não volto atrás. Entro no corredor estreito e mofado. Sinto um cheiro de comida que vai aumentando a medida que rumo em direção ao fim do corredor e meu estômago reclama novamente. Antes que eu entre no que acredito ser a cozinha, paro ao escutar vozes vindas de lá.

– ...não precisamos mais de você. Apreciamos bastante o apoio do seu senhor, mas já concluímos a etapa mais difícil. Pode seguir com sua vida – Max diz.

– Meu trabalho não está terminado. Meu senhor insiste que eu fique por perto, para que possíveis contratempos sejam evitados – Aaron rebate.

– Continuo repetindo. A gente devia levar ela logo pra ele – escuto a voz de Benjamin.

Quem diabos é “ele”? E para onde eles vão me levar? Começo a ficar alarmada.

– O combinado era levá-la na semana que vem. É melhor obedecermos as ordens – a voz de Aaron aparece e soa um pouco apreensiva. Comemoro internamente. A ideia de ser levada para mais longe me preocupava: seria mais complicado para uma possível fuga. Se é que eu conseguisse fugir.

– E eu acho que ele não ia gostar de saber que a garota está passando fome, então é melhor eu levar logo o jantar dela – Aaron continua.

No momento que o escuto arrastar a cadeira, disparo pelo corredor, até meu quarto. Fecho a porta e fico sentada no chão, em uma posição nada natural, encarado uma rachadura na parede branca. Depois de alguns minutos, Aaron entra no quarto com uma bandeja na mão e fecha a porta com os pés. Logo que me vê, ele tem uma crise de risos.

– Imagino que tenha escutado a conversa – ele diz com um sorriso torto, quando recupera o fôlego – Você é realmente péssima em disfarçar.

Seu sorriso provoca algo diferente em mim. Algo que o sorriso de nenhum outro cara antes provocou.

– Do que você está falando? – respondo, com a cara mais cínica que consigo fazer.

Agora estou realmente confusa. Mesmo me mantendo presa aqui, sinto como se Aaron fosse alguma pessoa próxima. Eu não via maldade em seu olhar. Deus, acho que estou desenvolvendo a síndrome de Estocolmo. Sua voz interrompe meus devaneios:

– Agora me escute. Eu estou indo embora.

Isso me deixa em choque. Como assim ele está indo embora? Ele disse aos outros que não iria embora ainda, então por que ele está me dizendo isso?

– Você não pode ir – digo sem pensar – Você disse que não iria ainda, que seu senhor o mandou ficar. Por que você vai, então?

– Eu menti. Me meti nisso aqui porque eu tinha uma missão muito específica: assegurar que eles não iam te maltratar e nem te levar embora. Agora, minha tarefa está quase concluída. Só depende de você me ajudar com o resto.

– De mim? – pergunto, surpresa.

– Sim, de você.

– Você só pode estar louco! O que é que eu, presa aqui, sabe-se lá onde estou, posso fazer?

– Apenas me escute. Não acho que consegui convencer Benjamin a ficar por aqui por mais tempo. Ele vai querer levar você logo.

– Para onde? Para "ele"? Quem é "ele", afinal? – pergunto, ansiosa.

– Alguém que você não gostaria de encontrar – ele responde, num tom que faz um calafrio percorrer meu corpo.

Ele não respondeu a primeira pergunta, mas ignoro e prossigo:

– E por que eu deveria confiar em você?

Ele dá um sorriso malicioso.

– Não aja como se não confiasse em mim. Provavelmente eu já estaria morto, já que não reapliquei a droga em você.

Ora, então foi proposital.

– E por que não trancou a porta? – pergunto, apesar de já suspeitar da resposta.

– Estabelecer inconscientemente um vínculo de confiança, talvez?

Suspiro, derrotada. É verdade, eu confiava nele. Algo nele me passava segurança.

– Muito bem, eu confio em você. O que quer que eu faça? – questiono, com medo da resposta.

– Deixarei a porta destrancada de novo. Assim que eu sair, você vai terminar de arrumar suas coisas naquela mochila que Benjamin lhe trouxe. Coloque algumas roupas lá, mesmo estando sujas. No fundo da bolsa, embaixo de onde estavam os sapatos, mais especificamente dentro do forro, eu coloquei um relógio, dinheiro e documentos falsos. Você foi dada como desaparecida, portanto não deve ser reconhecida. Só poderá sair daqui a mais ou menos três horas, depois que eles estiverem dormindo. Você irá pra cozinha, e sairá pela porta de lá, que também deixarei destrancada.

– E depois de sair daqui, o que eu faço? Eu não deveria ir pra casa, imagino – sinto uma pontada no peito ao falar isso.

– De jeito nenhum! Vá para o mais longe possível, siga em direção ao sul e depois siga para a Costa Leste. Entendeu?

– Claro! Você esta me mandando fazer tudo isso, largar minha família para trás e ainda me jogar num destino totalmente incerto sozinha. Super normal.

– Se você quiser manter sua família a salvo e também se salvar desses caras, vai fazer o que eu estou lhe dizendo. E não vai estar sozinha, eu vou me encontrar com você assim que tirar Max e Benjamin de cena.

– E como você vai me achar? Eles confiscaram meu celular, então eu não tenho nenhum aparelho com o qual eu possa me comunicar com você, nem nada do gênero.

Seu olhar se intensifica.

– Não se preocupe. Eu vou te encontrar – ele diz, como se isso estivesse na cara.

Sinto meu rosto ficar quente, mas aceno com a cabeça mesmo assim. Esse cara que está na minha frente deve ser um louco. Mas é um louco disposto a me tirar daqui. Antes de sair do quarto, ele se vira para mim, arqueia uma sobrancelha e diz:

– Estou contando com você. Não me decepcione – e fecha a porta.

* * * * * * *

Tic-tac, bate o relógio. Essas foram provavelmente as três horas mais demoradas de toda a minha vida. O relógio que Aaron deixou pra mim é analógico, porém mostra que dia é hoje e ao ver isso, eu me engasgo. Se a data estivesse certa, havia se passado três semanas desde a festa de George. Não pode ser. Eu não posso estar tanto tempo presa, não tem como.

Sedenta por liberdade, pego a mochila que estava jogada perto da bandeja do meu jantar inacabado — quem quer que seja deles que cozinha, é um péssimo cozinheiro — e abro a porta lentamente, espiando pelo corredor. Está bem escuro, mas avanço mesmo assim, com passos lentos e silenciosos. Ao chegar na cozinha, eu só consigo enxergar o que está sendo iluminado pelo luar, que entra por uma janela na parede o oposta. Antes de seguir em direção a porta, identifico um casaco com capuz pendurado em uma das cadeiras. É o casaco de Aaron. Um sorriso bobo se forma em meu rosto. Eu o visto e posso sentir o cheiro maravilhoso do seu dono. Com um suspiro, vou em direção a porta e a abro. O ar da noite me acerta em cheio. Ah, como eu ansiava por esse momento. Posso notar que o clima vem esquentando, anunciando a primavera.

Por um momento, penso no que eu me meti e como vou me virar sozinha. Mas a voz de Aaron vem na minha cabeça. "Não se preocupe. Eu vou te encontrar".

A vontade de voltar pra casa bate. Mas não posso colocar minha família em perigo. Sem ter mais nenhuma outra saída, levanto o capuz e disparo pela estrada escura, a procura de alguma placa para me nortear. A medida que tomo distância, me sinto compelida a olhar para trás, e, pela primeira e última vez, vejo a casa cravada em meio das árvores, onde fui presa pelas mais tristes semanas da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Não sejam leitores fantasmas, comentem!



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