– Nós temos que ter uma séria conversa, Jade.

– O que aconteceu? - Perguntou a bailarina, totalmente acordada.

– Lê primeiro, depois me liga.

– Tá, mas... - Tarde demais. Edgard já tinha desligado. Olhando incrédula para Cobra, continuou: - O Ed desligou na minha cara... Isso nunca acontece. Devem ter colocado uma coisa muito séria nas críticas.

O lutador também começou a ficar preocupado e correu para buscar o notebook. Quando ele voltou, com o aparelho já ligado, os dois começaram a ler. Tudo estava em ordem, só elogios por parte da crítica especializada e nos comentários dos apreciadores sem muito conhecimento na área.

– Por que o Ed ficou tão preocupado? Tá tudo ótimo!

– Nem tudo, Jade... Esse povo aí não tem jeito! Tá todo mundo dizendo que você e o John esbanjam química e dariam um belo casal... – Comentou Cobra, incomodado.

– Cobra, não começa! Você sabe que não tem nada a ver. - Disse a bailaina, já cansada do ciúmes do lutador. - Tá ficando chato já...

– Tudo bem, retiro o que eu disse. - Desculpou-se Cobra. - Vamos ver esse site aqui...

Leram o que dizia o tal site e tudo estava em ordem, como em todos os outros, até que no final, um trecho explicava a preocupação do Edgard.

Afinal, quem é Jade Gardel?

A baialarina é uma jovem estreante brasileira. E que estreante! Logo de cara, encarou o protagonismo do mais recente espetáculo da Palace of Dance Company, tendo como coreógrafo o renomado Dimitre Schreav e como parceiro de palco ninguém mais, ninguém menos que John Walker.

Aliás, segundo o que muitos fãs da Companhia e do próprio John afirmaram, o bailarino e Jade seriam mais do que meros colegas de dança e estariam vivendo um lindo romance. Mas a nossa equipe foi atrás e descobriu que as coisas não são bem assim.

Após a estreia de ontem, Jade saiu do teatro acompanhada por (pasmem) Ricardo Snake Cobreloa!

"Mas redator, quem é Ricardo Snake Cobreloa?" Muitos me perguntam.

Ricardo Snake Cobreloa também é brasileiro e também é, ou pelo menos era, estreante no mundo das lutas, mais precisamente Muay Thai. Tornou-se conhecido como o bad boy do momento por ter sido pego em um exame anti-doping antes da sua luta de estreia em campeonatos como profissional. Não bastando isso, ficou tão alterado ao ter sido descoberto que ameaçou seu companheiro de equipe e o culpou pelo seu uso de substâncias ilícitas.

Quantas informações, não é querido leitor?

Ao que parece, os dois tem um relacionamente sério, com direito a apreciação do nascer do sol na companhia um do outro e a troca de beijos apaixonados dentro do carro do ex-futuro-possível-campeão de Muay Thai. Para nós, seres amantes da dança, resta torcer para que a nossa amada bailarina não siga o exemplo do namorado e continue nos presenteando com belas apresentações. Que para ela não sirva a máxima: "Diga-me com quem andas e eu te direis quem és."

Ao terminar de ler o texto em voz alta, Jade estava completamente perplexa. Seguindo o olhar pela tela, pôde perceber que havia uma foto do momento em que eles se beijaram, dentro do carro, na noite anterior.

– Tinha alguém nos seguindo e nos fotografando, Cobra!

O lutador não ouviu. Estava em pé, com as mãos na cabeça, completamente irado.

– Que site é esse, Jade? Quem foi a pessoa que escreveu essa porcaria?

– Calma, vagabundo... Não é pra tant... - Tentou Jade, mas foi interrompida pelo garoto.

– Não é pra tanto? Não é pra tanto, Jade? - Repetiu ele, aos berros. - Esse infeliz não sabe do que ele tá falando! Já foi comprovado que o meu colega de equipe também teve culpa!

– Então, Cobra! Eles estão errados. Eles não sabem que um pouco da minha bela apresentação, eu devo a você. Eles não sabem de nada. Agora, fica calmo, por favor... - Jade se levantou e, aproximando-se do rapaz, acariciou seu rosto com as mãos. - Lembra do que eu te disse ontem? Não importa o que digam, você foi incrível.

– É que... - O lutador suspirou. - Eu já vi esse filme antes, minha dama. Eu erro algumas vezes, crio uma fama e os outros começam a me julgar, sem saber que eu sou de verdade. Não importa o que eu faça depois, as pessoas só enxergam o que elas querem enxergar.

– E como foi o final desse filme que você viu antes? Não foi você morando nos Estados Unidos, com uma mulher incrível e linda?

– A Karina? - Perguntou ele, com um sorriso provocador nos lábios. A bailarina não gostou e fechou a cara. - Qual é, Jade? Você sabe que é brincadeira.

– E você sabe que eu não gosto desse tipo de brincadeira, Cobra. - Revidou a morena, séria. - Poxa, eu tô fazendo de tudo pra ficar amiga da Karina e eu acho até que a gente tá conseguindo, mas se for pra você ficar dizendo que ela é linda e não sei o que... Eu desisto, vagabundo. Dela e de você.

– Jade, põe uma coisa nessa sua cabeça, por favor. - Ele chegou perto da menina e a enlaçou pela cintura. - Se eu gostasse mais dela do que de você, eu não teria te trazido pra cá. Ou você acha que eu perderia a chance de ficar morando só com ela, se eu quisesse isso?

Jade ficou pensativa. Aquela explicação era boa, mas ela ainda não estava totalmente convencida. Tentando fazer com que a bailarina acreditasse nele, Cobra chegou mais perto e levou seu rosto na direção no pescoço da morena, depositando ali pequenos beijos e fazendo com que ela se arrepiasse por inteira. Baixinho, ele continuou seu discurso:

– A Karina é uma irmã. E com uma irmã, eu não faço isso... - Outro beijo. - Só com você. Só você me deixa assim... descontrolado.

– Então guarda todo esse descontrole pra depois, Cobrinha. - Jade riu e se afastou do rapaz. - Eu ainda tenho que falar com o Ed.

Cobra concordou, um pouco chateado, e passou a mão pela nuca. Ela sempre fazia isso.

Jade chamou Edgard para uma chamada de vídeo e foi atendida prontamente.

– Eu li, Ed...

– Então você viu o que tão falando de você? - Perguntou Ed, preocupado.

– Sim. Tão dizendo que eu e o John fizemos uma ótima apresentação e que fomos merecedores de todos os aplausos que recebemos. - Respondeu, sem hesitar, a bailarina. - Qual o problema?

– Então você não leu todos. Tem um que fala do namoro de você com o Cobra. - O professor estava sério.

– É aí que você se engana, Ed. Eu li esse também. O que que tem? - Perguntou Jade, já se preparando para o que viria em seguir. - Por acaso eu não tenho um relacionamento sério com o Cobra? Por acaso ele realmente não foi pego em um exame anti-doping? Eles estão mentindo?

– Jade, você não tem noção do que isso pode trazer para sua carreira. Um dia depois da sua estreia, as pessoas já estão comentando e fazendo julgamentos sobre você por causa desse lutador.

– Eu não ligo para o que eles dizem, Ed. - Jade revidou, fazendo com que Cobra, que estava ao seu lado em silêncio, sorrisse.

– Mas eu tô, Jade. – Edgard suspirou, juntando coragem para falar o que precisava. – Não seria o caso de vocês se afastarem por um tempo, até que a sua carreira se consolide?

O queixo da bailarina despencou. Ela olhou para o Cobra que estava igualmente chocado. Não querendo acreditar no que ouviu, Jade sorriu e perguntou:

– Como é que é, Edgard?

– Jade, eu sei que parece estranho, mas pensa: ficar do lado dele, só vai fazer mal pra sua imagem. – Respondeu o professor, calmo.

– Eu não tô nem aí, Ed! Se ficar do lado do Cobra vai fazer mal pra minha imagem, que ela se destrua! - Jade gritou, se arrependendo logo depois. Afinal, o Cobra não merece todo esse status... Agora ele vai ficar se achando. Depois de respirar fundo algumas vezes e se acalmar, ela continuou: - Por isso não seria, não é e nem nunca vai ser o caso, Edgard. Eu vou ficar com o Cobra.

– Eu só quero o que é melhor pra você, minha querida. E a companhia dele, agora, não é o melhor. - Comentou o professor, surpreso com a reação da morena.

– Eu entendo, Ed. O problema é que durante muito tempo, a minha mãe ficou dizendo tudo o que eu tinha que fazer, com quem eu deveria me relacionar e tudo mais. Agora, quem controla a minha vida sou eu. - A bailarina suspirou. - Eu sei que você só quer me ajudar mas, por favor, deixa eu viver a minha vida do meu jeito.

Edgard balançou a cabeça, concordando. Depois de intermináveis segundos de silêncio, Ed despediu-se:

– Eu preciso desligar, minha querida... Eu te amo. – Então ele desligou.

– Eu te amo, Ed. E tô com saudades. - Jade murmurou para a tela vazia.

Cobra, até então em silêncio, soltou uma breve risada.

– O que foi? - Perguntou Jade, um pouco triste.

– Você me defendeu, minha dama. - Ele respondeu simplesmente.

– É, e eu discuti com o Ed por causa disso. - Ela suspirou. - Não faça eu me arrepender, vagabundo.

– Você seria mesmo capaz de manchar a tua carreira pra ficar comigo?

Ela não respondeu de pronto. Após alguns minutos pensado, ela disse, sorrindo:

– Você não ouviu a conversa que eu tive com o Ed, vagabundo?

Ele sorriu também e a beijou. Naquele momento, ele teve a certeza que jamais a faria se arrepender.

***

Algumas semanas se passaram e com elas o número de apresentações. Na penúltima noite de espetáculo, Dimitre apareceu no camarim onde John e Jade esperavam a sua hora.

– Cansados das apresentações?

– Um pouco... - Respondeu Jade. - Não sabia que era tão desgastante.

– Bem-vinda a vida adulta, mocinha. - Comentou Dimitre. - E você, John?

– Também. Mesmo conhecendo a rotina de espetáculos, esse me surpreendeu.

– Então tratem de mandar esse cansaço pra muito longe, meus queridos. - Disse o coreógrafo, feliz da vida.

– Como assim? - Perguntaram os dois bailarinos, em conjunto.

– Muitas organizações culturais se interessaram pelo nosso espetáculo e contrataram a Companhia para uma turnê.

– Turnê? Onde? - Perguntou John, contente com a possibilidade de visitar seus amigos na Europa.

– Nós vamos para a América do Sul. - Jade se surpreendeu. - Nós iremos para Quito, no Equador, Lima, no Peru, Santiago, no Chile, Buenos Aires, na Argentina, Montevidéu, no Uruguai e, em homenagem a nossa querida carioca, Rio de Janeiro, no Brasil.