Over The Time escrita por Lyra


Capítulo 2
Relógios, vestidos e um gato


Notas iniciais do capítulo

NOVO CAPÍTULO, BABY!
Dedicado às divas lacradoras: Jude Black, Victoria Martell e AurorWillow



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17 de setembro de 1836

Derrubei a xícara no chão. Mil cacos de porcelana encobriram o mármore da sala de estar. Minha mãe arregalou os olhos, da maneira que significa “Porte-se como uma dama! Está me envergonhando, Elyse”.

– Com licença – fiz uma mesura e saí da sala, com meu vestido bufante e a crinolina impedindo-me de correr.

“Você o conhecerá amanhã à tarde. Lysandre é um moço encantador. Vem de família nobre e...”

Eu o conhecerei amanhã. Eu conhecerei meu futuro marido amanhã.

Lágrimas começaram a dificultar minha visão. Acelerei meu passo o máximo possível, mas meu quarto ainda parecia infinitamente distante.

– Elyse! – minha irmã me chamava, correndo em minha direção. – Elyse!

– Mary, por favor – disse, virando-me para encará-la. A pequena Mary abraçou minhas pernas.

– A mamãe está furiosa, Elyse...

– Pois que fique! – gritei, mas logo abaixei meu tom de voz. – Não quero me casar, Mary... Eu nem o conheço, como poderia amá-lo?

– Mamãe diz que o amor vem depois do casamento... vocês vão ficar tão bonitos juntos!

– Os livros nunca me dizem isso! Talvez ele... talvez ele tenha 40 anos!

– Quarenta? – ela franziu a testa. – É muito!

– É o que eu disse, Mary. Não quero ter de fazer isso.

Ela arregalou os olhos. – Você vai fugir? – sussurrou.

– Se eu tivesse onde ficar, talvez.

– Você... vai me deixar? – seus olhos brilhavam em meio às lágrimas que surgiam.

– O quê? Não, nunca!

Ela me abraçou mais forte. Desvencilhei-me lentamente.

– Posso ficar um pouco sozinha, Mary? – ela me olhou nos olhos e sorriu, cúmplice. Então correu pelo corredor de volta à sala.

Suspirei e adentrei meu quarto. Logo um relógio de bolso me chamou a atenção; parecia de ouro, e sua tampa possuía um desenho entalhado no metal. O revirei entre meus dedos, tentando achar um lugar específico que me permitiria abri-lo. De repente a tampa se abriu, revelando uma inscrição.

– O passado já se foi, o futuro é um mistério... mas o hoje é uma dádiva. Por isso chama-se “presente” – li em voz alta. – O que é isso? Não deve ser do papai. Nunca o vi com este relógio.

Em um repente, senti uma pontada no peito. Minha cabeça doeu, e meu espartilho pareceu impedir minha respiração. Minha visão escureceu, e eu desabei.

XXX

Depois do que me pareceram horas, recobrei os sentidos por completo. Olhei ao meu redor. “Ainda estou no meu quarto”, pensei. “Será que ninguém me viu desmaiada?”

A fraca iluminação proveniente da janela indicava que já era fim de tarde.

– Magdalaine? – chamei pela governanta da família. Ela não respondeu, o que era estranho, já que ela geralmente montava guarda na porta de meu quarto. O jeito era ir até a cozinha e pedir um copo d’água e a preparação de uma sopa. Talvez eu estivesse muito fraca.

Abri a porta. Ao longe, podia ouvir uma mulher gritando ordens. Suspirei de alívio. Devia ser Magdalaine.

Andei em direção ao som de sua voz. Mas, no meio do caminho, esbarrei em uma garota de roupas muito... curtas. “Nesses tempos modernos as mulheres estão esquecendo o bom-senso”, pensei. Seu vestido não possuía crinolina e tampouco cobria toda a extensão das coxas. Ela arregalou os olhos.

– Quem é você? – olhou-me de cima a baixo. – E por que está com essas roupas bizarras?

Franzi a testa.

– Não sei o que bizarras significa, mas...

– Por que você está na minha casa?

– É falta de educação interromper os outros – alertei. – E, a propósito, esta é a minha casa. Onde está Magdalaine?

– Magdalaine? Que diabo de nome é esse?

Pigarreei.

– Chame-a, por favor.

Olhou-me atravessado, e gritou.

– Mãe! Tem uma louca de cosplay dentro da nossa casa!

– Cos... o quê? – uma mulher de meia idade surgiu em minha visão, portando uma expressão de incompreensão. Fiz uma mesura. – A senhora poderia, por gentileza, chamar a dona Magdalaine?

– O que você está fazendo na minha casa? – questionou cautelosamente. – Aliás... quem é você, garota?

– Não entendo. Vivo aqui desde que nasci, há dezesseis anos. Isto deve ser uma brincadeira de meu irmão Thomas... certo? Onde ele está?

– Isso não é uma brincadeira, garota – falou entredentes. – Acabamos de comprar essa casa, e estamos de mudança exatamente agora. Nos alertaram que todos diziam que esse lugar era mal assombrado, mas não nos falaram nada sobre invasores. Saia, por favor.

– A senhora não está entend...

– Saia! Antes que eu chame a polícia!

Eu estava vermelha como se fosse sofrer uma combustão espontânea a qualquer momento. O que está havendo aqui?

– Mãe? – chamou um garoto, distante. Quando adentrou o corredor, pude vê-lo melhor: cabelos castanhos, olhos verdes e um corpo de dar inveja. Contenha-se, Elyse. Ficar observando garotos assim não é do feitio de uma dama. – Quem é essa? – perguntou, olhando curioso em minha direção. Suspirei, derrotada.

– Desculpem-me pelo incômodo... mas eu realmente não sei o que está havendo. Até algumas horas atrás eu estava com a minha família e... agora não sei mais onde estou ou quem são vocês. Não sei o que fazer, e estou tão confusa quanto vocês devem estar. Se querem que eu me retire deste local, eu o farei.

A mãe do garoto pareceu ficar aliviada com minhas palavras, mas o garoto não se convenceu. Logo foi sussurrar no ouvido da mãe, e os dois começaram uma discussão. Pude ouvir frases como “deixe ela ficar só esta noite”, “talvez ela esteja mesmo perdida” e “ou talvez esteja drogada!”. Finalmente, a mulher deu-se por vencida.

– Se ela roubar algo, a culpa será toda sua – alertou e saiu a passos largos. Olhei para o garoto dos olhos verdes sem entender.

– Você poderá ficar esta noite – falou, dando um sorriso. – Você realmente deve estar perdida. Não tem cara de quem se droga com o pessoal aqui do bairro. Sou o Kentin.

Me estendeu a mão, e eu, sem entender nada, curvei-me delicadamente.

– Elyse. Muito prazer, senhor Kentin.

Ele franziu a testa.

– Senhor? Não, não, só tenho dezessete anos.

– É que não posso demonstrar intimidade com homens não sejam da família ou meu marido. Questão de etiqueta.

Arqueou uma sobrancelha.

– Precisa me falar mais sobre esse lugar estranho de onde você vem. – suspirou. – Acho que vou ter que voltar a tirar tudo das caixas. Estamos de mudança, lembra? Bom, preciso ir. Explore a casa enquanto isso, se quiser. Até mais, Elyse.

Deu um sorriso tímido e foi em direção à cozinha, onde todos gritavam em uma discussão que dizia respeito a “onde botar essa porra de caixa”. E eu fiquei lá, paralisada com a lembrança de seu sorriso.


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