La Petite Mort escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 23
Dessert


Notas iniciais do capítulo

Boooooooooooa noite!

Eu sei, muito estranho que eu esteja animada depois de ter demorado 173882164 dias para atualizar La Petite Mort. Eu não vou pedir desculpas, a minha demora está chata, mas, vou me justificar... Tinha uma parte desse capítulo que estava me travando e me deixando bastante insegura, quando vocês lerem, entenderão.

Enfim, esse capítulo é longo, tem muita coisa acontecendo e eu digo para se preparem... Não sei se surpreenderei vocês com os eventos narrados, mas, espero que vocês se emocionem e se divirtam.

Esse capítulo foi escrito na base de "Safe And Sound" do Matthew Mayfield, "Whole Lotta Love (cover)" do Hozier e "Wings" da Birdy. Digamos que trata-se na ordem do começo, meio e fim do capítulo. E gostaria que lessem as letras... Diz muito sobre os sentimentos que eu quis tratar aqui.

Espero que gostem, boa leitura e nos vemos lá embaixo!



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A adrenalina, fiel companheira e aliada de Hermione quando ela enfrentou Othon, estava abandonando-a aos poucos. A cada minuto passado, as dores em suas mãos aumentavam, não eram insuportáveis, porém, também não eram agradáveis. A morena, naquele momento, entendeu que seria capaz de sentir aquelas dores mais algumas vezes se elas significassem que Fleur estava segura.

Hermione ainda não conseguia acreditar no que fizera a Othon, os minutos que passara com aquele homem eram borrões em sua mente e quando se forçava a lembrar, as memórias que possuía vinham diretamente de seu coração e pertenciam única e exclusivamente a Fleur.

O toque corajoso da francesa que, na fúria cega e inconseqüente da britânica, acalmou a leoa que avançava pronta para desmembrar. O aroma de lavanda que despertou Hermione do ódio, trazendo-a de volta para o amor. E os olhos azuis cerúleos, verdadeiros faróis na escuridão pesada que envolvera Hermione e trouxera o seu pior lado à tona quando Othon também estava pronto para revelar o que tinha de mais nojento em um homem.

Fleur era, definitivamente, o que acalmava Hermione.

A morena não imaginava o que teria feito se Fleur não estivesse ao seu lado. Era inacreditável que alguém como ela, uma advogada - tão adepta das leis e da justiça dos homens e dos tribunais - estivesse disposta a cometer um crime a alguém que, definitivamente, não valia à pena. A única coisa que Hermione enxergou, naquele momento, foi Othon.

As mãos dele que tocavam a cintura que Hermione conhecia e pela qual era apaixonada, os olhos famintos dele que ameaçavam devorar Fleur... Essencialmente, ele, tentando arrancar o que era seu e, principalmente, tentando ferir quem amava profundamente.

Hermione não admitiria isso e agora sabia que seria capaz do pior se, para isso, Fleur pudesse ter o melhor.

As duas estavam em silêncio desde que entraram no táxi, Fleur dissera um endereço para o motorista e, pela forma desenfreada como ele conduzia o carro, pedira para ele se apressar. Hermione tinha as mãos levemente inchadas e latejantes sobre o colo, tinha certeza que não quebrara alguma falange - Harry a ensinara a dar socos ainda na universidade, uma espécie de defesa pessoal que ela nunca achara que precisaria - e somente alguns analgésicos e gelo seriam necessários para ela adormecer.

Aliás, estava infinitamente cansada e seria capaz de adormecer se não estivesse, ainda, tão cheia de adrenalina. A advogada virou o rosto, abandonando a paisagem noturna e boêmia de Paris que passava através da janela do táxi, e olhando diretamente para Fleur. Infelizmente, a chef não a olhava. Hermione pigarreou e disse envergonhada:

— Desculpe.

— Pelo que, exatamente? - Fleur perguntou curiosa, virando o rosto de forma lenta e preguiçosa. Os olhos azuis cerúleos se conectaram imediatamente aos castanhos. Hermione engoliu em seco, todo o rosto de Fleur era um enigma, ainda mais na escuridão do táxi.

As duas tinham se beijado após toda a confusão, mas, será que não era apenas pelo alívio de Othon ter sido deixado para trás? Fleur precisava se conectar a família e Hermione acabara de deixar aquilo muito mais difícil. A morena sentia que tinha ultrapassado os limites e temia que Fleur estivesse mais chateada do que grata. Por isso, ela se mexeu desconfortavelmente no banco do táxi e sussurrou:

— Por ter batido nele e ter estragado um pouco do que você resgatou com a sua família. Eu simplesmente não consegui vê-lo com você, daquela forma e...!

Hermione não conseguiu terminar a frase, foi imediatamente interrompida pelos lábios trêmulos de Fleur que cobriram os seus. A francesa segurou o seu rosto, em seguida, traçou o contorno de sua mandíbula e a morena fechou os olhos, aliviada. Então, a expiração quente de Fleur tocou a pele de Hermione e ela sussurrou ofegante:

— Jamais se desculpe por me defender dele ou de qualquer outro. Você veio comigo para França, sabendo o que nos aguardava e sabendo o que teria que enfrentar. Vê-la daquela forma só reforçou tudo que eu já esperava de você, mon amour.

Os olhos castanhos se abriram de imediato diante das palavras incisivas e intensas de Fleur. As mãos pálidas percorreram os ombros e braços, finalmente chegando às mãos inchadas, Fleur massageou-as com os polegares e Hermione gemeu de dor, assim como fez uma careta incomodada. Fleur beijou-lhe a bochecha e perguntou baixinho, ainda próxima:

— Você está bem?

— Eu quem deveria perguntar isso. Duas mãos inchadas não são nada, eu só preciso de gelo e analgésicos... - Hermione respondeu firme com a teimosia brilhando em seus olhos castanhos. Ela se afastou e, dessa vez, ergueu a mão direita, afagando o rosto de Fleur e colocando uma mecha loira atrás da orelha. Hermione fazia uma careta a cada movimento e Fleur ria. - Você não precisa se manter na defensiva comigo, eu quero cuidar de você. Eu disse e agi, por você, Fleur.

O riso desapareceu dos lábios de Fleur e, instantaneamente, a máscara de força espatifou-se. As lágrimas chegaram aos olhos azuis, mas, elas não foram derrubadas. Fleur olhava para Hermione, frágil como nunca e, ainda assim, mantendo-se forte, orgulhosa e em pé.

Poucos possuíam a capacidade de se adaptarem ao que a vida lhe jogava e Fleur era uma dessas pessoas.

A sua força era adaptativa assim como parecia infinita. Por mais forte que a vida lhe batesse, Fleur se levantava e se reconstituía para tentar, no futuro, bater mais forte. E a francesa fazia tudo isso da forma mais silenciosa e calma possível, ela não era calculista e sim, esforçada. Ela agüentava e, principalmente, se erguia quando chegava a hora.

Hermione sabia que, se estivesse no lugar dela naquela situação, teria explodido e não teria abandonado a sua terra natal. Também sabia que, provavelmente, teria dividido a sua família e, talvez, ainda buscasse algum tipo de vingança... Ela faria tudo errado não porque era egoísta e sim, porque era um pouco intempestiva e muito teimosa.

Fleur pensava em todos os outros e, principalmente, amava aqueles que ficaram na França e isso era o aspecto de sua partida que mais a machucava. Hermione enxergava toda a dor nos olhos cerúleos e amaldiçoava Othon por ter motivado todas aquelas atitudes na chef.

O táxi parou quando Hermione pensava no que dizer - como se palavras pudessem mudar alguma coisa depois de tanto tempo - e Fleur pagou o motorista antes de sair pela porta traseira que dava para a rua. A morena a acompanhou, saindo pela sua porta e resmungando irritada para as pontadas de dor reclamadas por suas mãos.

As duas estavam em frente a um prédio de cinco andares, de aspecto antigo e conservado. A arquitetura era tipicamente francesa, com a fachada de cor clara com detalhes em cores mais escuras, como as sacadas e varandas. Hermione olhou de um lado para o outro, a rua estava iluminada apenas pelos lampiões e deserta, o que era estranho para uma cidade como Paris.

Era uma região mais residencial, com toda a certeza. Contudo, se Hermione forçasse um pouquinho da sua visão e, principalmente, de sua audição, conseguiria captar um pouco da agitação parisiense há alguns metros de distância. A morena, por alguns segundos, mesmo perdida naquela cidade desconhecida, esqueceu-se do que acontecera.

— Estamos em Belleville e garanto que estamos bem distantes de Othon e de qualquer um da minha família... - Fleur sussurrou nervosa, apanhando um molho de chaves de dentro da bolsa. Hermione observou que ela tremia e constatou que a noite esfriara sem que percebesse. Prontamente, a morena tirou o blazer que usava e o jogou sobre os ombros da francesa. Fleur sorriu acanhada para ela e corou. - Você não precisava fazer isso, já vamos entrar.

Hermione retribuiu o sorriso e encolheu os ombros, levando as mãos aos bolsos da calça. Fleur inclinou a cabeça, deliciada e segurou o seu braço esquerdo, guiando-a para a entrada do edifício. Uma porta de madeira pesada se interpôs à frente delas e Fleur destrancou-a, empurrou e logo estavam no interior da construção.

A francesa ajeitou, de forma elegante, o blazer em seus ombros com a mão livre e ainda ligada a Hermione, guiou-a por um longo corredor. As duas cumprimentaram um sonolento zelador que estava atrás de um balcão de madeira antes de subirem as escadas. Após o primeiro lance, Fleur explicou:

— Esse apartamento é meu, ganhei da família quando ainda não podia morar sozinha. Eu nunca passei a noite aqui, mas, meus pais o conservaram todo esse tempo e Gabrielle o usa quando o clima fica pesado na Mansão... Quando saímos nessa tarde, ela me entregou a chave e disse para eu fazer bom uso dele.

— Bem, acredito que o estaremos usando bem se nos escondermos aqui nessa noite... Afinal, não é como se um dia tranqüilo nos esperasse amanhã. - Hermione respondeu desconfortável, subindo os degraus a passos pesados. A bebida voltava a ocupar os seus sentidos abandonados pela adrenalina. Fleur apertou a parte interna de seu braço e a morena olhou para ela, olhos azuis cerúleos a contemplavam de forma tristonha e a dona deles sussurrou:

— Vamos nos preocupar com isso depois, temos que dar um jeito em suas mãos e precisamos dormir. Se o dia será tão difícil, precisamos enfrentá-lo bem despertas, chérie.

Hermione abaixou a cabeça, ainda sentindo-se levemente culpada por aquela situação. Nunca imaginara que pudesse ter um sangue tão quente, contudo, ali estava ela, acompanhada por Fleur, fugindo de um incêndio que provocara. A morena sentia a cabeça latejar com as ideias que lhe surgiam em relação ao amanhã... Como sairiam daquilo? Como Fleur poderia recuperar a família e os negócios depois daquilo?

Aquele era um dos poucos momentos em que a razão sempre incontestável de Hermione falhara.

As duas continuaram a percorrer os degraus em silêncio e Fleur parou somente no último andar. Ela caminhou pelo pequeno e estreito corredor, sozinha, com Hermione atrás de si. Finalmente, parou em frente a uma simples porta de madeira. A francesa colocou a chave na maçaneta e respirou fundo antes de girá-la. A porta se abriu, revelando um pequeno apartamento que parecia ter saído diretamente de um filme francês que Hermione assistira em algum momento da sua vida.

O apartamento era mais extenso do que largo. Janelas, com duplas portas de madeira branca se estendiam pela sala, dando para a sacada. A sala era rústica, os móveis eram antigos e ela se separava da cozinha apenas por um discreto apêndice da parede à esquerda. O casal entrou e Fleur trancou a porta atrás de si, Hermione observou que a sala se estendia até chegar ao quarto que não tinha porta. Era um apartamento pequeno e tipicamente francês.

Hermione se virou, à procura de Fleur e a encontrou sorrindo insegura para o local. A morena, perdida no sorriso da francesa, se aproximou e a beijou delicadamente nos lábios. As bocas se tocaram e ambas sentiram como se, depois de tanto tempo, voltassem a servir-se daquilo que as mantinha vivas. O beijo, delicado e ingênuo, não era como aquele trocado na manhã. Não tinha a urgência contida entre os seus suspiros, esse beijo era feito de degustação e sabor porque elas podiam, na solidão daquele apartamento, demorarem o tempo que fosse porque tinham a noite para voltarem a se encontrar.

Contudo, a boca de Fleur capturou a de Hermione, ansiosa e inesperada e, entre suspiros pesados e respirações ofegantes, a morena sentiu a base de sua coluna tocar, bruscamente, o encosto do sofá. As suas mãos inchadas e doloridas envolveram a cintura delgada de Fleur enquanto as mãos da francesa seguravam firmemente o seu rosto. O blazer de Hermione escorregou dos ombros de Fleur, caindo entre elas enquanto os lábios da morena escorregavam pelo queixo da francesa, a blusa de Fleur já estava para fora da saia e os primeiros botões da camisa social de Hermione estavam abertos...

Havia muito mais saudade do que jeito naquele beijo.

E essa falta de jeito fez as mãos de Hermione apertarem demais a cintura de Fleur quando essa arranhou a sua nuca entre o beijo. A morena se afastou, grunhindo de dor e apertando os olhos fechados. Fleur observou o seu rosto, depois, olhou preocupada para as mãos que a seguravam e se afastou. Hermione, sentindo o movimento, segurou-a pelo pulso e murmurou:

— Não foi nada, não precisa se preocupar...

— Eu quero me preocupar e, principalmente, eu quero cuidar de você. - Fleur interrompeu Hermione, rouca e beijando cada uma das mãos feridas enquanto olhava intensamente para os olhos castanhos. A morena sentiu o seu corpo responder, imediatamente, à intensidade contida nos orbes cerúleos. O seu coração acelerou, assim como as suas pupilas dilataram e os pelos de seu corpo se arrepiaram.

Existia tanta determinação na voz de Fleur que Hermione não pode negá-la e nem deixar de desejá-la. As suas mãos tremeram inúteis e doloridas sobre as suas pernas e os seus olhos se perderam no ritmo dos quadris de Fleur que caminharam para a cozinha.

Elas só tinham aquela noite antes do inferno chegar as suas vidas e parecia pouco tempo para aplacar aquela saudade. Mas, aquela noite, era tudo que tinham. Hermione olhou para as janelas do apartamento e suspirou inquieta.

Tudo o que queria era que as noites de Paris fossem, de fato, eternas.

Poucas eram as pessoas que ainda estavam na galeria de arte, contudo, a maioria delas foi para a parte externa, próxima ao bistrô da Cuisine Delacour ao escutarem a balbúrdia repleta de gritos, palavras de baixo calão e sons que indicavam uma briga.

Lorena Delacour tinha plena consciência de que tinham muitos espectadores, mas, ela não sabia o que fazer ao ver o primo - o homem por quem era perdidamente apaixonada - louco como nunca presenciara. Existia uma raiva irracional nos olhos esverdeados sempre tão amenos de Phillipe e ele parecia cego. Ele estava sobre o irmão e Othon protegia o rosto enquanto era esmurrado.

Era uma cena chocante. Os Delacour eram conhecidos pelo comportamento refinado e a elegância, aquela luta animalesca entre dois irmãos não refletia, em nada, a fama da família.

Ela somente saiu de seu torpor quando dois corpos masculinos esbarraram em si e, com muito esforço, conseguiram tirar Phillipe de cima de Othon. O moreno que acompanhara Gabrielle em suas escapulidas na noite abraçava o tórax de Phillipe, que se debatia, ele era forte e logo conseguiu imobilizar os braços do francês. Raoul se colocara entre os irmãos e empurrava Othon com uma mão a cada vez que ele tentava um passo a frente.

O rosto de Othon já exibia os primeiros sinais de inchaço, assim como estava avermelhado e sangrante em vários pontos. O seu supercílio aberto por Hermione sangrara e manchara a gola de sua elegante camisa de seda branca, o canto de sua boca estava avermelhado - um dos pontos que Phillipe atingira com muito esforço - e a sua mandíbula estava muito avermelhada, logo, estaria arroxeada.

Phillipe estava imerso na fúria, mas, intacto. O coração de Lorena acelerou diante dessa constatação e ela soltou o ar, aliviada. Contudo, Phillipe estava longe de sua normalidade calma e tranqüilizadora, ele continuava a se debater e o moreno que o segurava - com muito esforço e já ofegante - sussurrava nervoso:

— Calma!

Lorena finalmente saiu de seu torpor e adiantou-se em direção a Phillipe. Ela se colocou em frente a ele e os olhos esverdeados dele, lentamente, perderam a fúria irracional ainda que ele se debatesse de forma débil no aperto que o segurava. Lorena ergueu as mãos e segurou o rosto de Phillipe entre suas mãos, ele respirou com dificuldade e a olhou, ela beijou-lhe os lábios - não ligando para os membros da família presentes que não sabiam ou não aprovavam seu relacionamento com ele - e sussurrou cúmplice, próxima:

— Sou eu, mon amour...

Phillipe parece, finalmente, enxergá-la. Os seus movimentos perderam a agressividade e ele logo se acalmou, as suas mãos grandes e feridas cobriram as de Lorena, pequenas e delicadas, que seguravam o seu rosto. O moreno que o segurava deu um passo para trás, massageando a nuca e eles escutaram, no mesmo instante, Gabrielle exclamar preocupada:

— Você está bem, Viktor?

Viktor Krum era o moreno, um jovem investidor búlgaro, grande apreciador de arte, que acompanhava Gabrielle naquela noite. A caçula Delacour se aproximou dele e segurou o rosto do rapaz, ele sorriu tranqüilizador a ela e Gabrielle pareceu se contentar com aquilo. Ela se virou para o outro lado do conflito e Othon despejava palavra odiáveis em um francês rápido. Raoul o empurrava, o tempo todo.

O casal de primos Delacour ainda se olhava, as mãos inchadas de Phillipe massageavam os pulsos delicados de Lorena. Ela chorava, silenciosamente, finalmente cedendo aos seus sentimentos depois do choque. Lorena não se orgulhava de sua reação acovardada, mas, ela se assustara... Tinha algum conhecimento do que Phillipe sentia pelo irmão, mas, não esperava que fosse algo daquela proporção.

Lorena sabia o que Othon fizera - diferentemente de Gabrielle e Raoul - mas, ela não tinha noção do quanto esse feito machucava Phillipe. Mais do que fúria, existia culpa naqueles socos direcionados ao irmão. Lorena viu que ele se culpava porque, de alguma forma, fora incapaz de proteger Fleur.

O irmão ferido finalmente desistira de reagir, um garçom lhe entregara uma bolsa de gelo e ele estava em pé, segurando-a junto ao seu rosto sem dedicá-la, exclusivamente, a alguma parte. Não fazia diferença, ele estava muito machucado. Raoul o deixara, a expressão dura no rosto revelava que ele não apoiara aquela situação e, ao se aproximar, ele grunhiu:

— O que pensa que está fazendo, Phillipe?

Era óbvio que todos estavam muito nervosos para perceberem que falavam em inglês, simplesmente, no calor de tantos eventos corporais e agressivos, apenas mimetizaram o que fizeram durante toda a noite. Phillipe saiu da aura apaziguadora que encontrara nos olhos acinzentados de Lorena e, dando um olhar assassino ao irmão por cima do ombro do tio, respondeu:

— Se eu disser o que estava fazendo, terei que contar uma história que não me pertence, tio.

— E a quem pertence essa história, Phillipe? - A voz severa e áspera de Apoline Delacour se fez escutar por entre os sussurros e cochichos que começavam a se fazer presente na cena. Apoline deu um olhar reprovador aos garçons próximos e logo, eles entenderam que deveriam dispersar a multidão. Ela esperou que os espectadores fossem levados ao interior da galeria enquanto a Família Delacour envolvida no conflito permaneceu. Apoline voltou os seus olhos inquietos para o sobrinho. - Se o meu irmão, Olivier, estivesse vivo, ele, com certeza, desaprovaria o escândalo que vocês fizeram aqui.

O pai de Othon e Phillipe, Olivier Delacour, falecera um pouco antes de Fleur deixar a França e os garotos foram imediatamente acolhidos pela família já que a mãe também falecera pouco tempo antes.

Othon abaixou a bolsa de gelo e revelou um sorriso irônico que parecia até maníaco. O punho de Phillipe voltou a se fechar e ele deu um passo à frente, mas, Viktor parecia determinado a impedi-lo porque segurou o antebraço dele e balançou a cabeça negativamente. Gabrielle abriu a boca, mas, nenhum som saiu de seus lábios e Lorena entrelaçou os dedos à outra mão de Phillipe, determinada a mantê-lo seguro. Raoul bufou e, indignado, perguntou:

— Tem algo que queria compartilhar, Othon?

Não era segredo que Othon não era adorado por aquela parte da família. Apoline tinha ressalvas em relação a ele que ultrapassavam o financeiro da Cuisine Delacour, ela jamais aprovara a escolha dele para a chefia da empresa da família. Já Raoul, este nunca vira uma sinceridade plena no sobrinho, algo nele provocava suspeitas em si. E Gabrielle simplesmente detestava o egocentrismo do primo. Como reagiriam ao descobrir o que ele fizera?

— Não é nada demais, querido tio... - Othon começou a responder, o sarcasmo estava presente em suas palavras, assim como o veneno. Ele deu um passo à frente e Raoul fez sinal para que ele parasse, olhando dele para Phillipe. Othon jogou a bolsa de gelo para o gramado e riu. - Só acho uma ironia sem tamanho que Phillipe me agrida dessa forma já que somos parecidos e compartilhamos a mesma opinião em relação a nossa prima.

Viktor foi mais rápido que a reação de Phillipe, ele segurou o ombro do francês assim que ele se jogou, novamente, em direção ao irmão. Lorena chorou assustada, mas, não soltou a sua mão. Raoul bufou impaciente e cansado, mas, se manteve pronto para agir. Apoline parecia não compreender as palavras do sobrinho e Gabrielle tomou a discussão, esbravejando:

— Enfie essa sua ironia em um lugar que ela caiba, Lorena seria muito burra se trocasse Phillipe por você, Othon.

— E quem disse que ele fala de mim, Gabby? - A voz de Lorena estava insegura, quase que em sussurro ao se manifestar. Todos os rostos se viraram para ela e ela ergueu os olhos chorosos para enfrentá-los. Dentro do cinza existia uma energia intensa, pertencente a alguém que queria proteger todos aqueles com os quais se importava. Phillipe olhou desesperado para Lorena e abaixou a cabeça, esgotado.

Lorena sabia que não tinha o direito de contar uma história que não era sua, mas, Fleur precisava ser feliz assim como Phillipe precisava se perdoar.

— Prima...? - Apoline murmurou confusa e, antes mesmo que ela terminasse a frase, as suas mãos firmes tremeram e a sua expressão ponderada assumiu uma agressividade temível. Othon olhou para a tia e engoliu em seco, parecia ter se arrependido do que dissera assim que percebeu o que teria que enfrentar. Era Raoul quem estava com os punhos fechados agora e Gabrielle teve que ser mantida no lugar por Lorena. Porém, Apoline estava livre e ela marchou em direção a Othon, como uma leoa. - O que você fez com a minha Fleur?!

Othon arregalou os frívolos olhos azuis, ele estava realmente assustado. Raoul caminhou até a esposa e a abraçou pelos ombros, ele queria se manter firme por ela, mas, tudo que queria era arrancar a verdade do sobrinho aos murros. Gabrielle também se aproximara, mas, Lorena não lhe soltara os ombros. Othon, enfim, olhou para Lorena com ódio.

Ele estava acuado, ainda que quisesse revidar.

E tudo se tornou pior quando escutaram os passos pesados irreconhecíveis de Éponine Delacour. A matriarca da família se aproximou sorrateira, como uma predadora prestes a degustar a sua presa, eles só perceberam a sua presença quando ela pigarreou. Éponine estava elegante, como sempre e existia um sorriso vencedor em seus lábios. A senhora respirou fundo e disse aliviada:

— Como sempre, queimando-se pela boca, Othon.

— O que...?! - Othon gaguejou uma pergunta, mas, foi calado pelo respeito que nutria pela avó. Éponine passou por Raoul e Apoline e ficou em frente ao neto, era a primeira vez que ela olhava desgostosa para ele, algo inacreditável até então. A senhora olhou por cima dos ombros, diretamente para Phillipe e fez um sinal afirmativo com a cabeça. Phillipe olhou para Lorena em busca de respostas, mas, ela encontrava-se tão confusa quanto ele.

Ninguém entendia o que a chefe da família fazia ali.

— Eu sempre soube que existia algo muito deturpado em você, assim como sempre senti que você tinha culpa na partida de Fleur... Mas, eu não poderia fazer algo sem que fosse acusada de preferência a esse ou aquele herdeiro. - Éponine falava em inglês e o ar enojado em sua voz, daquela vez, não era por causa do idioma e sim para quem ela dirigia a palavra. Othon se encolhia enquanto Éponine se fazia gigante diante dele. - Eu precisava colocar você em uma posição de poder para comprovar as minhas suspeitas, mas, você se entregou. Você mesmo me mostrou quem verdadeiramente é, Othon.

Phillipe, finalmente, se acalmara. Raoul, Apoline e Gabrielle estavam confusos e Lorena muito surpresa. Viktor permanecia sério, estóico e disposto a parar qualquer um que ousasse passar dos limites. Othon, encolhido, sussurrou:

Grand-mére não é nada que...

Mais uma vez, ele foi interrompido e, dessa vez, por um tapa. A mão idosa e manchada de Éponine lhe atingiu o rosto e ele recuou, chocado, segurando o local em que ele tinha batido. Éponine tirou um lenço do bolso do terno elegante e limpou a mão agressora, ela virou-se para os demais membros e disse solene:

— Nós falhamos com Fleur no passado e, agora, é hora de nos redimirmos. Phillipe e Lorena contarão uma história a todos nós.

— E quanto a Fleur, grand-mére? - Gabrielle ousou perguntar curiosa. Éponine deu um dos poucos sorrisos à neta e respondeu:

— Deixe que ela aproveite a noite, ela precisa.

Todos acompanharam a matriarca para o interior da galeria, menos Othon que desaparecera sem qualquer explicação. Éponine chamou os responsáveis pelo cerimonial e declarou a inauguração encerrada antes de sair, nenhum convidado ousou questioná-la. E, na mesma hora, a senhora chamou dois de seus seguranças e sussurrou ordens urgentes em seus ouvidos, eles saíram às pressas.

Éponine poderia ter evitado os fotógrafos de plantão na rua, mas, ela deixou que todos tirassem fotos de seu sorriso triunfante e das expressões angustiadas dos demais Delacour que a acompanhavam. Os manobristas se apressaram para apanhar os carros enquanto os seguranças mantinham os membros da família protegidos e longe dos fotógrafos.               

Aquele era somente mais um escândalo e os Delacour sobreviveriam. Eles sempre sobreviviam porque cuidavam dos seus. E, naquele momento, Othon Delacour era prioridade máxima, com toda certeza, Éponine Delacour precisava dar um jeito nele.

# # # # #

Hermione podia sentir a leve camada de umidade morna depositada sobre sua pele. O banho realmente fora bom, como Fleur previra, contudo, não a relaxara. A morena ainda conseguia sentir cada pedaço de si totalmente sensível à presença de Fleur naquele apartamento. Não encontrava desculpas que pudessem redimir os seus pensamentos tão carnais... Aquela era a primeira vez que ficavam sozinhas desde que chegaram à França.

Era a primeira vez, desde o início da viagem e das turbulências, que Fleur estava totalmente focada em sua presença assim como estava pela dela. Não havia como estar indiferente em relação a essas contestações e não existia uma forma de esquecer o beijo que trocaram assim que pisaram naquele apartamento.

A morena fechou os olhos e sentiu os toques das mãos e da boca de Fleur em seu corpo. As mãos dela segurando o seu rosto e as unhas escorregando, marcando e arranhando a pele de sua nuca. Hermione, instantaneamente, arrepiou-se e sentiu um calor avassalador tomar conta de seu corpo. A advogada tentou respirar fundo, mas, o seu olfato aguçado imediatamente sentiu o cheiro de lavanda no meio de tantos outros cheiros desconhecidos naquele apartamento.

Era uma necessidade, deixara de ser um desejo em algum momento entre o banho de Fleur e o seu próprio.

Hermione, trêmula e nervosa, caminhou devagar até onde os sons da presença de Fleur se tornavam mais altos.

Encontrou a francesa na cozinha, colocando a água para esquentar em uma chaleira enquanto, ao mesmo tempo, preparava duas novas bolsas de gelo para as mãos de Hermione. Ela estava desatenta, cantarolando uma melodia e não percebeu que era observada, a morena, por sua vez, paralisou no meio da sala. O aperto em seu ventre fez companhia ao calor que começava a fazê-la ofegar.

Fleur estava usando apenas uma camisa social masculina de cor branca, através do tecido, Hermione enxergou os contornos do conjunto de lingerie azulado. O tecido da camisa mal chegava ao meio de suas coxas, as suas pernas longilíneas estavam expostas, os pés descalços e o cabelo loiro jogado em seu ombro direito.

Ela estava tão naturalmente bela e, ainda assim, parecia surrealmente perfeita.

Hermione suspirou apaixonada, ela gostaria de ser capaz de dizer algo, contudo, o seu cérebro falhara em produzir frases quando mal conseguia concentrar-se em observar. Em momentos como aquele, de silêncio absoluto e observação admirada - assim como aquela troca de olhares na galeria - Hermione se via incapaz de fazer qualquer outra coisa que não fosse observar a mulher linda que se permitia ser sua. Os questionamentos e os motivos ficavam para depois. Com Fleur, daquela forma, Hermione permitia-se ser momentânea.

E o momento era inesperado e passou rápido. Hermione, perdida nas contemplações a Fleur, não percebeu quando a francesa se virou. Contudo, escutou os sons frutos do choque. As bolsas de gelo caíram de suas mãos, batendo secas no chão. A própria morena recuou um passo enquanto sentia o calor escaldante dentro de si se manifestar em forma de rubor em suas bochechas.

Hermione e Fleur se olharam. Os olhos azuis abandonaram o choque ao reconhecer os seus correspondentes castanhos, mas, também, derreteram-se em ternura e timidez. Não importasse quanto tempo passasse entre elas, Fleur Delacour jamais se acostumaria a ser observada de maneira tão apaixonada.

As bolsas de gelo foram devidamente apanhadas do chão e Hermione finalmente se manifestou, engolindo em seco e abaixando a cabeça, respirando fora de ritmo. O perfume de Fleur chegou, mais uma vez, antes de seu corpo. A francesa empurrou a morena, delicadamente, até o sofá. Hermione se deixou levar, totalmente absorta em seus sentidos e perdida em seus sentimentos, ela se sentou e Fleur lhe entregou as duas bolsas, depositando-as sobre suas mãos, orientando:

— Deixe-as em posição por, pelo menos, vinte minutos enquanto eu me troco e preparo um chá para nós duas, chérie.

— Se trocar? Por quê? - A pergunta saiu dos lábios da morena antes que ela pudesse impedi-la, as palavras retratavam, de forma perfeita, quão sensível ela estava à presença de Fleur. A francesa riu da pergunta, corando de tal forma que o tom róseo escondeu as discretas sardas de seu nariz. Contudo, ao olhar mais uma vez nos olhos de Hermione, encontrou uma intensidade que não era compatível ao nervosismo das palavras dela. Fleur tremeu e se arrepiou da cabeça aos pés. A francesa ainda teve coragem e se aproximou, beijando a testa morena ao sussurrar:

Oui, eu já volto.

— Você não precisa ir. - Hermione perdera totalmente a timidez, a sua impulsividade entregara o seu desejo e a sua coragem, assim como a sua obstinação, tomavam conta de suas atitudes. As suas mãos, geladas pela temperatura das bolsas de gelo, seguraram o pulso mais próximo de Fleur e a francesa se afastou, tão perdida em sensações quanto ela. Os arrepios percorreram e eriçaram os pelos loiros na pele perolada imaculada. Hermione beijou-lhe o ponto de pulso e manteve-se próxima à pele, o calor de sua respiração entrando em choque com o toque frio de suas mãos. - Hoje, nós não precisamos ir a lugar algum... Pelo menos, por algumas horas.

Fleur respirou profundamente, tentando sorver o máximo de oxigênio que podia para, pelo menos, desanuviar a névoa de desejo e necessidade que se formara e estagnara em seus sentidos. Era em vão lutar daquela forma, mas, Hermione não estava em condições de tê-la por perto - a morena estava machucada e os efeitos do uísque consumidos ainda pareciam presentes - era melhor que cuidassem cada uma de si antes de poderem cuidar uma da outra.

Mas, a racionalidade contida nessas justificativas jamais combinara muito bem com a figura de Fleur, era francesa e o seu sangue era quente, ela era notoriamente impulsiva. Manter-se longe de Hermione, naquele momento e naquela situação, era lutar contra a sua natureza e, principalmente, contra os seus sentimentos. A saudade implorava para que permanecesse próxima e o amor pedia por Hermione, de todas as formas, de todos os jeitos e em totalidade.

Não somente desejava Hermione como, também, tinha necessidade... Necessidade daquelas mãos, mesmos feridas, contornando o seu corpo. Assim como precisava daqueles lábios marcando a sua pele. Ela precisava que Hermione a fizesse sua para que não mais se lembrasse da forma como Othon tentara possuí-la.

Ainda assim, era insensato. Aquele era o momento em que precisavam inverter os papéis, aquele era o instante em que precisava dar a Hermione um pouco do que a morena dedicava exclusivamente a ela.

As mãos de Fleur envolveram o rosto de Hermione e o suspenderam em direção aos olhos cerúleos. A morena piscou os olhos castanhos escuros e perdidos na mesma névoa de desejo e necessidade com a qual Fleur lutava e a francesa suspirou antes de, debilmente, insistir:

— As suas mãos estão feridas e você realmente precisa descansar, mon amour.

— As minhas mãos podem estar feridas, mas, existem outras partes do meu corpo que estão perfeitamente saudáveis... - A voz rouca de Hermione evidenciou que ela, sempre tão racional, abandonara toda a sua lógica e a sua inteligência a favor do que sentia e do que vivia. O aperto no pulso de Fleur se intensificou e Hermione sequer sentiu a sua própria mão doer, a descarga de adrenalina em sua corrente sanguínea a fizera esquecer a dor e Fleur a fizera esquecer-se dos ferimentos. Hermione se moveu e, principalmente, puxou Fleur para si. A francesa caiu em seus braços, sobre as suas pernas, presa em seu abraço. Hermione sorriu vitoriosa e, próxima aos lábios cheios de Fleur. - E essas partes estão sendo bastante egoístas por querê-la perto, independente das outras.

Fleur não esperava por aquelas palavras, tampouco, pelo beijo roubado de seus lábios em seguida. A boca de Hermione envolveu a sua, se impondo sobre a sua insegurança e a sua fragilidade. Os lábios da morena deram a ela o necessário para que ela se esquecesse de Othon e Fleur devolveu na mesma intensidade, mordendo os lábios de Hermione, tentando controlá-los enquanto ela mesma perdia o controle.

O corpo de Fleur, guiando-se pelo calor e pelo desejo cego que ela tão bravamente tentara controlar, se acomodou nos braços e no colo de Hermione. As suas pernas longas abriram-se e envolveram o corpo menor debaixo de si. A morena encontrava-se sufocada e ofegante entre a lavanda e mesmo a dor, distante em sua apreensão, não conseguiu impedir que as suas mãos feridas fizessem casa nas curvas dos quadris de Fleur. Ali, elas permaneceram e, principalmente, apertaram a porção de pele quente entre seus dedos.

Os lábios de Fleur se separaram dos de Hermione quando ela gemeu e os dentes da morena encontraram a tez pálida e morderam-lhe o queixo. Um gemido sufocou o outro e Fleur se viu entregue, sem chance qualquer de luta. As suas mãos, débeis, adentraram os cabelos de Hermione e fundiram-na a si. A morena, por sua vez, beijou-lhe o colo e afastou-a apenas para arrebentar os botões da camisa social.

Mais uma porção de pele perolada foi exposta e Hermione serviu-se dela, marcando e mordendo. A boca da morena desceu pelo colo da francesa, desenhando padrões aleatórios com língua, saliva, desejo e necessidade. E, quanto mais o corpo de Fleur se arqueava em direção aos lábios que a degustavam, mais animalescos eram os movimentos de Hermione.

A necessidade jamais falara de forma tão intensa com elas.

Os reflexos de Hermione, mais uma vez, surpreenderam Fleur. A francesa não percebeu qualquer indicativo de que seria dominada, mas, ela foi. As mãos de Hermione em sua cintura arranharam as curvas de seu quadril e a empurraram, guiando-a para o sofá. Fleur se viu cativa dos braços de Hermione, embaixo dela enquanto os olhos castanhos lhe contemplavam absortos e escurecidos. Hermione se aproximou, beijando-a lentamente, de forma lânguida e sorvendo o pouco de racionalidade que ainda existia nela. Fleur, agora, era feita de desejo e o seu desejo tateou às cegas por Hermione, mas, a morena a imobilizou ao envolveu o seu sexo e sussurrar em sua orelha:

— Eu vou cuidar de você, meu amor.

Fleur fechou os olhos e os apertou, no mesmo segundo em que a mão habilidosa de Hermione tocava a sua intimidade e, essencialmente, explorava o seu ponto de prazer. Ela gemeu e mordeu os lábios, abrindo os olhos, ofegante. Os lábios de Hermione beijavam o seu pescoço e a respiração dela, tão ofegante quanto a sua e próxima ao seu ouvido, tornou toda a situação ainda mais sensual.

Os seus gemidos e seus ofegares pareciam ser os únicos sons dignos de perturbar o silêncio daquele apartamento.

Os dedos de Hermione a tocavam, diversificando velocidades e movimentos, levando-a a beira do ápice apenas para, no minuto seguinte, jogá-la, novamente, na intensidade ansiosa das preliminares. Subitamente, a mão de Hermione abandonou o seu centro, contudo, a sua umidade estava cativa nos dedos morenos e eles trilharam um caminho cheio de arrepios até o fecho do sutiã em suas costas.

Os lábios de Hermione voltaram a tomar os de Fleur enquanto ela removia o sutiã e, depois, a camisa. Apenas a calcinha impedia que a morena vislumbrasse a nudez total da francesa. Fleur suspirou, em expectativa, quando os olhos de Hermione abandonaram os seus e se afastaram, memorizando o corpo esguio que se encontrava trêmulo de prazer. A morena se afastou e se ajoelhou no chão, entre as pernas de Fleur. As mãos morenas apertaram os seios de Fleur, brincando com os mamilos rosados sensíveis ao toque. Em seguida, as mãos desceram de forma lenta, até encontraram os joelhos de Fleur.

Hermione beijou a porção interna de cada coxa, demorando-se ao chegar às regiões de cada virilha e sorrindo de encontro a pele perolada ao escutar Fleur gemer incontrolável, enquanto jogava a cabeça de encontro ao encosto do sofá. Fleur se entregara a névoa e sequer se arrependia.

As mãos de Hermione voltaram a se movimentar, dedilhando a pele arrepiada de Fleur até encontrarem a única porção de tecido que a impedia de encontrar o que mais ansiava. A calcinha da francesa foi escorregada pelas suas pernas, até chegar ao chão. Fleur conseguiu olhar para ela por breves segundos, apenas o necessário para não perceber que Hermione se aproximara, novamente.

A morena se aproximou e beijou-lhe o abdômen, em seguida, seus lábios encontraram a porção mais sensível do corpo francês. Pela segunda vez naquela noite, Fleur foi vencida por Hermione, a mente da chef se perdera na névoa que, mais do que pesava, agora também a sufocava. Não era mais feita de desejo e sim, de prazer. Enquanto as mãos de Fleur maltratavam o estofado do sofá, as mãos de Hermione mantinham o seu quadril no lugar e a boca a devorava, tomando todo o seu líquido enquanto, dessa vez, a empurrava cada vez mais depressa em direção à pequena morte.

Hermione se afastara e mordera a virilha da francesa, Fleur a segurou pelos cabelos, arranhando o seu couro cabelo e despertando nela tanto prazer quanto provocara, empurrando-a para saciar o que lhe fora negado durante toda aquela noite. A morena a obedeceu e voltou a devorá-la, a língua de Hermione se movimentou mais rapidamente e seus lábios se fecharam e chuparam o ponto róseo inchado e sensível. O corpo de Fleur se arqueou para frente, as pernas se fecharam em torno de seu rosto e Hermione sorriu, degustando o gosto dela e sorvendo o líquido da francesa em sua boca. Fleur, sôfrega, gemeu:

Mon Dieu...!

Os puxões violentos nos cabelos castanhos não machucaram e sim, impulsionaram Hermione. Ela sentia o seu próprio corpo responder aos sons cada vez mais impulsivos de Fleur, ela sussurrava em francês e gemia de forma sedutora. Era incapaz de pedir por mais, mas, era exatamente disso que precisava.

E Hermione deu, deu mais e tudo o que Fleur merecia receber.

A francesa ofegou, a voz sumiu de sua garganta e ela tremeu em espasmos violentos antes de se deixar cair, suada e ofegante, no sofá. Hermione se ergueu com dificuldade, as suas próprias pernas estavam trêmulas e ela tinha a plena consciência de que precisaria de outro banho, Contudo, seus lábios brilhavam avermelhados e seus olhos estavam claros. Um sorriso satisfeito estava em seu rosto e ela, maldosa, deixou a sua mão cair na região sensível entre as pernas de Fleur.

A francesa ofegou e abriu os olhos, preguiçosa. Ela tentou sorrir, mas, os seus lábios pareciam cansados. Ainda assim, eles receberam Hermione e a morena continuou a tocá-la, carinhosamente. Fleur beijou-a com volúpia, tomando o próprio gosto. O aperto em seu ventre mal a abandonara e já ameaçava voltar, mais elétrico do que antes, Fleur mordeu os lábios da advogada e sussurrou:

— O que você pensa que estava fazendo?

— Cuidando de assuntos mais prioritários que qualquer dor em minhas mãos ou bebida em minhas veias. - Hermione respondeu de forma sedutora, mais uma vez, os seus dedos trabalhavam de forma lenta e já determinavam discretas ondas de prazer pelo corpo francês. Porém, Fleur segurou-lhe o pulso delicadamente e se afastou de um beijo, Hermione franziu a testa para esse comportamento e a francesa sorriu sensual ao murmurar:

— Acho que você precisa de ajuda, principalmente, para tirar essa roupa.

Foi a vez de Fleur impulsionar o seu corpo para frente, ela estava, novamente, sentada no colo de Hermione e, conforme removia as peças que escondiam o corpo moreno que tanto amava, ela cavalgava. Hermione olhava hipnotizada para seus quadris e tentava beijá-la enquanto Fleur, imersa no prazer, se afastava.

Quando, enfim, a última peça de Hermione foi removida e a morena se viu presa nos braços perolados, entendeu que estava perdida. Fleur a olhava de forma predatória e, quando as mãos delas dedilharam a sua pele, ela não precisou de muito para chegar aonde precisava.

Em seu prazer, só enxergava Fleur e não existia local para qualquer problema que as aguardava fora das paredes daquele apartamento. Naqueles rápidos segundos de êxtase, a noite se tornava eterna.

E era justamente isso que as duas precisavam antes do sol anunciar um novo dia e elas se verem, mais uma vez, entregues àquilo que não mereciam.

O brilho pálido da lua entregava uma luz frágil que se debruçava, preguiçosamente, sobre os corpos deitados no sofá da sala do apartamento. Não havia como determinar onde acabava Fleur e começava Hermione, até mesmo os tons de suas peles - tão diferenciados e destoantes - pareciam iguais quando iluminados daquela forma. Elas respiravam da mesma forma e, talvez, os seus corações também batessem iguais. Essencialmente, as duas estavam unidas e, dessa forma, descansavam e ressoavam presas em seus sonhos e abrigadas uma nos braços da outra.

A tranqüilidade que dividiam era fruto da sensação de proteção que uma despertava na outra. Hermione abria os braços e aconchegava o medo de Fleur em relação a Othon, assim como a francesa recebia todo o seu temor em relação à quebra de confiança. As duas, sobretudo, entregavam tudo o que a outra precisava e recebiam tudo que procuravam.

Era uma troca, uma relação de simbiose que somente as elevava. Juntas, elas sentiam que estavam além de toda aquela incômoda realidade que as cercava. Juntas, elas sabiam que enfrentariam - e venceriam - qualquer obstáculo que se interpusesse entre elas.

Nenhuma das duas jamais se sentira de tal forma, era algo que vinha da outra, mas, despertava o que havia de melhor em si. Do lado de Hermione, era a coragem e do lado de Fleur, a força.

Em meio ao sono, Fleur se aconchegou preguiçosamente no peito da morena onde repousava o seu rosto. De forma totalmente instintiva, motivada pela proteção voraz que dedicava à francesa, Hermione despertou. A morena se mexeu com cuidado e afagou os cabelos loiros que pareciam prateados sobre a luz da lua. Os seus olhos castanhos tocaram, primeiro, as pálpebras fechadas e relaxadas de Fleur, em seguida, contaram as poucas sardas que ela possuía no nariz e, por fim, chegaram aos lábios grossos, entreabertos, que expiravam o ar quente que não aquecia somente a sua pele nua e, também, o seu coração.

Hermione sorriu para a tranqüilidade dos sonhos de Fleur e suspirou para a confiança que era depositada em si. Bem sabia que a francesa não dormira daquela forma, sozinha em seu quarto na Mansão Delacour, na noite anterior. Fleur precisava sentir-se protegida e Hermione precisava proteger. Era mais do que compreensível que a insônia tivesse se abatido sobre elas.

Um som - distante aos ouvidos distraídos de Hermione e, próximo as suas mãos - se fez presente. O telefone do apartamento tocava e a morena só compreendeu do que era feito o som quando, distraída, olhou o aparelho que repousava no aparador ao lado do sofá em que estava deitada. A morena cogitou não atender, mas, podia ser importante e, talvez, o som acordasse Fleur. Prezando, sobretudo, pelo descanso de Fleur, Hermione esticou a mão sobre a cabeça e tateou delicada para não acordar a francesa em seus braços. Os seus dedos se fecharam sobre o aparelho sem fio e ela o levou à orelha, Fleur se remexera em seus braços, preguiçosa.

— Alô? - Hermione cumprimentou o outro lado da linha, estava verdadeiramente desperta agora, afinal, aquela ligação poderia ser algo ou nada. Pelo horário, provavelmente, algo ocorrera na Mansão Delacour. Do outro lado da linha, ruídos de movimentação foram escutados até a voz de Lorena, em tom culposo, responder:

Oh, mademoiselle Granger! Pardon por incomodá-las nessa madrugada, eu sei que precisam descansar, mas, vocês também são exigidas aqui, na Mansão.

— Aconteceu algo? Nós realmente esperássemos que pudéssemos enfrentá-los pela manhã... - O tom de voz de Hermione entregava a sua preocupação e, principalmente, o seu desapontamento. Os seus olhos castanhos voltaram a contemplar a figura adormecida de Fleur e ela suspirou, era pouco descanso para o que tinham que enfrentar. Os seus dedos correram pelos fios loiros e os seus olhos castanhos desviaram-se para o relógio digital na bancada da cozinha. - Não são nem quatro horas da manhã, Lorena.

Como eu disse, sinto muito... Se fosse qualquer outro membro da família, até mesmo Othon, eu as avisaria depois. Mas, quem quer vê-las é grand-mére. E ela quer vê-las o quanto antes. — A voz de Lorena tinha um verdadeiro tom de desculpas, ela realmente não estava feliz por tirá-las do universo paralelo em que se encontravam. Hermione, ao perceber, não deixou amargar-se e esqueceu a sua irritação inicial. Apoiou o queixo no topo da cabeça de Fleur e perguntou vencida:

— Nós, pelo menos, podemos nos arrumar?

Claro que podem e, eu não quero deixá-las esperançosas, mas... Acho que não precisam esperar o pior. — Lorena aconselhou de forma sensata, respirando tranqüila entre as palavras e parecendo acreditar no que dizia. O corpo de Hermione tencionou-se e a sua mente estalou compreensão, além de assumir um estado atento e curioso. - Grand-mére sabia, de alguma forma, que algo estava acontecendo. Foi ela quem convocou a família e ela interrogou a mim e a Phillipe, na frente de todos, em relação ao Othon. Provavelmente, o mais difícil será encontrar todos agora que eles sabem. Eu e Phillipe tentamos, mas, grand-mére quis que falássemos.

— Tudo bem, eu só tenho que agradecer por tudo que vocês fizeram por nós... Obrigada, mesmo. - A gratidão de Hermione estava evidenciada na firmeza de sua voz, em seguida, um silêncio incômodo acomodou-se na linha antes de Lorena sussurrar uma despedida envergonhada e desligar. A linha ficou muda e Hermione depositou o aparelho no chão, olhando de forma preocupada para Fleur.

Contudo, a francesa se mexeu desperta em seus braços. Os olhos azuis se abriram, claros pelo sono e pela luz da lua. Ela beijou o colo de Hermione, onde estava apoiada, depois, desenhou padrões aleatórios na pele da britânica e sussurrou preguiçosa:

— Acho que a nossa noite acaba aqui.

— Ela até que se perdurou, pelo menos, chegamos à madrugada. - Hermione disse tranqüila com o sorriso encorajador brotando em seus lábios. Fleur retribuiu o sorriso e ergueu o corpo, apoiando os cotovelos aos lados do corpo da morena, ela beijou os lábios britânicos delicadamente e, próxima a eles, sussurrou:

— E vamos chegar mais longe depois de hoje, independente do que aconteça.

Hermione não respondeu, apenas acenou com a cabeça e segurou o rosto de Fleur entre as suas mãos. Não duvidava de uma única palavra que a chef dissera, não era uma pessoa que nutria esperanças... Mas, ela lutaria até o final para que aquela noite perdurasse e para que o que tinham sobrevivesse.

Por Fleur, pela felicidade dela, Hermione estava disposta, novamente, a ferir as suas mãos e, se necessário, todo o seu corpo. Não existia desconfiança em suas ações, nem dúvidas em seus sentimentos... Ela amava e estava disposta a tudo por aquela que lhe entregara muito mais do que esperava.

# # # # #

O sol havia substituído a lua, ainda que preguiçoso e pálido na manhã francesa, quando Fleur e Hermione chegaram a Mansão Delacour. A morena continuava deslumbrada pela imponência da construção, mas, toda a sua preocupação era maior naquela manhã e ela praticamente não tirou os olhos de Fleur enquanto caminhavam em direção à mansão.

Fleur, caminhando depressa ao seu lado, estava afoita e bastante nervosa. A elegância natural de seus movimentos fora substituída por atos trêmulos e vacilantes. Quando deixara a França, Fleur não imaginava que pudesse voltar e sequer cogitara a hipótese de ter que enfrentar os pais depois da verdade. Ela, em todos aqueles anos passados na Inglaterra, distanciara-se totalmente daquele passado que tanto a assustada.

Contudo, a vida a conduzira de forma torta para aquele momento e agora sabia que, jamais, poderia deixar de viver aquela situação. Tudo que acontecera independente da dor, do sofrimento ou da vergonha, fazia parte de si e ela precisava enfrentar. Se fugisse agora, aquele passado jamais a deixaria em paz.

Fleur estava decidida, agarrada firmemente à mão de Hermione. Porém, ainda sentia medo e esse medo as levou para as portas do fundo da Mansão Delacour. Essa porta alcançava a cozinha que, provavelmente, estaria vazia diante da importância da convocação. Era muito melhor do que enfrentar toda a família na sala onde tinha certeza que eles a esperavam.

Hermione, em nenhum momento, questionou as atitudes de Fleur. Deixou-se ser conduzida pela francesa enquanto lhe apertava a mão e passava, através desse gesto pequeno de suas mãos doloridas e enfaixadas, a coragem que ela precisava em demasia. Fleur parou abruptamente em frente a porta dos fundos e a morena, atenta, beijou-lhe o ombro antes de sussurrar:

— Eu estou aqui, por você.

A cabeça de Fleur inclinou em direção ao som daquela voz que, naquele momento, era tudo que queria - e precisava - escutar. A francesa respirou fundo e a sua mão trêmula tocou a maçaneta, ela a girou e abriu a porta, o mais silenciosamente possível. A cozinha não estava vazia, porém, quem as recepcionou foi Lorena.

A prima tinha olheiras embaixo dos belos olhos acinzentados, mesmo visivelmente esgotada, ela as recepcionou com um sorriso brilhante. Fleur sorriu acanhada para a prima e Lorena se aproximou, ela adiantou-se e abraçou a prima, fortemente. Fleur retribuiu, soltando a mão de Hermione para se segurar-se às costas da prima. Lorena pigarreou e murmurou:

Pardon, eu e Phillipe realmente tentamos não falar...

— Tudo bem, eu sei como todos podem ser persuasivos. E estou até grata, eu não sei se conseguiria dizer tudo, principalmente, aquilo do que não me lembro daquela noite. - Fleur respondeu grata, abraçada à prima. Lorena se afastou e piscou os olhos acinzentados que brilhavam emocionados e ela desviou a sua atenção de Fleur para encarar Hermione. A britânica manteve a expressão obstinada e seus olhos castanhos estavam quentes e corajosos, Lorena sorriu e disse mais calma:

— Haverá uma batalha lá dentro, mas, ninguém dúvida de vocês e nem do que sentem uma pela outra.

Fleur se virou para Hermione e sorriu, o sorriso estava inseguro, mas, ainda era melhor que as feições angustiadas que, até então, habitaram as belas feições. A morena voltou a apanhar a mão francesa e beijou-lhe o dorso, Fleur suspirou e a guiou pelo estreito corredor que ligava à cozinha ao resto da sala. Elas caminharam devagar, seguidas protetoramente por Lorena e estavam aos pés da escada - as portas duplas e ricamente decoradas da sala de espera estavam fechadas, mas, vozes eram escutadas através delas - quando Fleur parou e voltou a se virar para prima, perguntando:

— Onde está Phillipe?

— Ele se juntou aos seguranças de grand-mére na busca por Othon. O aparente namorado de sua irmã também, assim como seu tio Raoul. - Lorena respondeu de pronto e os seus olhos acinzentados denunciaram o seu nervosismo, desviando-se para as portas duplas. Fleur suspirou, Othon estava acuado e poderia tornar-se perigoso nessa condição, o seu temor motivou-a a segurar a mão de Hermione.

As duas se olharam e a morena deixou que o calor de seus olhos castanhos pudesse secar as lágrimas que começavam a se formar nos olhos azuis cerúleos. O universo paralelo, a liberdade e o amor que degustaram nas últimas horas pareciam sufocados diante da pesada aura que ocupava a Mansão. Naquele ambiente, faltava espaço para a grandiosidade do que sentiam.

As mãos de Fleur se tornaram frias ao toque de Hermione e a palidez em sua pele se tornou mais intensa e doentia. A morena aproximou-se preocupada e tocou o belo rosto, trazendo-o para perto do seu e tentando, em vão, alcançá-la no pânico. Fleur continuava inquieta, continua fria e continuava amedrontada. Hermione olhou para Lorena que logo entendeu, a prima abraçou os ombros de Fleur e a guiou de volta para a cozinha.

Hermione se viu, mais uma vez, aos pés da escada dos Delacour à espera de algo. Daquela vez, não esperou pela imagem avassaladora de Fleur e sim, por um pouco de justiça e, essencialmente, pelo fim de todo aquele sofrimento ao qual Fleur estava exposta. E, mais uma vez, uma Delacour a interrompeu. Não foram os elegantes saltos de Apoline, muito menos, os comentários irônicos de Gabrielle que chegaram aos seus ouvidos.

O que a britânica escutou foram passos pesados e um francês rápido murmurado. Hermione se virou e encontrou as portas duplas abertas, a figura imponente de Éponine Delacour a observava enquanto, Apoline e Gabrielle passavam por ela, em busca de Fleur. A morena, preocupada, virou-se em direção à mãe e à irmã, mas, a imperativa voz de Éponine a manteve no lugar:

— Nós precisamos conversar e eu não aceito uma recusa, mademoiselle Granger.

Hermione virou-se para a senhora e por mais que ela inspirasse respeito, não sentiu medo. Entretanto, o seu coração batia desenfreado em seu peito, ansioso por dar a Fleur o apoio que ela sabia que a francesa precisava. Estava dividida entre o que devia e o que queria fazer. Os seus olhos castanhos olharam para os azuis prateados de Éponine e ela, relutante, acompanhou a anciã para dentro da sala de estar.

O copo de água com açúcar foi levado por mãos trêmulas aos lábios de Fleur. Ela engoliu o líquido gelado e adocicado com dificuldade, a sua garganta estava seca e arranhava, manifestando uma das muitas dores que ela sentia no momento. Fleur espalmou as mãos na mesa na qual Àgnès prepara seus pratos e elas estavam trêmulas, irreconhecíveis.

Fleur olhou para Lorena e a prima colocou as mãos sobre as suas, unindo-as. A expressão compreensiva e silenciosa de Lorena retirou um pouco da carga que machucava os ombros da chef. Fleur sentia como se todos os sentimentos resguardados em relação à França tivessem ressuscitado, aquela situação era pior do que o que tinha vivido com Hermione ao contá-la o que acontecera entre ela e Othon.

Tudo era pior porque, além de seu sofrimento e de suas justificativas, estaria enfrentando as pessoas que abandonara por causa de quem lhe tirara a coragem e a liberdade. Durante todos os anos na Inglaterra em que lutara para reencontrar a felicidade, Fleur sempre sentira que uma parte sua ficara na França. Não somente aquela que pertencia aos que amava e sim, a outra que Othon roubara, violentamente, de si mesma.

Othon arrancara os seus sonhos juvenis e pisoteara em suas esperanças imaturas, ele tomara parte de sua vida quando ela não estava disposta a entregar. E agora, depois de tantos anos, ele voltava a querer o pouco que ela tinha recuperado... Desde que pisara na França, ela soube que, em algum momento, a sua coragem vacilaria.

Não esperava que fosse justamente agora, assim como não esperasse que a verdade, perdida no passado, viesse à tona.

Os passos que vieram do corredor sobressaltaram Fleur, Lorena olhou por cima dos ombros e relaxou quando visualizou a tia e a outra prima.

Apoline caminhava apressada, mas, parou bruscamente na entrada da cozinha assim que contemplou a postura frágil e trêmula de Fleur. Os olhos da mãe choraram, assim como os olhos da filha. As duas se perceberam e, no silêncio das lágrimas derramadas, a amargura de Apoline se perdeu na dor que Fleur carregara, corajosamente, durante todos aqueles anos.

Naqueles minutos em que se olharam, mãe e filha se perdoaram. A partida inexplicável de Fleur se fez entender e toda a frieza de Apoline se derreteu no calor do amor materno que ela negara-se a sentir, mesmo quando teve saudade da filha. Nenhuma das duas se aproximou, mas, elas jamais se sentiram tão próximas.

Apoline sorriu o sorriso de quem pedia desculpas e Fleur agitou a cabeça, deixando claro que elas não eram necessárias. Contudo, os ombros caídos de Apoline denotavam quão falha ela se sentia, a elegância de seus gestos de gestora se perdera na bagunça de seus sentimentos de mãe. A senhora, sempre resoluta e segura de si, abraçou os próprios ombros.

Lorena olhava de uma para a outra, sem saber a quem consolar e, também, sem perceber Gabrielle. A caçula passara pela mãe, ignorara o que ela dividira com Fleur e se lançava, aos prantos, nos ombros da irmã mais velha. Fleur foi pega de surpresa, mas, ao sentir Gabrielle novamente próxima de si, sem segredos a esconder e sem mentiras a contar, abraçou-a.

As duas irmãs pareceram, finalmente, se reencontrar. A tarde do dia anterior não parecia tão intensa quanto aqueles minutos em que permaneceram grudadas uma à outra. O corpo de Gabrielle parecia ter se encolhido nos braços da irmã mais velha, só que, ainda assim, ela se agigantara. A sua força inconseqüente atravessou a sua pele e adentrou no peito de Fleur. A pequena se erguia pela maior e, principalmente, se fazia forte por aquela que, quando pequenas, foi a sua guardiã.

A tríade feminina daquela porção da Família Delacour finalmente se reencontrara. A compreensão não foi feita de palavras e sim, de gestos. As lágrimas culpadas de Apoline curaram a dor de Fleur que se revelava ao mundo assim como o abraço forte de Gabrielle juntara os pedaços que Fleur deixara na França.

E elas se uniram intensas quando Apoline abraçou as duas filhas - que não mais cabiam em seu colo e eram enormes para os seus pequenos braços - junto a si. Ela também não se esqueceu da sobrinha que, tão fielmente, protegera a sua filha. Lorena também se viu, acanhada, presa no emaranho de braços, suspiros pesados, choros e perdões.

Após alguns minutos de silêncio, uma a uma, elas se afastaram. Apoline manteve uma de suas mãos nas costas da filha e massageou a tensão nos ombros frágeis. Gabrielle secou as próprias lágrimas antes de colher as da irmã e Lorena apertou a mão da prima. Fleur olhou para cada uma delas, dos olhos azuis parecidos com os seus aos acinzentados tranqüilos de Lorena. Ela sabia que tinha a força de Hermione consigo, mas, nem mesmo essa - tão inabalável e intensa - se comparava ao que encontrava ali.

Aquela força de laços de amor inquebráveis porque eram fortalecidos pelo sangue. A sua família voltara a ser o que se lembrava e o que ansiava ter de volta. A França deixara de ser uma cicatriz em seu passado e passara a ser a cura para o seu futuro.

Apoline se aproximou e beijou os cabelos de Fleur, depois, de Gabrielle e, por fim, os de Lorena. Ela olhou emocionada para cada uma das meninas Delacour e sussurrou compreensiva:

— Só falaremos do que quisermos e só explicaremos aquilo que for necessário.

A frase dirigia-se, explicitamente, para Fleur. A mais velha suspirou, ela realmente não queria falar sobre o seu passado agora, pois, sabia que teria que enfrentar a avó e Othon logo. Tudo o que queria era se abraçar à mãe, ser consolada pela irmã e ser apoiada pela prima.

Por isso, ela ficou em silêncio e abraçou a cintura da mãe, encostando a cabeça no ventre dela e fechando os olhos. Daquela vez, o seu silêncio foi compreendido e respeitado. Fleur, dessa vez, não partiu para distâncias inalcançáveis para sua família. Ela preferiu ficar.

# # # # #

Mal entrara e as portas voltaram a se fechar às costas de Hermione, assim como o som do trinco se fez escutar no silêncio absoluto da sala de estar. A morena observou, pelo canto dos olhos, Éponine se movimentar em silêncio e de maneira decisiva pela sala. A senhora alcançou uma das elegantes poltronas e se sentou, fez um sinal com as mãos para que Hermione se sentasse naquela a sua frente e aguardou.

Hermione obedeceu, Éponine esperou pacientemente e decidida enquanto a morena se arrastava em suas roupas, da noite anterior, amassadas. Hermione se sentou e ajeitou a gola de sua camisa social, seu blazer foi abandonado no encosto da cadeira. A senhora pigarreou e, com a voz grave, perguntou:

— Sabe por que está aqui, enfant?

A pergunta pegou a britânica de surpresa mesmo sabendo que Éponine tinha pleno conhecimento de toda a situação que envolvia Fleur e Othon. A anciã Delacour era uma figura difícil de ser analisada e o fato de tê-la visto somente uma vez antes dessa séria conversa tornava tudo ainda mais complicado de ser interpretado. Hermione respeitava figuras mais velhas e de autoridades como ninguém, por isso, nutriu-se de sua boa educação para responder:

— Eu imagino e com todo o respeito... Não acho que deva falar comigo, senhora. É Fleur quem precisa de suas palavras.

— Eu sei o que parece, mas, eu não falhei com ela, mademoiselle. - Éponine respondeu séria, praticamente impassível, exceto pelos olhos... Os olhos dela carregavam uma culpa tão expressiva que não pode ser dissimulada. Hermione endireitou a sua postura e encostou-se no estofado da poltrona, surpresa. - Eu sempre desconfiei das circunstâncias que levaram a minha neta e herdeira a deixar a França e jamais acreditei que tudo foi feito por amor.

As palavras duras de Éponine incomodaram Hermione, o que ela dizia era importante, mas, as suas crenças em relações aos sentimentos eram decepcionantes. Talvez, a idade tivesse nublado os seus julgamentos e Hermione se encontrava, realmente, ansiosa por verdades que não sabia se queria ou deveria ouvir.

Os olhos cerúleos eram astutos, semelhantes aos de Fleur, mas, não carregavam a vivacidade que tornavam os olhos que Hermione amava tão peculiares. Pelo contrário, Éponine parecia pragmática e a morena não sabia determinar se isso era fruto da vivência ou se ela, sempre, fora assim.

— O que eu quero dizer é que Fleur não seria capaz de nos deixar sem que algo extremamente grave não tivesse ocorrido. - A anciã completou o seu raciocínio, esperando que Hermione tivesse algo a acrescentar no silêncio de suas palavras, contudo, a morena estava mais preocupada em escutar e, principalmente, observar. Éponine juntou as mãos sobre o colo e respirou fundo, mesmo severa, ela parecia muito cansada. - Eu conheço os meus netos muito bem. Sei que Gabrielle é uma cabeça de vento e que Lorena é boa demais para esse mundo, assim como sei que Phillipe tem um caráter maravilhoso e que Othon é totalmente o oposto dele.

— Se a senhora sabia que Othon era desprezível, por que confiou os negócios da família aos cuidados dele? - Hermione não agüentou e, finalmente, falou. O respeito que sentia pela chefa da família Delacour se perdeu ao escutar essa confissão dela, se Éponine tivesse agido anteriormente, Fleur poderia ter voltado e não teria sido exposta a tanto. Provavelmente, não teria conhecido a chef... Mas, isso não importava. Éponine poderia ter evitado todo aquele sofrimento que castigava Fleur cruelmente.

Éponine Delacour manifestou o seu primeiro sinal de humanidade falha, os olhos azuis cerúleos abandonaram os olhos castanhos e contemplaram, ternamente, o chão. A senhora, naquele momento, pareceu ter todos os anos que carregava e as marcas de seu rosto se tornavam mais expressivas. A culpa a envelhecia e a machucava tanto quanto o passado machucara Fleur. Éponine engoliu em seco e voltou a olhar Hermione para respondê-la:

— A melhor forma de conhecer um homem é colocando-o em uma posição de poder. Com Othon como aprendiz e liderando os negócios, eu pude ver a arrogância escondida em sua boa educação assim como a ganância mascarada por sua ânsia em me agradar. E, dessa forma, também percebi a distância que o separava do irmão. Phillipe teria se afastado da família se Lorena não fosse tão importante para ele. Eu fingi não dar ouvidos ao que minha própria filha dizia para que Othon se sentisse seguro e cada vez mais desinibido. Infelizmente, eu tive que fragilizar toda a família para trazer Fleur de volta.

Se as palavras anteriores da anciã tinham provocado revolta em Hermione, essas lhe calaram. A mente da morena começou a trabalhar intensamente, juntando os pedaços que faltavam para o quebra-cabeça dos Delacour. Tal qual Apoline, Raoul e Gabrielle, Éponine amava Fleur de tal forma que fora incapaz de deixá-la ser feliz em outro local sem as devidas explicações convincentes para a sua partida.

Diferentemente do que parecia, Éponine jamais se esquecera de sua neta e isso era intenso de tal forma que ela arriscara tudo para tê-la de volta.

— A partir de quem era Othon nos negócios, eu pude deduzir o que ele era para Phillipe e Fleur. Minha memória é muito boa, mas, a idade a prejudica bastante. Eu demorei a me recordar dos olhares lascivos, da proximidade desnecessária e da intensidade agressiva que Othon imprimia a tudo que estava relacionado a Fleur. - Éponine falava cada vez mais rápido e o sotaque atrapalhava a compreensão de suas palavras, mas, Hermione permanecia em silêncio e determinada a escutar tudo o que aquela mulher tinha a lhe dizer. Ainda não entendia o por que daquela conversa, contudo, sentia que precisava estar ali. - Quando, por fim, tive uma ideia do que acontecera no aniversário de 19 anos de Othon, era tarde demais para consertar. Mas, não era tão tarde para me redimir. Eu sabia que só teria chance se Fleur estivesse aqui.

— Por que esperar tanto tempo? Você poderia ter trazido Fleur antes. Poderia tê-la poupado de anos de dor e silêncio! - Hermione argumentou sem qualquer indignação porque, mesmo estando ali por Fleur, ela ainda compreendia a senhora. Todavia, a dúvida ainda existia e ela precisava que a senhora a sanasse. Éponine a olhou, séria, mas, um sorriso desenhou-se em seus lábios rachados. Hermione franziu a testa e a anciã, orgulhosa, respondeu:

— Eu precisava que alguém como você aparecesse na vida dela, alguém que a apoiasse e lutasse por ela. Quando os meus fotógrafos enviaram as imagens de Fleur, saindo de seu apartamento, leve e sorridente... Eu me lembrei da Fleur que corria de mim nas cozinhas dos meus restaurantes. A minha herdeira, ma belle fille...

As lágrimas chegaram aos olhos azuis de Éponine e calaram a sua voz. A senhora levou uma das mãos à boca e soluçou e Hermione, insegura, segurou a mão dela que ainda repousava sobre o colo. Éponine limpou as lágrimas com um elegante lenço de seda e continuou lacrimosa, mas, firme:

— Eu disse, no começo da nossa conversa, que duvidava que ela tivesse partido por amor... Mas, olhando para vocês duas, eu sei que ela voltou justamente por isso. Essa conversa é apenas para deixar claro que eu sei e aprovo, mademoiselle Granger.

As palavras faltaram a Hermione. Em todas as suas predições, não esperava que a razão daquela conversa fosse o que tinha com Fleur e, muito menos, esperava que Éponine Delacour explicasse as justificativas de seus atos a ela. A britânica, sem palavras e emocionada, não conseguiu manifestar-se com palavras. Olhou para a sua mão jovem entrelaçada a mão idosa de Éponine e apertou-a, a senhora lhe sorriu compreensiva e apertou-a de volta.

Um mudo gesto de aprovação e, principalmente, de gratidão.

O silêncio tão confortador foi bruscamente interrompido por fortes batidas nas portas. Hermione se levantou antes que Éponine pudesse fazer o mesmo e destrancou as portas, abrindo-as. No portal, Othon era ladeado por dois seguranças. O rosto dele estava deformado pelos tons arroxeados e os ferimentos causados pelos punhos de Hermione, porém, ele sequer a temeu quando a viu.

Pelo contrário, um sorriso desafiador brotou em seus lábios rachados e mesmo com um dos olhos inchado e arroxeado, Hermione conseguiu discernir a arrogância e, principalmente, o desdém nos orbes azuis frios. A morena apertou a maçaneta de uma das portas, a ponta de seus dedos estava esbranquiçada diante da força que imprimiu ao aperto. Os seguranças deram um tranco nos ombros de Othon e ele se viu obrigado a entrar, ele suspirou afetado e comentou irônico:

— Que ótimo revê-la, mademoiselle Granger. A senhorita me poupou de ter que procurá-la para terminarmos o nosso assunto.

Hermione compreendeu que Othon tentara parecer ameaçador, contudo, diante de um físico tão mal tratado, a morena só teve pena da pequenez do caráter e da inutilidade de suas ameaças. Diferentemente de Éponine que olhava enojada para o neto, a senhora voltara a portar um ar severo e distante, quase que intocável. Os lábios se franziram, acentuando as rugas de expressão que os contornavam e ela, amarga, disse:

— Ainda que tivesse assunto a tratar com mademoiselle Granger, isso não lhe impediu de fugir, não é, Othon?

— E eu deveria fazer o que, grand-mére? Essa louca quase me matou e a senhora ainda deu razão a ela! Eu espero que a madrugada tenha clarificado o seu juízo e também espero que possamos resolver isso sem demora! - Othon realmente era um sujeitinho deprimente e inferior, ele falava como se as suas palavras ainda pudessem valer alguma coisa. Éponine bufou chateada e ele pareceu compreender que a situação não lhe era favorável.

Discretamente, os ombros de Othon caíram e ele manifestou os primeiros sinais de fraqueza. Os olhos azuis abandonaram a frieza e assumiram um ar temerário, lentamente, os tremores tomavam conta de suas mãos feridas e ele estudava os dois seguranças que o ladeavam.

Nesse momento, no início da queda de Othon Delacour, os demais membros da família entraram na sala de estar e ela pareceu subitamente pequena para a quantidade de gente. Viktor e Gabrielle mantiveram-se próximos a porta, mas, Apoline passou por todos, colocando-se ao lado da mãe e ignorando a presença do sobrinho, Raoul fez o mesmo. Lorena e Phillipe entraram, ladeando Fleur que também ignorou Othon ao passar por ele.

Hermione teve que manter-se no controle para não enlouquecer diante do olhar repleto de ganância que Othon dedicara a Fleur. A chef aprumou a postura e sentou-se no sofá, Hermione apressou-se em sentar ao seu lado e Othon olhava para as duas, dessa vez, a frieza em seus olhos voltara e fazia companhia à fúria silenciosa.

Ele sabia o que elas eram.

— Pode ter certeza que a madrugada iluminou a mente de todos nessa sala... Não precisa mais dissimular, todos sabemos, Othon. - Phillipe fez um esforço tremendo para falar, os seus punhos fechados evidenciavam que ele preferia agir no momento. Lorena beijou-lhe o ombro e suspirou, Othon olhou cético para o irmão, como se o caçula não fosse nada diante do que ele mesmo era. Éponine passou a mão pela testa enrugada e, esgotada, disse:

— Não o trouxemos aqui para que se justificasse ou pedisse perdão, o que você fez é imperdoável. Eu apenas lhe trouxe aqui para que você tivesse que olhar nos olhos de todos que enganou antes de cair. Acabou, Othon. Você não significa nada para nós, como administrador e, principalmente, como parente. A partir de hoje, você não pertence a essa família.

Othon fechou os olhos inchados e arroxeados, apertando-os com muito esforço. Ele ficou em silêncio por alguns segundos e, depois, gargalhou. Uma gargalhada que desafiava as ordens de Éponine e que provocava confusão nos demais, Fleur tateou e encontrou a mão de Hermione, apertando-a entre as suas. Othon retomou o ar e, maquiavélico, respondeu:

— Vocês não podem me tirar a Cuisine Delacour, na situação em que estamos, a remoção do CEO da empresa só vai piorar tudo.

— Não se trata de negócios e sim, de família, Othon. - Éponine voltou a se manifestar esgotada, agora, Hermione sabia que ela estava se esforçando para terminar tudo da melhor forma. Muito estava envolvido na remoção de Othon e muito poderia ser perdido. Os Delacour, ainda assim, estavam preferindo perder um negócio familiar a, de fato, perder a unidade como família.

Distante da conversa, Viktor Krum sussurrava palavras calmantes para uma Gabrielle descontrolada. Os olhos dela estavam elétricos e ela parecia estar prestes a avançar sobre Othon. Phillipe também não estava no melhor dos seus estados e Raoul só não estava fora de controle porque a mulher o mantinha no lugar, enlaçando a sua cintura.

Hermione, porém, estava solta e, principalmente, furiosa. Ela queria tirar aquele sorrisinho convencido do rosto de Othon, assim como queria agredi-lo até que ele admitisse e, principalmente, se humilhasse pelo perdão de Fleur.

Mas, aquilo não foi necessário. Diante de mais um gesto despreocupado de Othon, foi Éponine Delacour quem perdeu o controle. Ela olhou diretamente para um dos seguranças e, no instante seguinte, Othon recebeu um soco no abdômen que, instantaneamente, tirou-lhe o ar. Ele caiu de joelhos, ofegante, enquanto nenhum dos presentes parecia ter misericórdia diante de seu sofrimento.

Hermione olhou para Fleur e ela desviara os olhos, chorosa. A morena entendeu que ela não queria que as coisas se resolvessem daquela forma, mas, era preciso. O que começara com violência deveria acabar da mesma forma, dois pesos e duas medidas, a forma de justiça mais cruel e, ainda assim, mais resoluta que existia. Hermione, ainda assim, segurou a face de Fleur e a trouxe em sua direção, Fleur suspirou profundamente e olhou em seus olhos. A morena lhe sorriu, incomodada pela situação, e sussurrou:

— Nós não precisamos ver isso se não quiser, mantenha os seus olhos em mim se isso lhe faz sentir-se melhor.

A chef sorriu e acenou afirmativa, os olhos azuis pareciam mais brilhantes de ternura do que de lágrimas. Elas foram interrompidas por mais uma série de ruídos confusos, Hermione se colocou em pé, protetoramente, em frente a Fleur quando os seus olhos discerniram os movimentos animalescos de Othon. Ele se jogara em direção a elas, mas, fora imobilizado pelos seguranças. O rosto de Othon se avermelhara e ele gritava:

— Como vocês podem permitir isso debaixo do nosso teto?!

— Quem é você para dizer isso?! - Raoul, finalmente, perdeu a calma. Ele se desvencilhou do aperto da esposa e marchou em direção a Othon. O mais jovem não abaixou o olhar diante de toda a severidade do tio e Raoul apontou-lhe o dedo, furioso. - Nós não deveríamos ter deixado Fleur ir embora depois do que você fez a ela!

Os membros da família não queriam que aquela parte da situação fosse trazida à tona, até para proteger Fleur. Contudo, Raoul perdera a cabeça e, também, o bom senso. O pai se arrependeu das palavras no instante que as compreendeu, ele olhou desesperado para a filha e Fleur, resiliente, suspirou. Era dolorido, mas, era seu pai... Ele não queria machucá-la.

Mais uma vez, a risada de Othon Delacour distraiu e confundiu a todos. Phillipe também perdeu a paciência e se lançou a frente, mas, Lorena o puxou de volta e o apertou junto a si. Viktor teve menos trabalho com Gabrielle e Fleur se ergueu em pé, também mantendo Hermione próxima de si. Os olhos de Othon passaram por cada um dos familiares e, por fim, permaneceram em Fleur. O sorriso se perdeu em seus lábios e ele disse intenso:

— O que você acha que eu fiz com você, ma belle cousine? Você é diferente, eu não fui capaz de fazer com você o que estava acostumado a fazer com as outras... Eu até comecei, mas, não terminei. Quando eu me vi sem ação diante de você, tão vulnerável, eu entendi que lhe amava e, por isso, parei. Eu não fiz nada no passado, eu não mereço isso que está acontecendo, eu...!

Othon não terminou as suas justificativas, pois quem avançou e o interrompeu, dessa vez, foi Apoline. As mãos da tia fecharam-se no rosto do sobrinho e ela o apertou. Os seguranças lutaram bravamente para conter a mulher, mas, as unhas delas deixaram rastros sanguinolentos no rosto muito ferido de Othon. Apoline foi jogada nos braços do marido e ainda se debatia enquanto gritava:

— E você acha que a sua palavra vale alguma coisa?! Acha que o fato de não ter continuado o torna digno da minha filha? Isso não era amor, nunca foi! Você não merece pertencer a essa família! Crétin! Scélérat! Maudit!

O clima se tornara tenso, mas, Fleur Delacour parecia alheia a tudo. Os seus olhos azuis cerúleos estavam perdidos, confusos, indo da mãe descontrolada para o primo sangrante e chocado. Othon, no meio de toda aquela confusão e fúria, parecia, finalmente, derrotado. De alguma forma, motivada pela antiga conexão que tivera com ele, ela pensou que, talvez, ele falasse a verdade.

Dolorosamente, Fleur atravessou a realidade e concentrou-se em suas memórias. Lembrou-se da dor de cabeça intensa, dos lençóis brancos de seda perfumados que envolviam o seu corpo... Também se lembrou de Othon, em pé, ao lado da cama. O primo a olhava de forma estranha, como se estivesse perdido dentro de si ainda que quisesse enxergar apenas a ela. As palavras de Othon despertaram algo nela e ela se lembrou.

Contudo, as lembranças jamais determinariam se ele falava a verdade, agora. A confiança que tinha nele se perdera, há muito tempo, e Fleur não estava sequer disposta a querer recuperá-la. Em pé, ela caminhou entre os pais, trazendo Hermione consigo. Finalmente, parou em frente a Othon e, novamente, o silêncio se fez presente na sala de estar.

Othon olhou para Fleur, fragilizado e envergonhado. A francesa puxou Hermione para ficar ao seu lado e as suas palavras soaram impessoais quando ela as disse:

— Eu não me lembro de nada, somente você sabe a verdade. E ainda que nada tenha acontecido, nada, nem mesmo o amor que diz sentir, justifica ter me feito sofrer com o que eu pensei ter ocorrido. Isso não é amor, Othon. - Fleur apertou a mão de Hermione e levou as mãos entrelaçadas aos seus lábios, beijando-as e sorrindo para o acelerar inquieto de seu coração. Hermione corou e Othon grunhiu, procurando palavras que não foram encontradas a tempo. - O que eu tenho com Hermione é amor... E, amando-a e tendo-a comigo, eu não quero e nem preciso conceder o perdão que você procura ou escutar as suas justificativas das quais a natureza real somente você sabe. Você não é nada para mim, Othon. E os atos de perdoar e de ouvir eu dedico, somente, àqueles que me importam e que eu amo.

Hermione observou atônita quando Othon Delacour destruiu-se diante de seus olhos. O homem avançou, esbravejou, mas, os seguranças o carregaram para fora da sala de estar sob o olhar orgulhoso de Éponine Delacour para a sua neta e herdeira. A tensão abrandou-se na sala à medida que Othon se afastava de suas visões e Hermione tentou se virar, para observar a reação dos outros, quando sentiu a mão de Fleur em sua cintura, mantendo-a no lugar.

No meio da sala, cercada pelos seus familiares, depois de dizer um segredo que a machucava, Fleur Delacour beijou Hermione Granger.

A francesa sorriu diante da surpresa da morena e aproveitou-se dessa confusão para apertá-la junto a si e tomar o domínio de beijo. Hermione ofegou em seus lábios enquanto alguém, provavelmente Phillipe, assoviava e batia palmas ao fundo. Contudo, tudo que Fleur conseguia escutar era a respiração desenfreada de Hermione e com ela tão próxima, podia sentir que o seu coração batia no ritmo do dela.

Com o beijo delas, elas colocaram um fim naquilo que as trouxera a França. Othon não importava, não agora que Fleur fora forte o bastante para dizer a verdade oculta e Hermione fora firme o bastante para defendê-la de todos que a julgaram. O que viria depois era um mistério, mas, elas estavam juntas.

As duas, depois de tantos desencontros, conseguiram fazer a França valer à pena. O dia que se fizera presente de forma intimidadora acabara de ser convertido no mais sublime recomeço que elas poderiam desejar.

E o recomeço, assim como a última noite que dividiram no apartamento em Belleville, parecia ter um caráter eterno tal como as noites boêmias de Paris.

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Notas finais do capítulo

Como eu disse, espero que tenham se divertido e que eu tenha feito essa demora toda recompensar.

Para os curiosos, foi exatamente o hot que me travou. Depois dele, as coisas fluíram e eu consegui escrever rápido.

Quanto ao "fim" do plot de Othon, eu gostaria de dizer para não se chatearem. O verdadeiro destino dele ficará evidente no próximo capítulo (acrescente mais um e Fleur e Hermione ficarão mais um tempinho na França). Mas, basicamente, eu espero ter deixado claro que ela realmente não fez algo a Fleur, mas, deixou que ela pensasse que tinha acontecido algo. E isso, de forma alguma, foi feito para redimi-lo e sim, para tornar evidente que ele é desprezível e manipulador, ele a deixou sofrer todo esse tempo, mesmo sabendo o que ocorrera. Sei que muita gente não esperava por isso, mas, eu estava um pouco incomodada com esse passado de Fleur... Quando eu comecei a fanfic, eu não tinha certas opiniões que tenho agora e eu senti que, de alguma forma, eu romanceei o abuso ao colocar a Hermione apoiando-a. Eu nunca quis isso, não era a minha intenção e, por isso, essa mudança narrativa. Espero que me compreendam, mas, era algo que me incomodava bastante.

Bem, é isso... Espero que tenham gostado, deixem as suas impressões nos comentários e, se quiserem, em uma recomendação.

Nos vemos na próxima fanfic ou capítulo, beijos!
(@redfieldfer).