CAPÍTULO XXXV

Há um alvoroço ao nosso redor, gritos de vitória são ouvidos por todos os lados. Snow acabou sendo morto momentos após Coin, pisoteado, e pelo que pudemos saber, rindo também. Ainda me sinto um pouco como um monstro depois de comemorar a morte de Alma Coin, mas foi impossível de conter.

Ela pagou por todo o mal que fez.

Agora está tudo acabado.

Vou até uma janela próxima e me debruço n parapeito, observando o que sobrou da Capital. Não há muito para ver, já que tudo ao redor da mansão foi destruído. Não há mais aqueles altos prédios luxuosos e coloridos, como se disputassem qual é o que chama mais atenção. Não há mais pessoas andando livremente pelas ruas. Todos estão refugiados em algum lugar que ainda esteja em pé. Não existe mais Capital. Isto é apenas o que sobrou dela, apenas um lugar esperando para voltar a viver, mas agora, da forma certa.

Sou tomada imediatamente por lembranças, de tudo que passei nos últimos anos. Em como, agora, não faz mais sentido continuar aqui. Lembro-me da minha primeira vez como escolta, quando me juntei a Haymitch e logo, Cinna e Portia, que sempre se reuniam a mim depois dos jogos, todos os anos, e como nossa amizade se tornou tão essencial. De quando, às vezes, Cinna gastava um pouco do seu tempo desenhando algum vestido para mim, dizendo que sempre soube do que eu gostava - e ele tinha o costume de sempre acertar. - Lembro das sessões de filmes com Portia, da pipoca e das lágrimas que dividíamos de vez em quando, de como nos divertíamos com besteiras e depois voltávamos a nossa seriedade.

Lembro-me de como eu me sentia completa quando estava com eles, aqui, mas agora tudo é diferente. Não há mais desenhos novos de Cinna, nem sessões de filmes com Portia. Eles não estão mais aqui. Eles nunca vão voltar.

E como eu nunca esperaria, Haymitch, a quem eu sempre ignorei, a quem eu evitava me esforçar para me aproximar nos primeiros anos, tornou-se minha âncora. Que voltou a dar valor a sua vida depois de Katniss e Peeta aparecerem em nossas vidas. E foi aí que tudo mudou.

Completamente.

Quando volto a mim, percebo que algumas lágrimas já haviam caído pelo meu rosto e minhas bochechas estão úmidas. Fungo, então, e tento enxugá-las com as costas das mãos.

– Effie? - ouço uma voz masculina ao meu lado e acabo me assustando.

– Ah! Olá, Peeta - cumprimento-o enquanto me recomponho.

Ele me fita com um pouco de receio. É assim que o tenho visto últimamente: sempre com medo, pelo menos quando não aparenta sua raiva repentina. Me pergunto como Katniss está enfrentando tudo isso.

– Está tudo bem?

– Ah, sim, sim, querido - me apresso em dizer. - Só estou... pensando.

Peeta se aproxima um pouco mais e se debruça no parapeito, ao meu lado, e olha para frente.

– Como é que vai ser agora? - ele indaga com o olhar distante. Acompanho-o e volto a observar o que há lá fora. Tudo ao nosso redor destruído. Me fazendo não conseguir imaginar se poderá haver um futuro aqui. Eles podem reconstruir, mas nada voltará a ser como antes.

– Não faço ideia - respondo, balançando a cabeça.

– Você vai voltar com a gente, não é? - ele pergunta subitamente. - Para o Distrito 12...

– Eu...

– Ela vai, sim - a voz de Haymitch soa atrás de nós, o que nos faz virar para vê-lo vir com Katniss ao seu lado. Ela parece ainda um pouco atordoada, mas é compreensível, depois de tudo que ela passou até agora. Me surpreende que ela ainda esteja de pé.

Troco um olhar com Haymitch que sorri satisfeito para mim. Mas é a verdade.

– Nem depois dos jogos vocês vão nos deixar em paz, não é - Katniss comenta com os braços cruzados, mas logo esbanja um tímido sorriso que é retribuído por todos nós.

– Bom, ainda somos um time, não somos? - indago, olhando de um para o outro.

Peeta abre um pouco mais o sorriso antes de responder.

– Sempre seremos, Effie.

~*~

Estamos de volta no trem. Como uma história cheia de redundâncias, voltamos ao ponto de partida. Mas agora é diferente. Não estou indo para retirar os nomes de mais dois tributos na colheita, nem buscar os garotos para a turnê da vitória.

Estou indo para casa.

Chega a soar estranho quando penso nisso. Sempre associei o termo "casa" com meu apartamento na Capital, ou a própria Capital em si. Mas agora aquilo não existe mais, assim como boa parte do círculo da cidade.

As reformas foram iniciadas desde que Paylor assumiu a presidência, incluindo a reforma do Distrito 12, já que o que restara daquele lugar fora apenas a aldeia dos vitoriosos. E é para lá que estamos indo.

Estou sentada no sofá, no último vagão do trem, admirando a paisagem enquanto o sol está se pondo. Encosto minha cabeça numa almofada e permaneço com o olhar preso no tom alaranjado que o sol concede ao céu.

– Desse jeito, vai acabar dormindo - ouço uma voz masculina vinda do início do vagão e não preciso olhar na direção dela para saber que se trata de Haymitch.

– Não é uma má ideia.

Ele ri brevemente e se junta a mim. Seus lábios tocam levemente a minha nuca e então sinto-o passar um braço ao meu redor.

– Você está bem?

– Acho que sim - respondo sem saber ao certo se estou.

Pouso minha mão sobre a dele e me acomodo ao calor do seu corpo.

– Posso confessar uma coisa?

– Pode.

Haymitch leva alguns segundos para falar, como se estivesse ponderando se deveria ou não.

– Quando você estava internada, lá no Distrito 13... - ele dá uma pausa e sua mão desliza sobre a minha barriga. - Eu achei que você fosse morrer - sua voz soa trêmula e me pergunto se ele está prendendo o choro. Mas continuo da mesma forma, parada, apenas ouvindo-o atentamente. - Todo aquele sangue e tudo mais... E se você morresse... eu acho que eu...

– Ei - interrompo-o, virando-me de frente para ele. - Por que está dizendo isso?

Olho no fundo dos seus olhos e noto seu abatimento. Ele parece um pouco assustado.

– É que, depois daquele dia eu só tenho tido pesadelos com isso... você sangrando até morrer, ou internada até seus batimentos pararem...

– Haymitch! - digo e ponho uma mão no seu rosto. - Está tudo bem. Eu estou aqui. É mais difícil para mim do que para você, mas temos que seguir em frente... Lembra do que você me disse depois que eu recebi alta? Vamos superar isso... juntos.

Depois de alguns segundos, Haymitch deixa surgir um pequeno sorriso nos lábios e me abraça. Nos acomodamos no sofá por mais um tempo enquanto o trem nos leva ao Distrito 12.

~*~

Muita coisa - e, por que não dizer, quase tudo - mudou desde que chegamos à Aldeia dos Vitoriosos. O Distrito 12 ainda estava em reforma. Aos poucos aquele lugar voltou a possuir seus habitantes. E, de qualquer forma, havíamos trazido muitos mantimentos da Capital para garantirmos nossa sobrevivência por um tempo.

Exceto pela poeira acumulada, a Aldeia dos Vitoriosos estava intocada. Katniss e Peeta foram para suas devidas casas, a princípio, mas não demoraram até se juntarem.

Já se passaram quatro meses desde que chegamos aqui e posso dizer que nunca me senti tão em casa em toda a minha vida. Confesso que sinto saudades do luxo da Capital, mas de vez em quando consigo matar essas saudades quando pego a única peruca que me sobrou. Dourada.

Retiro o bolo do forno, sentindo-me orgulhosa por ter acertado dessa vez, desde que Peeta me passou a receita e me deu algumas dicas de cozinha. Sinto o cheiro de chocolate impregnar minhas narinas e sorrio com isso.

As coisas estão se acertando agora.

Coloco o bolo na mesa para esfriar e me encaminho até o terraço. Haymitch está sentado no banco. Encosto-me no parapeito e olho para frente. É aqui onde vivo. Esta é a minha casa.

Haymitch se levanta e passa os braços ao meu redor. Ele deposita alguns beijos de leve na minha nuca até chegar ao meu ombro, e afasta a alça do meu vestido. Um arrepio percorre pelo meu corpo e uma sensação que até então receava sentir novamente, de repente, retorna e sei que não devo desperdiçá-la.

– Eu acho melhor a gente entrar - Haymitch sussurra no meu ouvido, após perceber minha reação, e eu concordo. Sua mão segura a minha e então ele me conduz para dentro de casa. Subimos as escadas em silêncio até chegarmos ao nosso quarto.

Estamos prontos para tentar novamente.