Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 20
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Enjoy!



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Com as minguadas economias que juntei nestes últimos dois anos de pão-durice, fui até o shopping comprar uma roupa nova e decente que caiba nas minhas atuais proporções corporais. Após um suspiro e um corte no coração ao tirar até a última nota de dois reais da carteira, saio da loja com um vestido de renda cor azul marinho e aberto nas costas. Volto para casa e preparo um belo banho, com direito a sabonete líquido esfoliante e creme hidratante para os cabelos.

Hoje está marcado o encontro com Marco, às sete horas. Ainda não sei para onde vamos, e provavelmente decidiremos o local pelo caminho assim como surgira a ideia de Copacabana. A ansiedade mantém meu corpo inquieto e os sentidos ouriçados, fazendo com que meu coração bata mais forte que a escola de samba da Beija-Flor. Não sei ao certo se este sentimento se deve à realização de um conto de fadas ou por dar um passo em falso sobre uma areia movediça. Mesmo que eu continue a sonhar com aqueles olhos verde-oliva sendo meus para sempre, a verdade me cutuca no ombro e me faz lembrar que não, Marco não é meu e poderá nunca ser. Chego até a sentir uma pontada de ciúmes sobre o suposto amor europeu, que ainda nem sei de qual gênero se trata essa pessoa. Por enquanto quero acreditar que nesta noite me encontrarei com o Marco príncipe libertino, e tudo ocorrerá como é o de se esperar por ele.

Depilo as pernas, faço baby-liss, ponho maquiagem e um litro de perfume. Coloco o vestido que aperta minha barriga feito uma cinta, escolho um par de sapatos de salto alto (subentende-se salto de três centímetros). Sinto-me atraente, porém não tão atraente para conquistar um cara como Marco Vittoreli. De qualquer forma, eu já tenho um beijo garantido, e segundo ele, um de verdade.

Meu celular toca numa pontualidade britânica de exatamente um minuto para às sete da noite, e sua voz baixa e mansa ao pé do meu ouvido faz meus pelos eriçarem.

_ Estou aqui embaixo, linda.

_ Irei descer – Respondo, titubeante.

Apanho a bolsa de alça e vou para a porta do apartamento, porém sem antes de minha mãe implicar comigo. Ah, isso jamais.

_ Eu não acreditava quando me diziam que a gente cria filho para o mundo roubar... agora não tem jeito né, estou vendo com meus próprios olhos – Ela reclama, assistindo um programa de yoga na Discovery Home&Health.

_ Mãããe... hoje é um dos dias mais importantes da minha vida! É o meu primeiro encontro! – Retruco com brilho no olhar, sorrindo de orelha a orelha.

_ Deixa de mentira. Seu primeiro encontro foi com o Fred lá no Méier – Ela desmente, cética.

Eu bufo, tampando o rosto com a mão. De fato, esta ocorrência na minha vida aconteceu nos meus dezesseis anos, quando mamãe e eu estávamos voltando de carro para casa e o pneu furou. Fomos obrigadas a parar no primeiro borracheiro à vista, e lá um mecânico e seu filho, o tal Fred – um garoto de unhas sujas e rosto espinhento – nos atendeu. O Fred mais me olhou do que ajudou o pai, e eu, ainda muito inocente naquela época, não notei e disse para minha mãe que estava com fome. Como um araçá-boi doce e maduro que ela sempre foi, respondeu que os armários de casa estavam cheios de Trakinas aguardando por mim. Então, num momento galanteador e heroico, Fred se propôs a me levar no McDonald’s que tinha ali perto. Como dito antes, eu era uma boboca de categoria maior e topei, e o resultado disso foi um sanduíche quarteirão por um beijo na boca que logicamente não aceitei. Voltei para casa com fome e traumatizada.

_ Dessa vez é um encontro sério, mãe. Tipo, com o maior deuso da faculdade, senão do mundo! – Explico, com voz sonhadora.

_ Ah filha, você sempre soube que esses caras são problema. Se homem bonito não é safado, então é gay.

_ Mas o Marco não se encaixa nessa regra.

Não mesmo. Ele pode ser os dois.

_ Fazer o quê, às vezes a gente precisa quebrar a cara. Pelo menos você vai quebrar a sua com um belo vestido.

_ Gostou?

_ Sim, está maravilhosa. Divirta-se, meu amor.

Fecho a porta contemplando o sorriso plácido no rosto de minha mãe, com um toque de cansaço. Mesmo que ela pegue muito no meu pé e ainda tenha conceitos um tanto conservadores, sei que tudo gira em torno da sua preocupação comigo. Nunca foi fácil para ela assumir o papel de mãe e de pai, e o despreparo a fez se tornar superprotetora devido ao medo de errar na minha criação.

O Veloster prata está estacionado na calçada, e Marco pisca os faróis quando eu desço – como se eu não fizesse a mínima ideia de qual é o carro dele. Abro a porta e sento na poltrona, finalmente sabendo qual é a sensação de ocupar aquele posto depois de tantas especulações numa janela de ônibus. O painel eletrônico iluminado em azul reflete sobre o semblante de Marco, que me encara. Mas ele não apenas me encara, ele transmite uma mensagem, sem ao menos dizer uma palavra. Uma mensagem com alto teor de desejo, profundidade e domínio.

Sim, hoje tenho um encontro com o príncipe libertino.

_ Isso tudo é para mim? – Ele pergunta, deixando-me envergonhada no mesmo instante.

_ Talvez você mereça mais – Respondo, brincalhona.

_ Quando você encontrar esse mais nos limites entre o céu e a Terra, me avise – Ele fala com um sorriso de canto safado e irresistível, dando a partida no carro com uma aceleração que canta os pneus.

Marco também não menosprezou na vestimenta: está usando um suntuoso blazer cinza risca de giz com mangas pretas, e calça social. Seu cabelo dourado geralmente bagunçado de jeito rebelde está penteado de lado, com os fios lisos lhe cobrindo o início da testa. Ele está simplesmente espetacular desde o visual até o perfume amadeirado que tomou conta do interior do carro, tornando-se o tipo de homem que as mulheres olham e perguntam se tal perfeição é real.

_ Fiz reservas no Hans Bernhard. Conhece?

Hans o quê?

_ Hmm, não.

_ É um restaurante austríaco que fica no Alto da Boa Vista. Garanto que é um excelente lugar, não só pela vista magnífica, mas também pelo melhor sommelier que coincidentemente é amigo do meu pai.

_ E aposto que isso não influencia na sua avaliação – Deduzo.

_ Não, ele é bom mesmo – Marco afirma, rindo.

Subimos o Alto da Boa Vista entre suas ladeiras tortuosas e de paralelepípedos, entrando num condomínio fechado. O lugar é um pouco duvidoso, devido à falta de vida e baixa iluminação. Marco entrega a chave do carro para o manobrista e abre a porta para mim, e cruzando seu braço com o meu feito um cavalheiro do século XVIII, me conduz até o restaurante cuja fachada é constituída de apenas uma porta de madeira e uma pequena placa com o nome do estabelecimento. Descemos uma escada íngreme e estreita, cujas paredes de madeira nos esmaga. Que diabo de lugar era aquele?

De repente, todo meu conceito muda quando Marco abre as portas duplas no fim da escada: um amplo salão estilo rústico se revela, com mesas coloniais iluminadas por grandes velas aromáticas. Ao fundo, as paredes de vidro ostentam um incrível panorama da cidade revestida pela noite, com os pontos de luz infinitos delatando o trânsito caótico e a muralha de prédios da Barra da Tijuca. Antes que eu deixe escapar um elogio, um senhor bem vestido nos recebe e aperta formalmente a mão de Marco.

_ Quanto tempo, meu jovem – Ele saúda com sotaque italiano carregado.

_ Digo o mesmo, Giovanni.

_ Come sta tuo padre?

_ Occupato com il lavoro. Avete visitato Italia quest’anno?

_ Se potessi... chi è questa bela donna?

Acho que estão falando de mim....

_ Eleonora, amico mio. Eleonora, este é o famoso sommelier do qual falei.

_ Prazer conhece-la – Nós apertamos as mãos, e ele me devolve um sorriso complacente. – Reservei o melhor lugar da casa, a mesa de canto à esquerda – Ele nos conduz até ela, e nos sentamos um de frente ao outro. – Deseja o cardápio de vinhos?

_ Fico à sua sugestão, Giovanni. – Responde Marco, confiante.

_ Acabou de chegar um Château Villerambert-Julien 2004, que garanto não lhe deixar na mão com a bela moça. – Ele sugere de prontidão, dando uma olhadela para mim.

_ Então assim será – Concorda Marco.

O sommelier se retira e cá estamos, com as vigorosas velas entre nós e a imensidão do Rio de Janeiro literalmente aos nossos pés. Fito a paisagem que se separa de mim somente pelo fino diâmetro do vidro da janela e troco um olhar com ele, que mantém um sorriso convencido nos lábios.

_ Acertei ou não? – Ele pergunta.

_ Bem, visto que eu jamais esperaria um lugar desses, acredito que sim – Digo, deixando o vislumbre fugir pela voz. – Mas algo me diz que o tal Giovanni conhece muitas belas donnas suas.

Ele solta uma gargalhada contida e bem treinada.

_ Na verdade, você é a primeira. Eu juro. Não quero soar arrogante, mas acabei de gastar 150 reais neste vinho e não dá para pagar um jantar desses para muitas belas donnas.

_ Ah Marco, você nunca poderá utilizar dinheiro como desculpa.

_ Quão rico você acha que sou, Nora?

Franzo o cenho, fazendo um bico pensativo.

_ Do tipo tão rico que nem consigo mensurar quão rico você seja.

Ele meneia a cabeça, ajeitando a gola do blazer.

_ Se eu fosse tão rico assim, eu não dirigiria um Veloster. Não reclamaria por um vinho de 150 reais, quer dizer, não que eu esteja reclamando. Nem pensaria em fazer uma faculdade, para começo de conversa.

Afirmo com cautela, questionando-me se ele que é muito rico e não sabe ou se eu que sou muito pobre e não sei.

_ O.k., mas você vive um estilo de vida de ricaço. Tem gostos finos, roupas de marca, cultura internacional...

_ E desde quando etiquetas fazem um homem rico? – Ele contrapõe, apanhando o cardápio de pratos.

_ Não faz, mas ilude...

_ Hoje estou à mercê da escolha alheia. Decida você o nosso prato principal – Ele pede, entregando-me o menu.

Meus olhos correm pelos nomes estranhos, que vão desde ao pato com molho de ervas finas ao fígado de ganso. Meu rosto se comprime a medida que não encontro nada do meu agrado, até que como um salvador da pátria, surge o trecho dos Fondues. Mesmo assim, fico encabulada ao pedir uma opção tão infantil e simplista como o Fondue num lugar requintado como aquele. Mas dane-se, não há requinte que me faça comer uma ave que não seja galinha.

_ Me interessei pelo Fondue de chocolate...

O rosto de Marco se abre num alívio, e ele se abre no assento.

_ Ah, graças a Deus. Não suporto comer essas carnes exóticas.

_ Então por que me pediu para escolher?

_ A noite é sua, Eleonora. Eu quero que seja perfeita para você. E com Fondue, será melhor para nós dois. Ainda me considera o ricaço de gostos finos?

_ Eu não sei mais o que pensar sobre você, Marco.

_ Então não pense. Apenas me sinta. – Ele arrastou a sua mão até a minha, e pude sentir o calor dela. Ao erguer o olhar de volta para ele, encontro Marco se inclinando sobre a mesa, e seus lábios se selam sobre os meus com vontade. Sinto o calor das velas logo abaixo de nós, e penso se o fogo irá nos queimar, se minha língua está no devido lugar, se escovei os dentes suficientemente bem ou...

_ Eu disse para não pensar. Se concentre em nós – Ele sussurra a milímetros de distância da minha boca, e volta a mergulhar no nosso beijo sereno. Relaxo os músculos da face e deixo que ele conduza os movimentos, colocando a mão sobre minha nuca e a minha sobre sua mandíbula.

Escuto alguém pigarrear ao nosso lado, e nos separamos imediatamente. Giovanni retornou, segurando a garrafa de vinho e as duas taças. Marco faz um sinal para que ele prossiga, e o sommelier despeja um pouco do líquido vibrante sobre a taça para degustação. O italiano sente o aroma e belisca o vinho, assentindo com a cabeça e permitindo que Giovanni sirva as nossas taças. Enquanto isso, eu o contemplo com uma feição perplexa, e Marco me devolve um sorriso maroto.

Minha nossa, estou perdidamente louca por ele.

Que o vinho, o Fondue e todo o romantismo e suas crenças vão para os infernos, eu quero imediatamente um quarto com ele só para mim. Beberico o líquido de gosto forte e sinto meu corpo esquentar por inteiro. Assim que Giovanni sai de cena, Marco não hesita e volta a me beijar, com o sabor do vinho impregnado nos nossos lábios. Minhas mãos escorregam pelos seus cabelos curtos e orelhas, e ele passeia sobre as minhas costas desnudas. Não vejo a hora de alguém gritar “arrumem um motel”. No entanto, o desejo me faz não se importar, e eu quero mais dele, e eu sinto que ele também quer mais de mim.

Repentinamente, ouço um toque de celular e novamente somos interrompidos, com Marco procurando o telefone no bolso. É uma mensagem. Num segundo, ele esquece todo o fogaréu que nos envolve e se concentra nos dizeres do torpedo, transportando-se para outra realidade.

_ Tudo bem? – Indago, receosa.

_ Hã... sim, só um minuto. Me desculpe. – Ele responde, teclando no celular com rapidez. Não demora muito e outro som indica que uma nova mensagem chegou, e assim Marco persiste numa conversa virtual.

Solto um suspiro, aguardando a atenção dele de volta. Depois de cinco minutos de desligamento total a respeito da minha presença, ele retorna ao jantar com uma expressão desconcertada.

_ Mil perdões. Trata-se de uma urgência, mas está tudo sob controle.

_ Pode me contar, Marco. Eu posso ajudar de alguma forma...

_ Ah, não. Está tudo resolvido, não há nada a se fazer. Olhe que maravilha! – Ele exclama, e o garçom serve o Fondue de chocolate com as frutas da estação.

Desde então, a noite se resume a espetar uvas e trocar conversas que não fluem. Marco está nervoso, posso notar pelas pernas inquietas e o olhar perdido para a paisagem que se ergue a nossa lateral. Eu me derroto num ar decepcionado, imaginando que outra vez a noite não terminará como um conto de fadas, e minha carruagem se transformará em abóbora. O chocolate desce amargo, e não sei muito bem o que fazer com estes meus dez dedos sobre a mesa, que ainda carregam o perfume de seu pescoço.

Ele me deixa em casa, e durante o caminho de volta prefiro fingir que estou dormindo para evitar mais conversas constrangedoras. Antes que eu saia do veículo, ele me dá um beijo estalado, mas não é a mesma coisa. Não sinto o frio na barriga, não sinto o desejo emanar da pele dele, não sinto a emoção de que estou fechando uma noite inesquecível. Era como se eu não estivesse saindo de fato com Marco Lorenzo Vittorelli, porque a sensação não é nem de perto a expectativa que eu criara.

_ Eu adorei a sua companhia, Nora – Ele agradece.

_ De verdade? – Questiono, demonstrando o desapontamento.

_ De todas as mulheres, a sua é a com quem me sinto mais a vontade.

_ Até mais que a dos homens?

Ele pausa para refletir, confuso e perplexo.

_ O que quer dizer com...

_ Esquece, Marco. Obrigada por tudo.


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Notas finais do capítulo

As partes italianas foram traduzidas grotescamente pelo Google Tradutor. Todos nós sabemos que ele não é confiável.



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