Bem, se o nosso destino está escrito nas estrelas, elas estão com preguiça de trabalhar. Após aquele dia, Marco nunca mais me dirigiu nenhuma palavra que não fosse um cumprimento breve de puro protocolo. Rapidamente o meu anjo que saíra do teto da Capela Sistina se uniu à nata a qual pertencia, sendo escoltado diariamente pelas pessoas as quais eu menos simpatizo na sala. Sem falar das lindíssimas mulheres que o cercam. Por que, Deus, por que há tantas mulheres perfeitas no Rio de Janeiro? E por que tantas delas cursam Direito na Maria de Mattias? A minha concorrência é grande, muito grande. Desleal. A maioria dos alunos daqui pertencem à famílias de classe alta: filhos de empresários, de advogados renomados e de ladrões (subentende-se políticos). Eu apenas sou uma garota que muito se esforçou e conseguiu aos trancos e barrancos uma bolsa de 50%, e vivo contando moedas para racionalizar o salário de professora de Ensino Médio da minha mãe. Além de ricas e finas, as alunas daqui possuem descendência estrangeira e sobrenomes autênticos e dificílimos de pronunciar. Entre Schoenenberg, Altovski e Kowalik, lá está o meu Silva e Santos.

_ Qual seu nome completo? – Uma vez perguntou a funcionária da central de atendimento da faculdade.

_ Eleonora Silva e Santos.

_ Eleonora Sílvio Santos? – A funcionária repetiu, franzindo o cenho e com um lápis mordido pendurado no canto da boca.

Puta merda. Ela só podia estar de zoa com a minha cara.

_ Silva e Santos – Pronunciei pausadamente, relembrando mentalmente a frase-chave da meditação Hooponopono que minha mãe realizava todas as manhãs: eu sinto muito, me perdoa, obrigada e eu te amo.

As alunas daqui têm cabelos sedosos e de curvas perfeitas, que se iniciam lisos e terminam em cachos volumosos e delineados. Inicialmente concluí que eram obras do milagroso babyliss Miracurl, mas se realmente fossem, haveria algum dia em que elas chegariam à faculdade com o cabelo tão genérico quanto o meu. Então só existia uma única explicação: eram obras da caprichosa natureza.

As alunas daqui possuem olhos cor de azul, verde, azul com verde, verde com castanho e até o castanho puxa para o tom de avelã. Suas peles estão sempre hidratadas, morenas, com marcas bem visíveis do biquíni e os poros do rosto tão fechados que suas faces parecem enxertos da bunda de um bebê. Todos os dias usam roupas de marca e estas jamais se repetem, não, não, isto seria um absurdo. Bolsas da Michael Kors (acho que é assim que se escreve), Victor Hugo e Louis Vuitton (sou a única que acho aquela estampa coisa de gente velha?). Contudo, seus perfumes possuem marca unânime: Channel número 5. Os óculos Ray Ban estão sempre descansados no topo da cabeça, e suas unhas estão sempre feitas assim como as sobrancelhas. Eu mal tenho tempo para dormir, quem dirá ir ao salão de beleza toda semana!

Você deve estar me achando uma pessoa com terrível baixa auto-estima. Não é exatamente por aí. Considero-me uma garota realista, com os pés amarrados e presos ao chão por dois grilhões de chumbo: eu sei que estou um pouco acima do peso, que tenho pontas duplas (sem falar do frizz), sou mais baixa que a média brasileira e que sou presenteada de vez em quando com uma espinha nojenta a qual sempre nasce no meio da testa. Mesmo assim, não me julgo uma garota feia. Olho-me no espelho e até digo “ei, hoje estou com o mojo” – às vezes com a voz do Austin Powers (quando ninguém está por perto). Uma calopsita pode ser considerada um pássaro bonito, mas quando comparada a um pavão, não restam dúvidas de quem é o mais belo. Entende o que quero dizer?

Então a única alternativa que me sobrou foi observar Marco de longe, não tão de longe, pois a gente costuma ficar a quinze metros de distância nas aulas. Analiso, estudo, aprecio e sugo todo e qualquer ínfimo detalhe que posso arrancar daquele italiano, chegando a se tornar uma obsessão (os mais radicais diriam que sou uma stalker). Você pode me perguntar, já fiz todos os tipos de testes que se pode encontrar na Internet.

Primeiramente, descobri se os nossos signos combinam. Eu sou de Touro, ele é de Gêmeos. O perfil de um homem gemininano não é nem um pouco animador: possuem espíritos aventureiros e não gostam de se sentirem presos, nem se tratando de relacionamentos. Logo, é o signo com o maior índice de traições do zodíaco. Péssimo sinal. A mulher taurina, pelo contrário, esforça-se a todo custo para manter sua lealdade e fidelidade. Após de muita embromação com palavras difíceis e explicações sem nexo, concluí que nossa combinação nem fede e nem cheira.

Em seguida, li um manual sobre linguagem corporal. Neste falava que quando um homem está interessado numa fêmea, ele lança mão de artimanhas para ressaltar sua virilidade: ele conversa com as pernas abertas para evidenciar sua genitália (agora não consigo mais conversar com um amigo sem observar este fato), não coloca os cotovelos sobre a mesa para não indicar monotonia e se olhar nos olhos por mais de três segundos: bingo! É paixão arrebatadora. Agora só me restava lembrar se Marco estava almoçando de pernas cruzadas ou abertas, braços sobre a mesa ou recolhidos, se havia me olhado por mais de três segundos ou menos. Ah, definitivamente não me recordava. Segundo a ciência, hipnose é uma ótima maneira de lembrar detalhes que a mente descarta…

O meu desespero é tamanho que até sua letra eu examinei. Professores de universidade geralmente são preguiçosos, então invés de fazerem a chamada preferem passar uma lista com assinaturas. Na minha vez de assinar, procurei pelo nome do meu príncipe libertino e lá estava: Marco Lorenzo Vittorelli. Escrito com letras deitadas, curtas e maiúsculas desenhadas. Significa que ele é um cara determinado, incisivo. Ah, eu adoro homens cheios de atitude…

O fato é que, enquanto as estrelas não trabalham, o que me resta é esperar. E eu não sei exatamente o quê estou esperando. Essa ânsia no meu peito apenas cresce e cresce, como um animal não adestrado. A paixão é uma doença, e eu não estou com vontade de me curar.