Se o Amor é uma Ilusão, Deixe-me Ser Iludida escrita por snow Steps


Capítulo 14
Capítulo 13




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Saindo do supermercado com as duas bolsas recicláveis em ambas as mãos, volto para casa a pé com a sofreguidão do sol castigando minhas costas e a preocupação atormentando a consciência. De repente esqueci todas as hipóteses imaginárias de uma noite quente com Marco, e agora tudo o que eu imagino são as possíveis verdades ditas para Tomas. Estou me sentindo arrasada. Nunca pensei que a amizade de Tomas fosse tão importante para mim. Agora, com quem irei conversar na faculdade? Como farei para me aproximar de Marco? Tudo é uma incógnita, e a única certeza que prevalece é: perdi minhas caronas.

Estou caminhando pela Estrada do Bananal – que por obséquio não possui nem um pé de banana sequer – e sou alarmada por uma buzina estridente que ressoa logo atrás de mim. É agora que eu morro, penso, relembrando das notícias de todas as vítimas inocentes que foram atropeladas em calçadas. Antes que o filme da minha vida comece a passar diante dos meus olhos, um carro SUV Santa Fé freia derrapando os pneus, e o vidro automático desce revelando um rosto familiar, mas totalmente inesperado.

_ Noriiiinhaaaa – Esguincha Gabriela, uma das semi-deusas da faculdade Maria de Mattias. Seus olhos estão escondidos por trás de um Ray-Ban, provavelmente também está sofrendo os efeitos de uma boa ressaca. Qual a diferença dela para mim? Bem, ela parece que apenas teve uma noite mal dormida, enquanto eu pareço que fui atropelada por um caminhão.

_ Ooi... Gabriela – Cumprimento, sem graça. Onde diabos eu consigo esconder duas enormes bolsas de supermercado das laranjinhas orgânicas felizes?

_ O que você anda fazendo por aqui? – Ela indaga com discriminação, indicando com as mãos de unhas vermelhas a Estrada do Bananal quase deserta, como se fosse a entrada de uma favela.

_ Eu quem devo te perguntar, né? – Desconverso, com uma risada fugaz.

_ Estou indo para a casa da minha mãe na Suíça Carioca – Ela explica, após xingar um motorista que buzina para ela por estar ocupando mais da metade da faixa.

Arqueio as sobrancelhas, digerindo a informação. A Suíça Carioca é um condomínio privilegiado da Freguesia, ganhando este nome por estar situado entre os morros verdejantes que garantem um clima mais frio. Contudo, dizer que é uma “Suíça” é forçar muito a barra.

_ Olha, mais tarde vai rolar uma festa do pijama lá e seria maneiro se você fosse, já que é a mais nova mattildinha. Vou te passar o endereço pelo Face. Qual o seu nickname mesmo?

Engulo em seco, e minha boca pronuncia a resposta asperamente.

_ Eleonora... Santos.

_ Essa é fácil de gravar – Ela comenta, com uma gargalhada de voz fina. – Até mais!

Assim, o SUV canta novamente os pneus e volta para a pista, deixando uma Nora atordoada para trás. O que acabou de acontecer? Ou melhor, quais eram as possibilidades daquilo acontecer? Mínimas, beirando a inexistentes. Mas aqui estou eu, uma convidada para a festa do pijama da gatíssima Gabriela, a ruiva falsificada que pagou boquete para o meu sonho de consumo. E segundo ela, sou uma mattildinha, seja lá o que isso signifique.

Deixando a probabilidade para a Matemática, o fato é que não posso jamais perder esta oportunidade. Assim, o plano Dionísio alavanca novamente, mais forte e possível como nunca. Mas para o momento, ainda preciso levar essas bolsas de laranjinhas orgânicas para casa.

***

Conforme o combinado, Gabriela Schaeffer (note o sobrenome super difícil que dá um charme único para o nickname) tornou-se amiga de Eleonora Santos virtualmente, passando-me o endereço da casa e me provando de uma vez por todas que não, o convite não é uma piada sem graça. Invento uma desculpa para mamãe, dizendo que irei dormir na casa da minha prima Paula. Nós duas temos um contrato: caso nossas mães liguem para casa uma da outra, sempre confirmaremos a mentira. O acordo é muito útil para Paula, visto que a mãe dela me liga quase todo o fim de semana. Porém será a primeira vez que irei utilizá-lo, e espero realmente que funcione.

Escolho um pijama branco de mangas longas e estampa de coelhinhos, pois é o mais novo que tenho (os outros tem em média uns seis anos de idade). Apanho minha mochila e vou à espera de meu Mercedes-Benz coletivo, que vem abençoadamente vazio. Não demora muito e quinze minutos após estou subindo a rua da Estrada do Pau-Ferro, escura e deserta. Amedrontada, finalmente chego à portaria da Suíça Carioca, e o porteiro me deixa entrar porém avisa que a casa se encontra numa das últimas ruas do condomínio. Nada vem de graça para você, Nora, logo penso, ajeitando a mochila nas costas e atravessando o enorme condomínio com suas casas opulentas e dignas de capa da revista GNT.

Faço contagem regressiva e antes tarde do que nunca, deparo-me com a residência de número 674. Uma bela casa de dois andares com direito a varanda com deck de madeira e um jardim que ladeia o caminho até a entrada está erguida na minha frente. Ouço vozes estridentes gritando no interior da casa, e em seguida, risadas espalhafatosas. Logo penso que elas devem estar me espionando por uma das janelas, dizendo “olha lá a garota Silva e Santos, coitadinha, ela realmente acha que nós vamos abrir o portão”.

De repente, Gabriela sai pela porta vestindo um pijama extremamente curto e de rendas, e por aí já começo a me arrepender de ter levado o da estampa de coelhinhos. Atrás dela, seguem Isabella e Natasha que aguardam na varanda, protegendo-se do frio noturno com um abraço apertado.

_ Pensamos que não viria mais – Gabi fala, abrindo o portão.

Não há tantos Mercedes-Benz rodando a essa hora da noite, sabia?

_ O taxi demorou para chegar. – Menti, forjando um sorriso nem um pouco natural.

Subimos para o segundo andar, e para cada degrau vencido, eu quero voltar dois. Mas você não queria tanto se aproximar das suas concorrentes, Nora? Sim, eu ainda quero. Mas entenda: elas são o extremo oposto do que sou. Em absolutamente todos os sentidos. Já me sinto desconfortável ao ver seus peitos siliconados pulando para fora da blusa de alça decotada e as bochechas do bumbum balançando por baixo das camisolas. O que elas irão pensar quando me verem com um pijama de moletom da vovó? E quando conversarem sobre as mais agitadas baladas que eu jamais pisei? E sobre... sexo?

Entramos no quarto de Gabriela, o qual você já pode concluir que é um sonho. Completamente em tom violeta, ela possui uma cama de dossel – sim, aquelas de princesa do século XVIII – um closet maior que o corredor do meu prédio e uma penteadeira de boneca com todas as cores de batom que já inventaram na face da Terra. Elas se jogam em cima da grande cama e suas blusas de tecido fino levantam consequentemente, expondo suas barrigas perfeitas. Eu ainda me mantenho de longe, segurando a mão na maçaneta e ponderando se eu realmente devo estar ali.

_ Vá se trocar, Nora! Daqui a pouquinho a Renata irá chegar com a maior coleção de esmaltes que o mundo já viu – Avisa Gabi, espreguiçando-se dengosamente.

Renata. Isabella. Natasha. Gabriela. Todas elas possuem um boato de qual é protagonista com Marco. Estou definitivamente num ninho de cobras. Mas a operação Dionísio precisa de suas informações, e então afirmo com a cabeça e me dirijo ao closet.

Desanimadamente, visto o calção de coelhos e a blusa de mangas compridas, respirando fundo antes de abrir a porta de correr. Antes disso, encaro-me no espelho: uma garota baixinha com algumas gorduras localizadas, seios pequenos e bumbum na média. Como posso competir com elas? O que estou esperando? Uma fada madrinha?

Timidamente, volto para o quarto e com passos curtos caminho até a cama. As garotas me esquadrinham dos pés à cabeça, como já é de se esperar, e uma expressão de desgosto toma conta de suas feições por breves segundos. Antes que a reprovação se torne óbvia, Gabi exclama com sua voz estridente e completamente falsa:

_ Que pijama fofiiinho, Nora!

_ Ah... obrigada. – Agradeço ingenuamente, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

_ Vem, senta aqui – Natasha pede, batendo a palma da mão no espaço do colchão ao seu lado.

Acomodo-me envergonhadamente e fico calada, prestando atenção à conversa.

_ Mas continue, Isa. O que aconteceu depois? – Pergunta Gabi altamente interessada, fazendo com que seus olhos nem pisquem.

_ Bem, a gente ficou conversando na varanda por um tempo, e aí Marco começou a dizer “eu te acho muito linda” e “você está tão gostosa nesse biquíni apertadinho”... ai, fico excitada só de lembrar!

_ Safada! – Elas começam a gritar em uníssono explodindo em risadas, jogando os travesseiros no rosto de Isa. Ah, acho que agora finalmente entendi porque sempre tem guerra de travesseiros nas festas de pijama.

_ Então nós subimos... fomos para o quarto do Bernardo e lá aconteceu tudo. Foi tão quente. Sabe, quente mesmo! Cheguei a suar, pois parecia que o quarto estava cheio de vapor.

No mesmo instante meu coração dá uma guinada abrupta, e meus olhos se enchem d’água.

Tola. Idiota. Patética.

São estas palavras que me definem, por estar apaixonado por um cara que transa com uma piranha no mesmo quarto onde formei as memórias mais íntimas que já tive com ele. Memórias as quais não passam de água com açúcar para Marco Vittorelli, memórias as quais ele nem deve mais recordar.

_ Ai amiga, para mim ele não é isso tudo. Já falei da minha experiência com o chupa-dedo – Contrapõe Natasha, levantando um ar de desdém.

_ Você tá falando do boato do chupa-dedo? – Intercepto, concentrando-me para a minha voz não falhar devido ao choro engasgado.

_ Não é boato, é verdade – Replica Natasha, com expressão séria.

_ Ele foi incrível comigo. Tive dois orgasmos – Rapidamente rebate Isabella, trazendo um tom desafiador.

_ Você se diverte até com o vibracall do celular, minha filha – Retorque Natasha, e antes que as coisas comecem a ficar feias, o interfone toca e Gabi mata a gênese da briga perguntando quem irá acompanha-la até o portão.

Assim chega a Renata, trazendo duas maletas com mais de cem opções de esmaltes. As cobras se distraem com a pintura das unhas, enquanto eu me resguardo num canto com o esmalte “cinza deprê”, pois é o qual mais me define no momento. Não estou mais interessada nas fofocas, não estou mais interessada na operação Dionísio. Não sei exatamente o porquê de tanta decepção, pois desde o início já estou vacinada contra a ingênua ideia de que Marco é um anjo da Capela Sistina. Talvez eu ainda precisasse constatar com os meus próprios olhos e ouvidos de que sim, ele é um total cafajeste sem um pingo de decência.

_ E você, Nora? – Questiona Isabella inesperadamente, no meio da conversa que passa longe da minha atenção.

_ Eu o quê? – Devolvo, levantando o olhar das unhas dos pés.

_ Está interessada por alguém? – Ela continua, atraindo o foco de todas.

Mordo o lábio inferior, com a melancolia reinando dentro de mim. Eu posso deixar a oportunidade passar batido, ou então sacudir a poeira do pijamas de coelhinho e seguir em frente para o buraco no qual já estou metida.

_ Eu não diria... interessada. Na verdade, eu tenho uma vontade. Um sonho de consumo. O mesmo desejo que nós temos em adquirir uma jóia da H-Stern, ou de uma bolsa da Victor Hugo, eu tenho por adquirir Marco Vittorelli. Quero prova-lo, assim como vocês já o fizeram, e tirar minhas próprias conclusões. Cansei de boatos. Eu quero fatos.

O silêncio toma conta do quarto pela primeira vez desde que chegamos ali, e as serpentes se entreolham, abismadas. Gabi é a primeira a quebrar a quietude constrangedora:

_ Ar-ra-sou!

_ Pode contar com a gente, querida! Você será mais uma prova de que esse italiano é uma fraude! – Envenena Natasha, soltando um olhar de esguelha pretensioso para Isabella.

_ Não acho uma boa ideia – Imediatamente corta Renata, cuja desaprovação está evidente no rosto.

_ Nem eu – Concorda Isabella.

_ E por que não? – Contrapõe Gabi, indignada. – Agora que vocês já comeram os seus pedaços, ninguém mais pode, é isso?

_ Nada a ver – Responde Isa, austera. – A Norinha não faz o tipo do Marco. Não vai rolar.

Natasha esboça um sorriso malicioso nos lábios carnudos, fitando-me diretamente nos olhos e dizendo:

_ Então vamos fazer com que ela seja.


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